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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2021 - Volume 5  - Número 4


Artigo Original

A especialidade de Alergia e Imunologia Clínica no Brasil: como começamos a segunda década do século XXI?

The specialty of Allergy and Clinical Immunology in Brazil: how do we start the second decade of the 21st century?

Luane Marques de Mello1; Faradiba Sarquis Serpa2; Álvaro Augusto Cruz3; Eduardo Costa Silva4; Eliane Miranda da Silva5; José Luiz Magalhães Rios6; Marilyn Urrutia-Pereira7; Marta de Fátima Rodrigues da Cunha Guidacci9; Phelipe dos Santos Souza9; Yara Arruda Marques Mello10; Emanuel Sarinho11; Norma de Paula M. Rubini12; Joseane Chiabai13; Dirceu Solé14


DOI: 10.5935/2526-5393.20210059

1. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Social - Ribeirão Preto, SP, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
2. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Departamento de Clínica Médica - Vitória, ES, Brasil. ASBAI, Diretora de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
3. Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico - Salvador, BA, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde e Departamento Científico de Asma - São Paulo, SP, Brasil
4. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Medicina Interna - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde e Departamento Científico de Asma - São Paulo, SP, Brasil
5. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Curso de Pós-graduação em Alergia e Imunologia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
6. Faculdade de Medicina de Petrópolis, Curso de Especialização em Alergia e Imunologia - Petrópolis, RJ, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
7. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pampa - Uruguaiana, RS, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
8. Hospital de Base, Departamento de Pediatria - Brasília, DF, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
9. Universidade do Vale do Itajaí - Itajaí, SC, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
10. Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, Serviço de Alergia e Imunologia Clínica. ABRASP, Departamento de Alergia - São Paulo, SP, Brasil. ASBAI, Comissão de Políticas de Saúde - São Paulo, SP, Brasil
11. Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Pediatria - Recife, PE, Brasil. ASBAI, Presidente - Gestão 2021-22
12. Escola de Medicina e Cirurgia


Endereço para correspondência:

Luane Marques de Mello
E-mail: luane@fmrp.usp.br


Submetido em: 25/08/2021
Aceito em: 03/09/2021

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

INTRODUÇÃO: É necessário conhecer a situação de alergistas/imunologistas nos diferentes cenários de atuação, identificando perfis e eventuais dificuldades. O conhecimento destes dados poderá servir de subsídio para fomentar a implementação de políticas que garantam a integralidade na atenção à saúde do paciente com doenças alérgicas e erros inatos da imunidade (EII).
OBJETIVO: Verificar o perfil dos especialistas em Alergia e imunologia no Brasil, em relação ao local de atuação, acesso a exames, terapias e o impacto da pandemia COVID-19 sobre o seu exercício profissional.
MÉTODOS: Estudo descritivo-exploratório, com dados coletados por inquérito on-line, utilizando-se a ferramenta Google Forms. Todos os associados adimplentes da ASBAI foram convidados a participar. O questionário abordou aspectos sociodemográficos e profissionais. As informações foram analisadas no programa SPSS versão 20.0.
RESULTADOS: Quatrocentos e sessenta associados responderam ao questionário. Observou-se predomínio de mulheres (73%), com mediana de idade de 47 anos. A maioria dos participantes atua no setor privado (95%), e 47% no setor público. Aproximadamente 80% dos que atendem no setor público referiram ter acesso a algum exame diagnóstico para doenças alérgicas e EII. Apenas 35% dos especialistas do sistema público têm acesso a imunoterapia alérgeno específica, contra 96% dos que atuam no setor privado. Já aos medicamentos imunobiológicos, 53% e 72% dos especialistas que atuam no serviço público e privado, respectivamente, referiram acesso. Mais de 60% dos associados participantes da pesquisa tiveram redução no número de consultas em pelo menos 50%, e 56% tem realizado atendimento por teleconsulta durante a pandemia de COVID-19.
CONCLUSÃO: Os associados da ASBAI têm incorporado na sua prática clínica os avanços na terapia das doenças imunoalérgicas, mas vários métodos diagnósticos ainda são pouco acessíveis. A presença do especialista em Alergia e Imunologia no SUS, também precisa ser ampliada. A pandemia do coronavírus trouxe a discussão da telemedicina como um método de atendimento clínico em nossa especialidade.

