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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2019 - Volume 3  - Número 4


Artigo Original

Avaliação da relação neutrófilo/linfócito como indicador prognóstico em pacientes sépticos de unidades de terapia intensiva de Recife-PE

Evaluation of neutrophil-to-lymphocyte ratio as a prognostic indicator in septic patients in intensive care units in Recife-PE

Filipe Jonas Federico da-Cruz; Filipe Prohaska Batista; Renata Barretto Coutinho Bezerra e Silva


DOI: 10.5935/2526-5393.20190059

Real Hospital Português de Pernambuco - Recife, PE, Brasil


Endereço para correspondência:

Filipe Jonas Federico da-Cruz
E-mail: filipe_jonas@hotmail.com


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Submetido em: 28/08/2019
Aceito em: 05/09/2019

RESUMO

INTRODUÇÃO: Sepse é uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica associada a foco infeccioso e às disfunções orgânicas. Sabe-se que, no processo infeccioso, a resposta do hospedeiro consiste no aumento do número de neutrófilos e na redução do número total de linfócitos. O índice neutrófilo/linfócito (N/L) é uma ferramenta facilmente calculável a partir do hemograma, e tem sido utilizada como indicador prognóstico em diversas condições patológicas. Esta pesquisa visa avaliar o valor prognóstico das médias da relação neutrófilo-linfócito em pacientes sépticos em unidades de terapia intensiva de Recife-PE, Brasil.
METODOLOGIA: Foram coletados de registros em prontuário eletrônico os hemogramas de admissão, do segundo dia (D2) e sétimo (D7) dias após internamento em unidades de terapia intensiva (UTI). A relação neutrófilo/linfócito foi calculada pela divisão entre os valores absolutos das contagens celulares. As médias encontradas foram comparadas com: dias de internamento em UTI, tempo de ventilação mecânica, tempo de droga vasoativa e mortalidade em 28 dias.
RESULTADOS: O valor médio da relação N/L que teve correlação com mortalidade em 28 dias foi de 14,2 no D1 (p = 0,011) e 15,9 no D7 (p < 0,001). Ao avaliar-se o risco relativo de mortalidade em 28 dias quando os subgrupos foram reunidos em pacientes sem infecção (N/L < 5) e com infecção (N/L = 5), o oddsratio em D1 foi de 12,0; e em D7 foi de 15,8.
CONCLUSÃO: O valor da relação N/L na avaliação de pacientes sépticos guarda correlação com mortalidade em 28 dias, e valor médio acima de 14 aumenta consideravelmente este risco.

Descritores: Sepse, choque séptico, prognóstico.




INTRODUÇÃO

Sepse é uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica associada a foco infeccioso e às disfunções orgânicas, sendo a principal causa de mortalidade entre doentes críticos em todo o mundo. O diagnóstico precoce, ressuscitação volêmica e antibioticoterapia precoce nas primeiras horas são preditores de melhores desfechos clínicos1.

Entende-se que a sepse é uma condição clínica multifatorial e influenciada pela resposta imune desregulada, configurada por uma "tempestade de citocinas" e pela diminuição de linfócitos CD4 circulantes2. Sabe-se que, no processo infeccioso, a resposta do hospedeiro consiste no aumento do número de neutrófilos e na redução do número total de linfócitos T CD4 (helper ), porém na sepse, permanecem inconclusivos os resultados sobre em qual fase ocorre essa redução e o que acontece com cada subpopulação linfocitária3.

A atividade dos linfócitos T helper no contexto de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e sepse está diminuída por mecanismos que envolvem a hipoproliferação de células T (por diminuição da produção de IL-2 e aumento da produção de hormônios do estresse, citocinas e outros fatores humorais) e pela recirculação de linfócitos T estimulada por endotoxinas (migração para circulação linfática). Consequentemente, há aumento relativo no número de linfócitos B, e o perfil imunológico mostra redução na relação linfócitos T: linfócitos B4. A redução de linfócitos leva a um estado inflamatório persistente, pois estas células são responsáveis por regular a inflamação.

Esse achado pode ser corroborado na prática clínica pelo resultado de um estudo anterior mostrando que pacientes previamente reativos ao teste tuberculínico e em SIRS pós-trauma, apresentavam anergia na intradermo-reação após o insulto agudo, e eram mais propensos a evoluir para sepse4.

