Análise da qualidade de vida em pacientes pediátricos com alergia alimentar
Quality of life assessment in pediatric patients with food allergy
Analice Val de Paula1; Lídia Lacerda Guimarães1; Leticia Luisa Mattos2; Luiza Elian Reis2; Érica Godinho Menezes2; Wilson Rocha Filho1
1. Hospital Infantil João Paulo II - Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH - Belo Horizonte, MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Wilson Rocha Filho
E-mail: wrocha2227@gmail.com
Submetido em: 07/03/2022
Aceito em: 17/06/2022
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo
RESUMO
INTRODUÇÃO: A alergia alimentar pode afetar o bem-estar dos pacientes e de seus familiares. Esse trabalho busca, por meio de questionário validado, investigar a qualidade de vida desses pacientes, acompanhados em um centro de tratamento multidisciplinar.
MÉTODOS: Pacientes entre 0 e 18 anos, monitorados no Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital Infantil João Paulo II entre 2012 e 2017, foram selecionados para responder a um questionário de avaliação de qualidade de vida com coleta de informações acerca do tipo de alergia, sua apresentação clínica, presença de dermatite atópica, prescrição ou não de kit de Adrenalina®, tempo de acompanhamento no serviço e tempo de acompanhamento por nutricionista.
RESULTADOS: Foram incluídos 77 pacientes, com idade média de 3,38 anos, em sua maioria revelando qualidade de vida regular (43%) e com acompanhamento no Serviço inferior a seis meses (52%). Daqueles acompanhados por nutricionista, 52,4% o faziam há menos de seis meses. Alergia IgE mediada foi identificada em 51% dos sujeitos da pesquisa, com 66,66% dos mesmos sob prescrição de kit de Adrenalina®. Não houve associação estatisticamente significativa entre qualidade de vida e as variáveis analisadas.
CONCLUSÃO: O questionário de qualidade de vida é um importante instrumento de avaliação de pacientes com alergia alimentar, permitindo traçar o perfil dos mesmos e atuar individualmente nos quesitos que impactam negativamente o seu dia a dia.
Descritores: Criança, hipersensibilidade alimentar, qualidade de vida, saúde da criança.
INTRODUÇÃO
A alergia alimentar é definida como uma resposta imune anormal a proteínas alimentares, podendo ser mediada por IgE, parcialmente mediada por IgE, ou não mediada por IgE1,2. Afeta mais crianças do que adultos e sua prevalência vem aumentando globalmente nos últimos anos, estimada em aproximadamente 6% em crianças abaixo de três anos de idade, e 3,5% em adultos3. Pacientes portadores desta condição têm risco de evoluir com reações graves que, se não tratadas adequadamente, podem até mesmo ser fatais.
A restrição da ingestão da proteína alimentar alergênica é primordial para o tratamento, o que requer disciplina por parte do paciente e de sua família. São exemplos de cuidados constantes a serem observados: fazer leitura minuciosa de rótulos de produtos manufaturados, estar atento à possibilidade de contaminação cruzada de alimentos, e restringir algumas atividades escolares e sociais que envolvem ingestão alimentar4. Mais ainda, crianças com anafilaxia devem ser orientadas a portar consigo solução de epinefrina, bem como seus responsáveis deverão receber treinamento adequado para utilizá-la quando e se necessário. O diagnóstico de alergia alimentar pode, portanto, comprometer a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, sendo comum também o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos secundários5-7. Tal evolução pode ser observada especialmente em crianças em idade escolar8.
Muitos questionários de avaliação de qualidade de vida vêm sendo propostos para crianças e adolescentes portadores de alergia alimentar, buscando-se melhor compreensão do impacto do diagnóstico e de seu tratamento no cotidiano dos mesmos e de suas famílias9-12. É neste contexto que o presente estudo se desenvolveu, visando, por meio da aplicação de questionário validado, investigar a qualidade de vida de pacientes assistidos em um centro de referência em tratamento multidisciplinar de alergia alimentar.
MÉTODOS
Desenho do estudo e população
Trata-se de estudo transversal, descritivo, conduzido no Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII) - Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), no período de 2012 a 2017. Este centro oferece atendimentos por equipe profissional multidisciplinar, composta por médicos de diferentes especialidades (pediatras, alergistas, gastroenterologistas pediátricos, dermatologistas), enfermeiras e nutricionistas.