Descritores: Alergia e Imunologia, assistência integral à saúde, telemedicina.




INTRODUÇÃO

O aumento da prevalência das doenças imunoalérgicas observado nas últimas décadas gerou o aumento da demanda por médicos especialistas qualificados, que atuem tanto no setor privado quanto no público, nos diferentes níveis de atenção à saúde, para atender às necessidades da população que sofre com condições alérgicas e imunológicas1. Em paralelo a isso, os avanços que ocorreram nos procedimentos diagnósticos e o desenvolvimento de terapias alvo criaram a necessidade de capacitação contínua dos especialistas. Desta forma, revela-se de forma bem clara a importância da sociedade de especialidade atuar junto a diferentes esferas do cenário da saúde no Brasil, no sentido de melhorar o acesso ao diagnóstico e tratamento dessas condições, que afetam cerca de 30% da população.

Nesse contexto, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) tem como missão promover educação médica permanente e continuada, além de difundir os conhecimentos na área de Alergia e Imunologia, para fortalecer o exercício profissional da especialidade com excelência, tanto na esfera pública quanto na privada2. Os desafios para atingir o equilíbrio na distribuição dos profissionais e o acesso a exames diagnósticos e terapias, em um país de dimensão continental, são inúmeros. Assim sendo, é de fundamental importância conhecer a situação dos especialistas nos diferentes cenários de atuação, para que a ASBAI identifique as barreiras e fomente políticas que garantam a integralidade na atenção à saúde do paciente com doenças alérgicas e erros inatos da imunidade (EII).

Para conhecer a situação dos especialistas em nível nacional, em 2017, a ASBAI realizou uma pesquisa sobre a atuação dos seus especialistas, que forneceu um panorama geral em relação ao local de atuação e disponibilidade de exames diagnósticos e imunoterapia. Naquela ocasião, os alergistas/imunologistas eram jovens na sua maioria, e estavam concentrados nos grandes centros. O acesso ao atendimento especializado em Alergia e Imunologia Clínica estava restrito a poucos serviços, geralmente universitários, dificultando a integralidade da assistência a pacientes acometidos por essas enfermidades, especialmente os mais de 70% que dependem do SUS. Foram identificadas carências no acesso a vários exames diagnósticos e à imunoterapia específica com alérgenos, procedimento terapêutico exclusivo da especialidade3.

A COVID-19, declarada pandemia em março de 20204,5, vem impondo muitos desafios para o especialista, que precisou adotar as recomendações sanitárias para a contenção da disseminação do coronavírus em unidades de saúde, incluindo a redução de consultas e procedimentos eletivos, sem se ausentar da sua responsabilidade de prestar assistência de qualidade aos seus pacientes, dentro dos preceitos éticos nos quais a Medicina é pautada.

Passados cinco anos daquele estudo3 faz-se necessário atualizar as informações a respeito da atuação do especialista no Brasil. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa foi verificar a situação atual dos especialistas em Alergia e Imunologia no Brasil em relação ao seu local de atuação, acesso a exames, terapias e o impacto causado pela pandemia de COVID-19 na assistência especializada.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo consistiu em inquérito on-line, de caráter descritivo-exploratório, realizado de março a maio de 2021. Foram convidados a participar todos os associados adimplentes da ASBAI. E-mails informando sobre a pesquisa e contendo links do Google Forms® e endereço de acesso ao questionário (questionarioasbai@gmail.com) foram enviados a todos os associados.

O questionário abordou aspectos sociodemo-gráficos e profissionais em 34 questões de múltipla escolha e uma resposta aberta (Figura 1). Uma vez respondido, as informações foram eletrônica e automaticamente transferidas do Google Forms para uma planilha Microsoft Excel®. Ao final do período de coleta, um banco de dados contendo informações de todos os participantes da pesquisa, em formato Excel, foi transferido ao programa SPSS versão 20.0. Os dados foram checados quanto à duplicidade e consistência, assegurando a fidedignidade dos dados e confiabilidade dos resultados. Os dados foram catalogados como variáveis numéricas (idade em anos) e categóricas (todas as outras). Os dados foram analisados e os resultados são apresentados como frequências simples sob a forma de tabelas e gráficos.