O índice neutrófilo/linfócito (N/L) é uma ferramenta facilmente calculável a partir do hemograma. Gurol e cols. avaliaram a correlação entre a relação N/L, proteína C-reativa (PCR) e procalcitonina, associando intervalos numéricos com o estado de bacteremia, sepse ou choque séptico5. Tem sido utilizado também como indicador prognóstico em diversas condições como sepse, ressecção de câncer colorretal6 e fístulas faringocutâneas pós-laringectomia7. Hwang e cols. descreveram a relação entre este índice e a taxa de mortalidade por sepse em 28 dias, sugerindo-o como um fator de risco independente para o desfecho8. Forget e cols. definiram como faixa de normalidade para os valores da relação neutrófilo/linfócito o intervalo entre 0,78 a 3,53. Não houve, no entanto, a definição de um valor a ser considerado como cut-off 9.

Nesse contexto, avaliar o uso da relação neutrófilo-linfócito como instrumento prognóstico pode auxiliar a tomada de decisões terapêuticas, como o uso apropriado de antibióticos5, além de poder ser utilizada como critério de inclusão em pesquisas para estudo de imunidade dos doentes críticos, uma vez que pode identificar pacientes com risco de desfechos graves ao longo do tempo e que possam então ser submetidos a intervenções com imunoterapias.

 

METODOLOGIA

A pesquisa trata-se de um estudo observacional, analítico, retrospectivo, de coorte, realizada a partir do resgate de hemogramas em prontuários eletrônicos do Real Hospital Português de Pernambuco. O trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Agamenon Magalhães. O termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensado pelo caráter retrospectivo e não intervencionista do estudo.

Os critérios de inclusão da amostra populacional foram: adultos com idade mínima de 18 anos; inclusão no protocolo de sepse pelos critérios institucionais dentro das primeiras 24h da entrada no hospital. Os critérios de exclusão da amostra foram: imunodeficiências adquiridas conhecidas (HIV, neutropenia ≤ 500 cel/mm3); uso de imunossupressores ou de corticoide em dose imunossupressora (dose ≥ 1mg/kg de prednisona por pelo menos 4 semanas nas últimas 4 semanas); ausência de registro do número de neutrófilos ou linfócitos na admissão hospitalar.

Foram coletados de registros em prontuário eletrônico os hemogramas de admissão, do segundo dia (D2) e sétimo (D7) dias após internamento em unidades de terapia intensiva. A relação neutrófilo/linfócito foi calculada pela divisão entre os valores absolutos das contagens celulares. Como previamente descrito em literatura, os pacientes foram categorizados em: N/L < 5 (sem infecção bacteriana provável); N/L entre ≥ 5-10 (infecção bacteriana local); N/L ≥ 10-13 (bacteremia); N/L ≥ 13-15 (provável sepse); N/L ≥ 15 (provável choque séptico)5. As médias encontradas foram comparadas com: dias de internamento em UTI, número de dias até início de choque séptico, tempo de ventilação mecânica, tempo de droga vasoativa, e mortalidade em 28 dias. Os dados foram analisados estatisticamente pelo software R-Project 3.4.2. As variáveis categóricas foram expressas por meio de suas frequências e porcentagens. Para análise de associação entre elas, utilizou-se o teste do qui-quadrado, considerando significante o p-valor < 0,05. As variáveis numéricas foram expressas por como média ± desvio-madrão (min-máx). Para comparar se havia diferença significativa da relação N/L para cada dia avaliado, utilizou-se o teste de Mann-Whitney, considerando significante o p-valor < 0,05.

 

RESULTADOS

No período de março 2018 a maio de 2018, foram registrados 307 protocolos de sepse na instituição. Destes, 112 pacientes preencheram critérios de inclusão na pesquisa, sendo 53 (47,3%) do sexo feminino, e 59 (56,3%) do sexo masculino. A média de idade foi 73 ± 18 anos. Dos 112 pacientes avaliados, 12/112 (10,7%) são pacientes em choque séptico, e 100 (89,3%) são pacientes classificados em sepse. Dez pacientes (8,9%) morreram em 28 dias (Tabela 1).

