Polietilenoglicol: o suspeito da anafilaxia à vacina BNT162b2 mRNA COVID-19
Polyethylene glycol: the suspect of anaphylaxis to the BNT162b2 mRNA COVID-19 vaccine
Pedro Giavina-Bianchi
Prof. Livre Docente Associado - Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da FMUSP. Visiting Professor da Harvard Medical School 2012-14. Presidente da ASBAI-SP. Editor dos Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia
A pandemia da COVID-19 assola o mundo há quase um ano. Nesse período, houve cerca de 70 milhões de infectados e um milhão e meio de mortos. Os efeitos da pandemia na saúde pública, na economia e na sociedade foram devastadores, e a vacinação contra o coronavírus é uma das principais formas de minimizar essa catástrofe. Portanto, o ensaio clínico que mostra a eficácia e segurança da vacina BNT162b2 mRNA COVID-19 é encorajador e revolucionário1.
A Inglaterra foi o primeiro país que começou a vacinar seus cidadãos. Dentre as milhares de pessoas vacinadas, foram descritos dois casos de anafilaxia associada à vacina "BNT162b2 mRNA COVID-19", e o National Health Service (NHS) do Reino Unido declarou: "Qualquer pessoa com histórico de anafilaxia a vacinas, medicamentos ou alimentos não deve receber a Vacina da Pfizer/BioNTech"2. Consideramos essa afirmação vaga e muito generalista. Pode causar medo e confusão, privando os pacientes com história de anafilaxia de serem vacinados. Logo após o início da vacinação na Inglaterra, os Estados Unidos iniciaram a imunização de sua população e também detectaram raros casos de anafilaxia. As recomendações do Center for Disease Control (CDC) foram que, enquanto os casos de anafilaxia sejam investigados, "história de reação alérgica grave a qualquer vacina ou a qualquer terapia injetável" seja uma precaução, mas não contraindicação, à vacinação3.
A anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade imediata sistêmica grave, com risco de vida e induzida pela degranulação de mastócitos e basófilos. A anafilaxia pode ser classificada como alérgica, na qual há uma resposta imune específica mediada pelo anticorpo IgE, ou não alérgica, com degranulação direta de mastócitos/basófilos. As três principais causas de anafilaxia são medicamentos, alimentos e venenos de insetos da ordem dos himenópteros. A incidência, prevalência e fatalidades da anafilaxia induzida por medicamentos aumentaram4.
Observando os constituintes da vacina "BNT162b2 mRNA COVID-19", identificamos uma possível causa para essas anafilaxias induzidas pela vacina: o polietilenoglicol (PEG). Na vacina, o RNA mensageiro com nucleosídeos modificados que codifica a proteína espícula (spike protein) do vírus SARS-CoV-2 é formulado em nanopartículas lipídicas, que contêm o PEG. Anafilaxias ao PEG, também conhecido como macrogol, são mal reconhecidas e mal compreendidas. Os PEGs constituem uma família de polímeros hidrofílicos de óxido de etileno (H(OCH2CH2)nOH) e essas substâncias estão presentes em milhares de medicamentos, cosméticos e produtos alimentícios. Embora rara, a anafilaxia ao PEG tem sido descrita na literatura, principalmente em pacientes em uso de soluções laxantes de preparação para colonoscopia e de formulações com corticosteroides de depósito. Recentemente, anticorpos IgE específicos para o PEG foram detectados em pacientes com anafilaxia a essas substâncias, mostrando que pelo menos algumas dessas reações de hipersensibilidade imediata são alérgicas5.
Entendemos a preocupação do National Health Service inglês em evitar que a vacinação contra o coronavírus traga malefícios à população e, consequentemente, seja indevidamente contestada pela opinião pública. Importante seguirmos o ensinamento de Hipócatres, "Primun non nocere", que por ironia foi publicado em sua obra Epidemia. Porém, estamos ansiosos para conhecer a investigação completa dos casos anafiláticos associados à vacina "BNT162b2 mRNA COVID-19".
No momento, recomendação mais cautelosa e precisa seria a contraindicação da vacinação em pacientes com alergia ao polietilenoglicol ou com anafilaxia de etiologia desconhecida. Estes pacientes deveriam ser encaminhados aos Alergistas e Imunologistas Clínicos para investigação diagnóstica. Decisões baseadas em evidências são cruciais para aumentar a confiança e adesão da população mundial à vacinação para a COVID-19.
Neste número dos "Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia", a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia publica importante documento com esclarecimentos e orientações sobre a vacinação contra a COVID-196.
REFERÊNCIAS
1. Polack FP, Thomas SJ, Kitchin N, Absalon J, Gurtman A, Lockhart S, et al. Safety and Efficacy of the BNT162b2 mRNA Covid-19 Vaccine. N Engl J Med. 2020. doi: 10.1056/NEJMoa2034577 .
2. Gov.UK. Confirmation of guidance to vaccination centres on managing allergic reactions following COVID-19 vaccination with the Pfizer/BioNTech vaccine.Pressrelease[Internet].Disponível em: https://www.gov.uk/government/news/confirmation-of-guidanceto-vaccination-centres-on-managing-allergic-reactions-followingcovid-19-vaccination-with-the-pfizer-biontech-vaccine. Acessado em: 20/12/2020.
3. CDC -Centers for Disease Control and Prevention. Interim Clinical Considerations for Use of mRNA COVID19 Vaccines Currently Authorized in the United States [Internet]. Disponível em: https://www.cdc.gov/vaccines/covid-19/info-by-product/clinical-considerations.html?CDC_AA_refVal=https%3A%2F%2Fwww.cdc.gov%2Fvaccines%2Fcovid19%2Finfo-by-product%2Fpfizer%2Fclinical-considerations.html. Acessado em: 20/12/2020.
4. Giavina-Bianchi P, Aun MV, Kalil J. Drug-induced anaphylaxis: is it an epidemic? Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2018;18(1):59-65.
5. Giavina-Bianchi P, Kalil J. Polyethylene Glycol Is a Cause of IgE-Mediated Anaphylaxis. J Allergy Clin Immunol Pract. 2019;7(6):1874-
6. Fernandes FR, Marinho AKBB, da Silva MAA, Anagusko CLY, Antunes AA, Valente CFC, et al. Vacinas COVID-19 e reações imunoalérgicas. Arq Asma Alerg Imunol. 2020;4(3):273-6.