 


Figura 1
Questionário sobre a especialidade de Alergia e Imunologia nos diferentes níveis de atenção à saúde

 

RESULTADOS

Responderam ao questionário estruturado online, no período de março a maio de 2021, 460 associados, o que corresponde a 25% do total de associados adimplentes da ASBAI (N = 1.848). A análise das respostas mostrou taxa de conclusão do questionário de 100%. A distribuição foi proporcionalmente semelhante ao número de associados por região (Tabela 1, Figura 2). A análise comparativa mostrou distribuição heterogênea dos especialistas considerando-se as regiões brasileiras, entretanto ela foi similar à de todos os associados adimplentes da ASBAI em 2021 (Tabela 1).

 

 

 


Figura 2
Distribuição dos participantes da pesquisa, de acordo com estado de moradia

 

Com relação ao perfil demográfico, observou-se predomínio de mulheres entre os participantes da pesquisa (336/460; 73%). A idade variou de 27 a 82 anos (média = 47,9; mediana = 47) e 56,4% dos especialistas referiram ter menos de 50 anos de idade. A distribuição dos participantes por gênero e faixa etária é apresentada na Figura 3.

 


Figura 3
Distribuição dos participantes da pesquisa, de acordo com gênero e faixa etária

 

Em relação à área principal de atuação, verificamos que mais de 90% dos associados participantes tem a Alergia e Imunologia como especialidade principal, seguidos por 36,3% que somam a Pediatria (Tabela 2). Apesar disso, apenas 14,6% restringem os seus atendimentos a pacientes pediátricos (Tabela 2). Atuam no setor público, como especialistas, 47,2% dos que participaram da pesquisa e no setor privado, 95% (Tabela 2). A distribuição do local de atuação, por faixa etária, é vista na Figura 4.

 

 

 


Figura 4
Distribuição dos participantes, segundo o local de atuação profissional, de acordo com a faixa etária

 

Entre os especialistas que trabalham no serviço público (256/460), verificamos que o principal local de atuação é em ambulatório de Hospital Universitário (49,6%). Já entre os que trabalham no setor privado (437/460), 89,7% o fazem em consultório particular e 27,2% em ambulatório de hospital privado (Tabela 3).

 

 

No setor público, 78,5% (201/259) dos especialistas atendem pacientes com diagnóstico ou suspeita de EII, 54,3% (139/256) atendem pacientes hospitalizados por doenças alérgicas, e 46,9% (139/256) atendem pacientes hospitalizados por EII. No setor privado, 53,1% (232/437) dos especialistas atendem pacientes hospitalizados por doenças alérgicas, e 61,6% (269/437) atendem pacientes hospitalizados por EII (Tabela 3).

Aproximadamente 82% dos especialistas que atendem no setor público têm acesso a exames diagnósticos para doenças alérgicas (Tabela 4). Entre os exames, destacam-se a dosagem de Imunoglobulina E (IgE) sérica total (226/256; 88,3%), IgE sérica específica (163/256; 63,7%) e testes cutâneos de hipersensibilidade imediata (135/256; 52,7%) (Tabela 4). Os testes de provocação com alimentos ou fármacos foram apontados por menos de 50% dos especialistas. Com relação aos exames para avaliar possível EII observamos que 80,1% (205/256) dos especialistas têm acesso a exames diagnósticos, com especial destaque para dosagem de imunoglobulinas séricas (225/256; 87,9%), anticorpos anti-antígenos vacinais (166/256; 64,8%), imunofenotipagem e quantificação de linfócitos T (155/256; 60,5%), dosagem do complemento e frações (165/256; 64,4%) entre outros (Tabela 4).

 

 

Com relação à imunoterapia alérgeno específica (ITAE), no sistema público, apenas 35,5% (91/256) dos especialistas relatam ter acesso, contra 95,9% (419/437) dos que atuam no setor privado. Já aos agentes imunobiológicos, 52,7% (135/256) e 71,9% (314/437) dos especialistas que atuam no serviço público e privado, respectivamente, referem ter acesso. Entre os especialistas que atuam no serviço público, 61,3% (157/256) referem já terem prescrito pelo menos algum desses agentes (Tabela 5).