 

 

Ao analisar o comportamento da relação N/L por dia, foi possível verificar que há uma diferença estatisticamente significante na média da relação N/L do D7 quando comparamos pacientes em choque séptico com pacientes sépticos (p-valor = 0,007), assim como também houve diferença estatística no D1 (p-valor = 0,011) e no D7 (p-valor < 0,001) quando comparado pacientes que faleceram em 28 dias e os que não faleceram. Em D2, não houve diferença significamente estatística entre o número de pacientes em sepse ou choque séptico, nem diferença em relação à mortalidade em 28 dias (Tabela 2).

 

 

Na Tabela 3, encontra-se a distribuição dos resultados dos exames e da relação N/L por dia do hemograma avaliado.

 

 

Na Tabela 4 foi verificado, através do teste do qui-quadrado, que há associação entre a infecção bacteriana e o dia em que o paciente foi avaliado (p-valor = 0,001). Através da Figura 1, pode-se observar que há maior ocorrência de infecção no D1 e no D2, e que no D7 alguns desses pacientes já encontram-se sem infecção

 

 

 


Figura 1 Distribuição da classificação de Gurol et al. para relação N/L, por dia do hemograma

 

Na Tabela 5, os subgrupos foram reunidos em pacientes sem infecção bacteriana provável (N/L < 5), e com infecção bacteriana provável (N/L ≥ 5). O resultado do teste estatístico apresentou que há relação, estatisticamente significante, entre morte e infecção bacteriana no D1 (p-valor = 0,029) e no D7 (p-valor = 0,001). Apesar do p-valor do D2 não ter apresentado significância estatística, 80% dos pacientes com infecção no D2 faleceram. Pacientes que apresentaram infecção bacteriana no D7 apresentam risco 15,8 vezes maior de morrer do que aqueles que não apresentaram.

 

 

A Tabela 6 apresenta o resultado do teste de correlação de Spearman para avaliar se existe relação entre N/L e as variáveis de dias em drogas vasoativas (DVA), dias em VM e dias em UTI. Percebe-se que no D1 existe correlação no N/L com dias em ventilação mecânica (VM) e dias em UTI, e no D7 apresentou correlação com todas as variáveis analisadas. O coeficiente positivo indica que à medida que o valor da N/L aumenta, o número de dias também aumenta.

 

 

Na Tabela 7 é possível analisar o cruzamento da relação N/L, dividida em intervalos numéricos, com a média de dias de cada variável, e nota-se que à medida que aumenta o N/L, a média de dias também aumenta.

 

 

DISCUSSÃO

A sepse é uma síndrome clínica ameaçadora à vida com fisiopatologia complexa. No curso da sepse, a contagem de leucócitos varia de acordo com a fase da sepse ou choque séptico, com o estado imunológico do paciente e com a etiologia da infecção10. Na dinâmica celular da inflamação, a neutrofilia no paciente séptico sugere manutenção do nidus infeccioso11. Esse sítio infeccioso ativo libera estímulos inflamatórios que causam a desordem da sepse e induzem uma apoptose sepse-induzida de linfócitos, os quais são reguladores do processo inflamatório. Uma relação N/L aumentada, por sua vez, indica a atividade deste ciclo vicioso12. A relação neutrófilo/linfócito já mostrou ter acurácia maior que o Pneumonia Severity Index (PSI) e o CURB-65 – índices prognósticos utilizados na abordagem do tratamento da pneumonia - na avaliação da mortalidade em 30 dias para pneumonia adquirida na comunidade, indicando alta precoce em relação N/L < 11,1213; mostrou estar associada a maiores tamanhos de tumor cervical e de esôfago14 e mostrou também associação com maior estratificação de risco cardiovascular em pacientes cardiopatas15. Na sepse, há evidência de correlação positiva entre a relação N/L e escores de prognóstico, como o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE) II12.

Em relação à epidemiologia global da sepse, a média de idade de pacientes admitidos em UTI é de 72 anos16, coincidindo com a faixa etária média de nosso estudo que foi de 73 anos. A mortalidade intra-hospitalar descrita em literatura chega a 17-26% dos casos de sepse16. Em nossos resultados, a mortalidade foi de 8,9%. Essa menor taxa de mortalidade pode estar relacionada à maior disponibilidade de recursos humanos e materiais, visto que é um serviço privado de assistência à saúde, e pelo maior número de leitos em UTI disponíveis, o que otimiza a monitorização dos pacientes.