Foram incluídos pacientes com idade entre 0 e 18 anos, com diagnóstico de alergia alimentar confirmado através da história clínica, mostrando relação de causa e efeito irrefutável, além de reprodutibilidade dos sintomas a partir da exposição repetida ao alimento suspeito. Quando necessário, realizou-se teste alérgico cutâneo de leitura imediata e dosagem de IgE específica para o alimento, ou ainda teste de provocação oral. Pacientes com alergia alimentar não IgE mediada foram incluídos quando apresentavam história clínica reprodutível e irrefutável ao alimento em questão. Quando necessário estes pacientes foram submetidos a teste de provocação oral para confirmação diagnóstica. O diagnóstico de esofagite eosinofílica (EoE) foi confirmado pelos achados macroscópicos obtidos por endoscopia digestiva alta, complementados por histologia evidenciando ≥ 15 eosinófilos por campo. Todos os pacientes foram submetidos à coleta específica de dados (pessoais e relacionados ao acompanhamento da doença em questão), registrados em formulário próprio.
Pacientes com histórico de anafilaxia receberam kit de Adrenalina® e seus pais e/ou cuidadores foram treinados no manejo correto de um plano de ação. Pacientes e/ou familiares e/ou cuidadores que se mostraram incapazes de preencher adequadamente os questionários, bem como pacientes portadores de doenças congênitas e/ou sistêmicas passíveis de comprometer a qualidade de vida, foram excluídos do estudo.
Questionário de Qualidade de Vida
Questionários padronizados, originalmente construídos em inglês, propostos por DunnGalvin e cols.9 e específicos para avaliação da qualidade de vida na alergia alimentar, foram aplicados aos pacientes e a seus pais, cuidadores ou responsáveis legais, cuidando-se para que o preenchimento fosse feito pelo mesmo responsável ao longo de todo o estudo. Em um primeiro momento realizamos a validação do questionário para a língua portuguesa em nosso serviço. Durante a tradução e adaptação dos questionários à língua portuguesa, solicitou-se que eles fossem preenchidos, pelo mesmo cuidador, em duas ocasiões, com no máximo uma semana de intervalo entre eles. Constatou-se uma concordância acima de 90% entre os dois preenchimentos. A seguir, passaram a ser aplicados a cada três meses. Questionários de pacientes entre 0 e 12 anos de idade foram preenchidos exclusivamente pelos pais ou cuidadores, enquanto aqueles de pacientes entre 13 e 18 anos de idade foram preenchidos parte pelos próprios pacientes e parte por seus pais/cuidadores.
Em linhas gerais, as perguntas abordaram três domínios envolvidos na doença: seu impacto emocional, a presença de ansiedade alimentar e as possíveis limitações sociais e dietéticas. Para cada item avaliado são apresentadas opções de quantificação do comprometimento da qualidade de vida do paciente, através de numeração que varia de um (ausente) a seis (grau extremo). O resultado final se dá pela média da soma dos valores médios obtidos em cada um dos domínios. Valores entre zero e dois indicam qualidade de vida boa; entre três e quatro, qualidade de vida regular; entre cinco e seis, qualidade de vida ruim (Anexos 1, 2 e 3).
Análise estatística
Os dados obtidos foram analisados através do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), para Windows, versão 16.0. Consideraram-se as seguintes variáveis: descrição da qualidade de vida (ruim, regular ou boa); tempo de acompanhamento no Serviço; histórico de acompanhamento por nutricionista (e sua duração); tipo de alergia (IgE mediada, não IgE mediada, ou mista); diagnóstico de acordo com a apresentação clínica da alergia e prescrição de kit de Adrenalina®. Os testes estatísticos utilizados para análise foram Qui-quadrado (χ2), t de Student e Kruskal-Wallis. O valor de p < 0,05 foi considerado como limiar de significância estatística.
RESULTADOS
Inicialmente foram selecionados 90 pacientes, dos quais 13 (14,4%) foram excluídos seja por falha no seguimento clínico ou preenchimento incorreto dos questionários. O estudo baseou-se, portanto, nos dados de 77 pacientes, dos quais 41 (53,2%) são do sexo masculino e 36 (46,8%) do sexo feminino, com idade média de 3,38 anos (Figura 1).