 

 

Quanto às doenças para as quais os medicamentos imunobiológicos têm sido prescritos pelos profissionais que atuam no serviço público, destacam-se, em ordem decrescente, urticária, EII, asma e dermatite atópica. Já no setor privado, as principais prescrições foram para urticária, dermatite atópica, asma e EII (Tabela 5).

Omalizumabe e dupilumabe foram os imunobiológicos mais utilizados tanto no sistema público [142/256 (55,5%)] e [66/256 (25,8%)], quanto no setor privado [265/437 (60,6%) e [122/437 (27,9%)], respectivamente (Tabela 5). Com relação à imunoglobulina humana, 47,3% (121/256) dos especialistas do serviço público e 38,9% do setor privado (170/437) relataram a sua utilização (Tabela 5). Quanto ao acesso dos pacientes aos imunobiológicos no setor privado, as operadoras de saúde (245/316; 77,5%) e a judicialização (253/316; 80,1%) têm sido as vias de acesso mais frequentemente utilizadas (Tabela 5).

Verificamos, entre os especialistas participantes da pesquisa, que quando inquiridos a respeito dos transtornos causados pela pandemia no atendimento privado, mais de 60% deles tiveram redução no número de consultas em pelo menos 50%, e 56% têm feito atendimento por teleconsulta. Outro dado relevante foi que aproximadamente metade dos especialistas que responderam ao questionário atua no serviço público, e que 29,5% dos que não atuam, gostariam de fazê-lo (Figura 5).

 


Figura 5
Distribuição dos participantes (n = 460) segundo a redução das consultas em consultório privado e a opção por atendimento por telemedicina

 

DISCUSSÃO

A trajetória da especialidade de Alergia e Imunologia Clínica no Brasil se confunde com a própria história da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia2. A entidade surgiu a partir da união bem-sucedida de duas sociedades científicas pré-existentes com o objetivo de congregar esforços para o fortalecimento da especialidade no país. Por apresentarem objetivos científicos comuns, em 18 de novembro de 1971 foi discutida e aprovada a fusão da Sociedade Brasileira de Alergia (RJ/1946) e da Sociedade de Investigação em Alergia e Imunologia (SP/1960), que se concretizou no ano seguinte, em 1972, dando origem à Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia (SBAI). Em 2005 a SBAI se transformou em associação e passou a ser denominada Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI). Anos depois, nova mudança aconteceu, e passou a ser denominada Associação Brasileira de Alergia e Imunologia em 20136.

No início dos anos 1970, a criação da subespecialidade de Alergia Pediátrica representou outro importante marco na história da especialidade no Brasil, mudando definitivamente a vida de inúmeras crianças com doenças alérgicas e imunológicas, pela melhoria da qualidade da assistência e da formação profissional7.

E, desde então, a ASBAI vem se desenvolvendo e expandindo, por meio de ações voltadas à educação permanente e continuada do associado, valorização do especialista e defesa profissional. Hoje, às portas da comemoração dos seus 50 anos de existência, a especialidade de Alergia e Imunologia se encontra na sua posição de maior destaque e representatividade no cenário nacional e internacional, mais notadamente, na América Latina. Entretanto, apesar das várias conquistas já alcançadas, ainda há muito a ser realizado.

No contexto internacional, a especialidade vem passando por desafios, como a indisponibilidade de especialistas para atender às demandas em diferentes locais, as limitações impostas pelo seu reconhecimento apenas como subespecialidade em alguns países e a redução do tempo de treinamento de novos especialistas, abrindo caminho para a fragilização da especialidade8.

Os resultados do presente estudo trouxeram informações relevantes a respeito do perfil do especialista em Alergia e Imunologia brasileiro na atualidade. A taxa de conclusão do questionário estruturado foi de 100%, significando que todos os participantes que iniciaram a pesquisa a completaram adequadamente. Com relação à taxa de resposta, embora tenha alcançado 25%, esta porcentagem está dentro do esperado para a estratégia de pesquisa adotada. Além disto, a amostra estudada representa adequadamente a população alvo, o que minimiza o risco de viés de não-resposta, garantindo a confiabilidade dos resultados9. Ao verificarmos as taxas de resposta, observamos aumento de 5% neste estudo quando comparada à do estudo anteriormente realizado3.