Jager cols. já haviam demonstrado previamente que a relação N/L tem melhor correlação com a gravidade da sepse que marcadores convencionais como neutrofilia, linfopenia e PCR17. Jilma e cols. demonstraram que a linfopenia persistente também se correlaciona com pior prognóstico17. Baseado nesses conceitos prévios, Kaushik e cols. encontraram que pacientes sépticos com relação N/L persistentemente altas entre o D1 e o D5 apresentaram maior gravidade pelo APACHE II e maior mortalidade, com significância estatística nas médias do D5 (N/L 8,6±5,7; p = 0,009)18. Em nossos resultados, os pacientes que apresentaram maiores níveis de N/L no D1 (N/L 14,2±11,8; p 0,01) e no D7 (N/L 15,9±12,6; p < 0,009) eram pacientes mais graves (em choque séptico) e tiveram maior mortalidade em 28 dias. Agrupando-se os pacientes em 2 grupos (com infecção bacteriana - N/L > 5, e sem infecção bacteriana – N/L < 5), percebe-se que os pacientes com relação N/L maior que 5 têm correlação com maior mortalidade em 28 dias pela avaliação do hemograma no D1 (OR 12; p = 0,029) e no D7 (OR 15,8; p = 0,001)

Como previamente descrito em literatura, existe correlação entre os valores de N/L e o status infeccioso: N/L < 5 (ausência de infecção bacteriana); N/L 5-10 (infecção bacteriana local); N/L ≥ 10-13 (bacteremia); N/L ≥ 13-15 (provável sepse); N/L ≥ 15 (provável choque séptico) com sensibilidade e especificidade de 57% e 89%5. Analisando a Tabela 4, do ponto de vista clínico, aproximadamente 33% dos pacientes admitidos na UTI como sépticos (D1) tinham classificação de N/L < 5, o que representaria ausência de infecção bacteriana, se considerarmos cut-offs de literatura prévia. Pode-se considerar que este grupo de pacientes configuraria os falsos-negativos inerentes à sensibilidade do teste, ou possam ser pacientes com outras etiologias infecciosas. Dividindo-se a relação N/L em dois grupos, na interpretação da Tabela 4, houve diferença significativa entre os pacientes com e sem infecção bacteriana (p = 0,001), sugerindo que os pacientes no D1 e D2 estavam em maior vigência de infecção bacteriana que os pacientes do D7, podendo significar evolução para resolubilidade do quadro infeccioso.

Wang e cols. mostraram relação significativa entre aumento da relação N/L, maior tempo de uso de DVA, maior SOFA escore e maior mortalidade em 30 dias (p < 0,001) em pacientes com lesão renal aguda (LRA) por múltiplas causas19,20. Zujin e cols. mostraram que relações N/L altas, principalmente acima de 11, podem estar relacionadas a falha de extubação na UTI21. Nossos resultados evidenciaram correlações positivas pelos teste de Spearman, sugerindo que valores maiores de N/L do dia 1 estão relacionados com maior tempo de permanência em UTI e em ventilação mecânica, e com maior tempo de permanência em UTI, em ventilação mecânica e em uso de droga vasoativa no dia 7, ambos com significância estatística.

 

CONCLUSÃO

Com os conhecimentos ainda inconclusivos sobre a fisiopatologia da sepse, biomarcadores específicos para a síndrome não estão bem estabelecidos, e vários parâmetros são utilizados para o diagnóstico e prognóstico da sepse. Sabendo-se que o fenótipo do paciente de maior gravidade pode englobar um estado de superinflamação pela neutrofilia ou um estado de imunoparalisia pela apoptose de linfócitos, ambas levando a um aumento da relação N/L, conhecer o perfil imunológico na fisiopatologia do paciente séptico pode auxiliar na decisão de suplementar a terapêutica deste paciente com a imunomodulação. Nosso estudo mostrou que nos hemogramas precoce (D1) e tardio (D7) de pacientes sépticos, uma relação N/L ≥ 14 está relacionada com maior mortalidade em 28 dias, com significância estatística. Essa correlação com desfecho negativo nos sugere que tais pacientes teriam o benefício de serem estudados em seu perfil imunológico para caracterizar subpopulações linfocitárias, imunoglobulinas séricas e então auxiliar o raciocínio, a decisão e novos estudos sobre o uso de imunobiológios na sepse. Mais estudos, com número maior de pacientes, são necessários para consolidar a utilização da relação N/L como instrumento prognóstico e de suporte às decisões de imunoterapia na sepse.

 

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