A qualidade de vida (Tabela 1) foi analisada no contexto das seguintes variáveis: tempo de acompanhamento no Serviço; acompanhamento ou não por uma nutricionista (e sua duração); classificação e apresentação clínica da alergia; prescrição ou não de kit de Adrenalina® (Tabelas 2 e 3). Quando se analisa o tempo de acompanhamento dos pacientes no Serviço (Tabela 4), tem-se que 22 (28,5%) eram monitorados há mais de 12 meses, para 15 (19,5%) o período variava entre seis e 12 meses, e para 40 (52%) o acompanhamento era inferior a seis meses. Dentre estes últimos, 19 pacientes (47,5%) revelaram qualidade de vida "boa", 15 (37,5%) "regular", e seis (15,0%) "ruim" após o diagnóstico e acompanhamento. Dos 15 pacientes com tempo de acompanhamento entre seis e 12 meses, seis (40,0%) apresentaram qualidade de vida "boa", seis (40,0%) "regular", e três (20,0%) "ruim". Por fim, os 22 pacientes com tempo de acompanhamento no serviço superior a 12 meses classificaram-se, em relação à qualidade de vida, como: 6 "boa" a (27,3%); 12 regular (54,5%); e 4 ruim (18,2%). Não se observou associação estatisticamente significativa entre as variáveis qualidade de vida e tempo de acompanhamento no Serviço" (p = 0,602).
Do total da amostra, 42 pacientes (54,5%) estiveram sob os cuidados de uma nutricionista por períodos variáveis (Tabela 5): 22 com tempo de acompanhamento inferior a seis meses (52,4%); 9 entre seis e 12 meses (21,4%); 11 superior a 12 meses (26,2%). Quando se avalia a qualidade de vida desses pacientes, 19 (45,2%) classificaram-se como "boa", 18 (42,9%) como "regular", e cinco pacientes (11,9%) revelaram qualidade de vida "ruim". Não foi observada associação estatisticamente significativa (p = 0,382) entre as variáveis "qualidade de vida" e "acompanhamento por uma nutricionista", tampouco entre "qualidade de vida" e "tempo de acompanhamento por uma nutricionista" (Tabela 6). Dos 22 pacientes com período de acompanhamento por uma nutricionista igual ou inferior a seis meses, 13 (59,1%) revelaram qualidade de vida "boa", oito (36,4%) "regular", e um (4,5%) "ruim". Naqueles com tempo de acompanhamento entre seis e 12 meses, três pacientes (33,3%) apresentaram qualidade de vida "boa", quatro (44,5%) "regular", e dois (22,2%) "ruim". Por fim, três pacientes com tempo superior a 12 meses revelaram qualidade de vida "boa", seis (54,6%) classificaram-se como "regular", e dois (18,2%) como "ruim" (Tabela 5).
A alergia IgE mediada foi identificada em 39 pacientes, sendo que 12 deles (30,8%) revelaram qualidade de vida "boa", 19 (48,7%) "regular" e oito (20,5%) "ruim". Já dos 20 pacientes com alergia não mediada por IgE, 11 (55,0%) apresentaram-se com qualidade de vida "boa", e nove (45,0%) "regular". Finalmente, dos 18 pacientes com alergia mista, oito (44,4%) apresentaram qualidade de vida "boa", cinco (27,8%) "regular", e cinco (27,8%) "ruim". Não se observou associação estatisticamente significativa entre as variáveis "qualidade de vida" e "tipo de alergia alimentar" (Tabela 7).
A apresentação clínica do quadro alérgico foi outra variável analisada, obtendo-se os seguintes resultados: 12 pacientes com proctite (15,6%), com sete pacientes (58,4%) revelando qualidade de vida "boa" e cinco "regular"; 8 pacientes com síndrome de enterocolite induzida por proteína alimentar - FPIES (10,4%), com quatro pacientes (50%) com qualidade de vida "boa" e quatro (50%) "regular"; 3 pacientes com esofagite eosinofílica (3,9%), dentre os quais um (25%) apresentou qualidade de vida "boa" e dois (75%) "ruim"; 39 pacientes com alergia IgE mediada propriamente dita (50,6%), dos quais 12 (30,8%) revelaram qualidade de vida "boa", 19 (48,7%) "regular", e oito (20,5%) "ruim"; 31 pacientes com dermatite atópica (40,2%), com 13 (41,9%) apresentando qualidade de vida "boa", 13 (41,9%) "regular", e cinco (16,2%) "ruim"; 15 pacientes com dermatite atópica como manifestação única (19,5%), sete destes (46,68%) cursaram com qualidade de vida "boa", cinco (33,4%) "regular", e três (20%) "ruim". Também não foi observada associação estatisticamente significativa entre as variáveis "qualidade de vida" e "apresentação clínica da alergia alimentar" (Tabela 8).
kits de Adrenalina® foram prescritos para 26 (66,66%) dos 39 pacientes com alergia IgE mediada. Destes, oito (30,8%) apresentaram qualidade de vida "boa", 13 (50%) "regular", e cinco (19,2%) "ruim". Mais uma vez não foi observada associação estatisticamente significativa entre as variáveis analisadas (Tabela 9).