Os resultados mostraram que os alergistas/imunologistas brasileiros são jovens, em sua maioria mulheres e mais concentrados na região Sudeste do país, sendo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais os três estados com o maior número de especialistas. Este dado é concordante com os do estudo anterior e mostra não ter havido mudança no perfil demográfico da população de especialistas nos últimos anos3.

A especialidade continua atraindo mais jovens a cada ano, em início de carreira, o que pode explicar a média de idade mantida em relação ao estudo anterior3. A distribuição dos profissionais no território ainda é heterogênea, estando ausentes em várias cidades do país, o que resulta em relação especialista/paciente desigual entre as regiões. Em consequência disto, o acesso dos pacientes com doenças alérgicas e imunológicas à assistência adequada pode ser bastante comprometido e limitado a algumas localidades do país, gerando custos maiores.

A disseminação de informações a respeito das doenças alérgicas e da importância da atenção especializada na abordagem dos pacientes; a qualificação profissional por programas de matriciamento a profissionais médicos de outras especialidades, especialmente, os da Atenção Primária; o suporte especializado via telemedicina para profissionais não especialistas de localidades distantes; além do incentivo à criação de novas Regionais da ASBAI, são estratégias que vêm sendo discutidas e implementadas com a finalidade de divulgar e expandir a especialidade pelo território brasileiro.

As doenças alérgicas e os EII, anteriormente denominados imunodeficiências primárias, frequentemente impactam de forma negativa a vida do paciente e sua família, seja pela prevalência elevada de algumas delas ou pela alta carga decorrente da morbimortalidade associada a este grupo de doenças. Isto gera uma demanda por atenção especializada para atender as necessidades em saúde de crianças e adultos acometidos por condições imunoalérgicas, o que, por sua vez, torna imperiosa não só a formação de profissional especialista em Alergia e Imunologia com habilidades e competências adequadas, como também a facilitação ao acesso a este tipo de cuidado especializado7. Isto pode ser alcançado por meio de programas de incentivo à migração e fixação do profissional em localidades carentes de especialista, desde que haja condições adequadas para o exercício da especialidade.

Outra questão importante é a necessidade da presença do especialista em todos os níveis da rede de atenção à saúde, o que poderia ser alcançado pela realização de concursos públicos voltados à área de Alergia e Imunologia. Maior inserção do especialista também é bastante aguardada nos cursos de graduação de Medicina, onde contribuiriam para a formação de um perfil de egressos mais preparados para reconhecer e manejar as doenças alérgicas mais frequentes. A inserção e o fortalecimento de conteúdos programáticos relativos às doenças alérgicas e imunodeficiências no currículo médico são fundamentais para a divulgação da especialidade entre os graduandos, despertando vocações, ao lado da implementação dos cursos de pós-graduação e pesquisa científica na área de Alergia e Imunologia.

O presente estudo mostrou que a grande maioria dos participantes da pesquisa atua como alergista/imunologista, preferencialmente no setor privado e atende pacientes de todas as faixas etárias. Embora o local de atuação do alergista/imunologista seja predominantemente nos consultórios particulares, mais da metade destes informou atuar no serviço público, o que significa uma tendência para maior equidade de acesso à atenção especializada. Entretanto, ao se verificar o principal local de atuação no serviço público, quase a totalidade informou ser em ambulatórios de Hospitais Universitários, o que significa que o especialista está concentrado nos serviços de alta complexidade do SUS. Como estes são serviços de acesso regulado, isto é, não são do tipo "porta aberta", o fluxo depende do sistema de regulação loco-regional. Assim, a jornada do paciente para chegar até o especialista depende de uma rede de atenção à saúde bem organizada, onde todos pontos de serviços (unidades de atenção primária, unidades de atenção especializada, hospitais de alta complexidade e prestadores de serviços, como por exemplo as unidades de serviços diagnósticos) atuem de forma coordenada e onde o sistema de regulação funcione adequadamente, aspectos que dependem diretamente da gestão local do SUS. As dificuldades encontradas na jornada dos pacientes com doenças alérgicas graves e EII podem resultar em atraso diagnóstico, danos irreversíveis à saúde e óbito. Assim, é necessário fomentar essa discussão junto aos gestores locais, o que pode otimizar os fluxos e o acesso a nossa especialidade.

Ao se avaliar o tipo de assistência, tanto os que atuam no setor privado quanto os que atuam no SUS prestam cuidados a pacientes hospitalizados por doenças alérgicas e EII, revelando o nível de complexidade elevada que os especialistas assistem em qualquer setor a que estejam vinculados. Neste sentido, estratégias de educação permanente e continuada são imprescindíveis para garantir a atualização dos profissionais especialistas.

Entretanto, a qualidade da atenção prestada não depende apenas das habilidades e competências do especialista. Também depende dos recursos diagnósticos e terapêuticos disponibilizados pelos diferentes setores, sejam eles públicos ou privados. O presente estudo identificou que cerca de 80% dos especialistas têm acesso a exames complementares, especialmente laboratoriais, para o diagnóstico tanto das doenças alérgicas como dos EII em ambos os setores. Com relação aos testes in vivo, o Teste Cutâneo de Leitura Imediata foi citado como o mais disponibilizado aos especialistas no SUS, enquanto o Teste de Contato foi o menos disponível, comprometendo a abordagem adequada dos quadros suspeitos de dermatite de contato, diferentemente do estudo anterior, onde 45,6% dos participantes referiram ter acesso a este teste epicutâneo3.

Da mesma forma, os exames para avaliação da resposta mediada por anticorpos e o sistema complemento foram os mais frequentemente mencionados como exames disponíveis para a investigação dos quadros suspeitos de EII no atual estudo, concordando com os dados do estudo anterior3. Com relação à (ITAE), a sua disponibilização no SUS é referida como sendo três vezes menor do que nos serviços privados, indicando a desigualdade de acesso a este importante recurso terapêutico exclusivo da especialidade de Alergia.

Quanto aos imunobiológicos, mesmo sendo opções recentes e de maior custo, os dados do presente estudo revelam que mais de 60% dos especialistas referem já terem prescrito para os pacientes com doenças alérgicas e EII, tanto no serviço público quanto no privado. Isso sugere que os profissionais brasileiros estão atentos às rápidas mudanças nos protocolos clínicos e às novas opções terapêuticas para seus pacientes. O omalizumabe, que foi aprovado pela ANVISA há mais de 10 anos para asma grave e, posteriormente, para urticária crônica espontânea (UCE); o dupilumabe, aprovado mais recentemente para dermatite atópica, asma e rinossinusite crônica (RSC) com pólipo nasal; e a imunoglobulina humana intravenosa para os EII, foram os mais prescritos. A urticária, a asma, a dermatite atópica e os EII foram as indicações mais frequentemente citadas pelos especialistas para o grupo dos biológicos. Estes medicamentos vieram preencher uma lacuna e resolver uma demanda gerada pela UCE não responsiva aos anti-histamínicos e pelos quadros graves de asma, dermatite atópica e RSC com pólipo nasal, consolidando esta nova era da Medicina personalizada e dos esquemas terapêuticos individualizados. Por serem, em geral, de custo elevado, poucos pacientes, para os quais os imunobiológicos são indicados, conseguem utilizá-los. Assim, o uso destes produtos pela maioria dos pacientes depende da disponibilização subsidiada. A judicialização e o custeio via operadoras de saúde são as formas de acesso mais frequentemente relatadas pelos participantes da pesquisa.

Recentemente, o Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT) de asma foi atualizado e passou a contemplar dois imunobiológicos para o tratamento da asma grave. Além disso, uma nova resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi publicada, atualizando o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, tornando obrigatória a cobertura assistencial pelos planos privados de assistência à saúde de uma série de procedimentos, inclusive a terapia imunobiológica endovenosa, intramuscular ou subcutânea, desde que adequadamente orientada por Diretriz10. Estas medidas representam uma grande conquista, garantindo ao paciente melhor qualidade de vida, pela oportunidade de acesso a medicamentos eficazes e seguros para o tratamento de formas graves de algumas doenças alérgicas e imunológicas10.