Observa-se ainda que a maior parte dos pacientes analisados eram acompanhados no Serviço por um período inferior a seis meses, revelando qualidade de vida "boa". Já a maioria dos pacientes acompanhados por período superior a 12 meses consideraram sua qualidade de vida "regular". Do total de pacientes, aproximadamente metade (50%) fazia acompanhamento com nutricionista, em sua maioria por tempo inferior a seis meses, e revelaram qualidade de vida "boa".
Quando se analisa os pacientes em relação ao tipo de alergia alimentar, tem-se que aproximadamente 50% apresentavam alergia IgE mediada, com qualidade de vida "regular". Já aqueles com alergia não mediada por IgE ou mista revelaram, em sua maioria, qualidade de vida "boa". A alergia IgE mediada e a dermatite atópica foram os principais tipos de apresentação clínica de alergia alimentar identificados, com qualidade de vida variando entre "boa" e "regular", mesmo nas demais apresentações clínicas. Dentre os que receberam prescrição de kits de Adrenalina®, a qualidade de vida "regular" foi a mais prevalente.
Não foi observada associação estatisticamente significativa entre nenhuma das variáveis analisadas e a qualidade de vida dos pacientes em estudo.
DISCUSSÃO
A qualidade de vida das crianças com diagnóstico de alergia alimentar vem sendo objeto de estudos nos últimos anos, o que levou ao desenvolvimento de muitos questionários como ferramenta de avaliação do impacto da doença e de seu tratamento no indivíduo e naqueles que o cercam.
Questionários genéricos são aqueles que avaliam a qualidade de vida associada à saúde utilizando quatro domínios básicos (físico, psicológico, relações sociais e ambiente). São ferramentas que permitem comparações entre grupos diferentes, constituídos tanto por indivíduos saudáveis como por portadores de doenças diversas13,14. Avery e cols., por exemplo, compararam um grupo de crianças alérgicas a amendoim com outro grupo composto por crianças portadoras de diabetes mellitus dependentes de insulina. Observou-se maior incidência e níveis (intensidade) mais elevados de ansiedade nos componentes do grupo "alérgicos a amendoim"15. Calsbeek16, por sua vez, comparou 98 indivíduos com alergia alimentar com outros 758 portadores de doenças gastrointestinais crônicas, verificando que crianças e adolescentes do primeiro grupo sofreram um impacto diário maior na escola e em suas atividades recreativas quando comparadas com os pacientes com outras doenças digestivas não alérgicas. Estudo conduzido na Holanda também comparou escores gerais de qualidade de vida entre indivíduos com alergia alimentar, síndrome do intestino irritável, diabetes mellitus, artrite reumatoide e asma. O grupo com alergia alimentar revelou pior qualidade de vida em relação aos pacientes com diabetes mellitus, e qualidade de vida superior àqueles com asma, artrite reumatoide e síndrome do intestino irritável16.
Os resultados dos estudos baseados em avaliação genérica de qualidade de vida sugerem que os efeitos emocionais observados em pacientes com alergia alimentar são difíceis de se comparar com os de indivíduos portadores de outras doenças crônicas. Características distintas do paciente com alergia alimentar podem levar a graus mais elevados de ansiedade, mas parecem causar, no entanto, menor impacto na socialização desses indivíduos quando comparados àqueles com doença crônica não episódica5,17.
Estudos baseados em fatores específicos de qualidade de vida na alergia alimentar, por sua vez, evidenciam fatores capazes de impactar o dia a dia do paciente, tais como a prescrição de Adrenalina®, a história de anafilaxia e a percepção de responsabilidade em cuidar de sua própria saúde. Nesse sentido, DunnGalvin e cols.9 desenvolveram dois questionários de qualidade de vida, sendo um deles destinado a crianças de 0 a 12 anos e o segundo para pacientes de 12 a 18 anos. Os questionários foram confeccionados na Universidade College Cork, na Irlanda, a partir de cinco etapas: a primeira compreendeu a enumeração de itens e conteúdos que captam precisamente as preocupações dos pais, o que foi possível a partir de pesquisas a grupos de apoio, escuta de especialistas e revisão da literatura; em seguida aplicou-se a metodologia de impacto clínico para reduzir o número de itens do questionário, através da avaliação da frequência (número de pais endossando cada item em particular), da importância (média das notas dadas pelos pais para cada questão) e da importância global (frequência vs. importância) de cada item avaliado; na terceira etapa, os itens foram submetidos a análises para se definir as escalas dos questionários, os quais foram divididos em três domínios diferentes (de acordo com a abordagem): impacto emocional, ansiedade alimentar e limitações sociais e dietéticas; na etapa 4, validação do questionário, foram usados o Questionário de Saúde da Criança e a Medida Independente de Alergia Alimentar; por fim, a quinta e última etapa caracterizou-se pela validação cultural, com a aplicação do questionário nos pacientes da Universidade Duke nos Estados Unidos9,18.