De modo diferente, apesar de ser um recurso terapêutico muito conhecido, indicado no tratamento de reposição de anticorpos nos EII em que há problemas de imunidade humoral e no controle de várias doenças inflamatórias e imunológicas, a imunoglobulina humana (IgHum) tem sido menos utilizada, segundo dados dos participantes da pesquisa. É o segundo em frequência. Uma possível explicação para esta diferença é a menor prevalência de EII na população em comparação às doenças alérgicas, e menor número de especialistas e serviços dedicados ao tratamento destas condições em comparação à prevalência das doenças alérgicas, para as quais os imunobiológicos são indicados e os locais que os disponibilizam. Estimular os jovens especialistas a atuarem também com os EII pode contribuir para a mudança desse cenário.

A menor utilização de IgHum talvez seja também decorrente do comprometimento da sua produção. A IgHum é um concentrado de IgG extraído do plasma humano, dependente da doação de sangue, que sofreu grande redução no número de doações de sangue por causa da pandemia de COVID-19. No Brasil este cenário é ainda mais preocupante porque não há produção nacional do produto, o que nos torna dependentes de produtos importados para atender a demanda local. A preocupação com a possibilidade de desabastecimento do produto em nível que interfira no tratamento dos pacientes com EII preocupa os especialistas e tem estimulado discussões sobre o assunto.

A pandemia de COVID-19 também afetou, de forma importante, a rotina dos alergistas/imunologistas. Aproximadamente 60% dos especialistas informaram diminuição dos atendimentos em mais de 50%, chegando em alguns casos à redução de mais de 75%. Entretanto, mais da metade dos profissionais afetados informaram utilizar, de modo muito oportuno, o recurso da telemedicina como forma de reduzir tanto o impacto financeiro negativo, quanto manter a continuidade do cuidado especializado ao paciente que estava cumprindo as recomendações das autoridades sanitárias nacionais e internacionais de isolamento social11. A pandemia parece ter consolidado o papel essencial da conectividade em diversos setores, como na Medicina, e ao que tudo indica, consultas por telemedicina passarão a ser uma opção importante para os cuidados de saúde das pessoas.

No presente momento, a ASBAI, tem tido como mote apoiar o associado e oferecer alternativas que garantam a sua educação continuada, oferecendo informação com conteúdo atualizado e relevante. O modelo on-line tem possibilitado maior acesso dos especialistas à informação e deverá ter impacto na prática diária do especialista.

Em conclusão, os associados da ASBAI têm acompanhado o franco crescimento da especialidade de Alergia e Imunologia, procurando incorporar as novas terapias propostas na prática clínica. O acesso a exames vem se ampliando, mas a investigação de alergia alimentar e à fármacos, que dependem de testes de provocação oral, e vários exames para investigação de EII precisam de políticas de saúde que viabilizem a sua incorporação nos serviços, o que na saúde suplementar, inclui formas de remuneração adequadas a complexidade e risco desses procedimentos. A ASBAI tem se empenhado e participado ativamente dos processos de incorporação de novas tecnologias em saúde na saúde pública e privada, através dos canais disponíveis, incluindo a atualização do Rol de Procedimentos da ANS e consultas públicas da CONITEC - Ministério da Saúde. Além disso, ainda é necessário sensibilizar as autoridades governamentais para ampliação da atenção à saúde de pacientes com doenças alérgicas e imunodeficiências no SUS. Concursos públicos especificamente criados para o especialista em Alergia e Imunologia é o caminho definitivo para garantir acesso e cuidados de qualidade voltados a este público. Maior acesso aos recursos diagnósticos e terapêuticos específicos da área contribuiria para melhorar os cuidados aos pacientes de forma mais imediata.

A pandemia de COVID-19 impactou todo o setor da saúde, afetando o exercício da especialidade especialmente durante o período de restrição de atendimentos presenciais eletivos, mas trouxe à tona a discussão e acelerou o processo de incorporação da telemedicina na rotina dos especialistas.

 

REFERÊNCIAS

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