A importância da atuação multidisciplinar (pediatra, alergista, nutricionista e psicólogo) no tratamento da alergia alimentar vem sendo progressivamente evidenciada19 Destaca-se aqui o papel do nutricionista na busca de melhor qualidade de vida para pacientes, seus familiares e/ou cuidadores9,20,21. Para a Sociedade Italiana de Nutrição Pediátrica, assim como para a Sociedade Italiana de Alergia e Imunologia Pediátrica, é essencial que as crianças submetidas a dietas de exclusão sejam acompanhadas regularmente pelo nutricionista19, com reavaliações periódicas programadas para se checar as necessidades nutricionais, as adaptações impostas pela idade e a adesão à dieta19. O plano de seguimento deve ser estabelecido com base na idade e no padrão de crescimento22. O nutricionista tem, assim, papel central, a fim de suprir os nutrientes cuja restrição foi imposta pela dieta (lembrando que cada faixa etária exige uma atenção especial para determinado nutriente), além de auxiliar os pais nos preparos das refeições, o que diminui a ansiedade e melhora a qualidade de vida22.
A alergia alimentar pode também desencadear distúrbios psicológicos nos pacientes e em seus familiares23. O receio constante de reações anafiláticas e a necessidade de vigilância para se prevenir exposições a alérgenos geram tensão e são preditores de angústia7. Ravid e cols. demonstraram que tais pacientes e suas famílias são frequentemente mais ansiosos e angustiados e têm pior qualidade de vida em relação à população geral5.
Buscou-se assim, neste estudo, determinar a qualidade de vida e traçar o perfil psicológico dos pacientes nele incluídos. No que se refere à qualidade de vida, não foi observada uma associação estatisticamente significativa com as variáveis analisadas, o que difere de dados publicados internacionalmente, que revelam associação entre o acompanhamento com nutricionista, a prescrição e treinamento do uso de Adrenalina® e o tempo de acompanhamento no serviço com um aprimoramento na qualidade de vida do paciente com alergia alimentar. O pequeno tamanho da amostra estudada (77 pacientes), bem como o seu curto período de seguimento e consequentemente o número de vezes que o questionário foi preenchido, poderia justificar essa divergência de resultados e realçam a necessidade de expansão da oferta de suporte nutricional prolongado aos pacientes acompanhados no Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII)- FHEMIG. Nosso estudo também não avaliou se a qualidade de vida variava de acordo com o alimento em questão e se alergia a múltiplos alimentos poderia influenciar negativamente na qualidade de vida.
Ficou claro também, a partir deste estudo, a necessidade por suporte psicológico dos pacientes do referido Ambulatório, que, infelizmente, não conta com tal Serviço. De acordo com os dados disponíveis, essa carência parece contribuir para que 59,7% dos indivíduos analisados tenham qualidade de vida regular ou ruim.
CONCLUSÃO
O questionário de qualidade de vida é uma importante ferramenta de monitoramento de pacientes com diagnóstico de alergia alimentar, uma vez que permite individualizar seu perfil e evidenciar fatores que impactam negativamente no bem estar cotidiano.
Apesar de trabalhos publicados apontarem associação direta entre determinadas variáveis e a melhora da qualidade de vida dos indivíduos em questão, o presente estudo não constatou o mesmo, mas ficou evidente a necessidade de maior suporte psicológico aos pacientes acompanhados no Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII)- FHEMIG.
Estudos envolvendo populações maiores e por tempo prolongado de acompanhamento deverão ser estimulados, buscando-se explorar e mesmo identificar outras variáveis capazes de aprimorar as intervenções terapêuticas e, consequentemente, a qualidade de vida de crianças portadoras de alergia alimentar.
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