Células T de memória residentes nos tecidos: papel e impacto na dermatite de contato alérgica
The role and impact of tissue-resident memory T cells in allergic contact dermatitis
Bruno Emanuel Carvalho Oliveira
Instituto de Alergia de Natal, Alergia e Imunologia Clínica-Natal, Rio Grande do Norte, Brasil
Caro Editor,
A dermatite de contato alérgica (DCA) é uma reação de hipersensibilidade do tipo IV, também conhecida como resposta tardia, mediada pelo sistema imunológico a pequenas moléculas (< 500 daltons), chamadas hap-tenos, que entram em contato com a pele de indivíduos previamente sensibilizados. O processo divide-se em duas fases principais: a fase de indução e a fase de elicitação. Na fase de indução, o hapteno se liga a uma proteína da pele, formando um complexo que é reconhecido pelo sistema imunológico. Esse complexo ativa e expande células T específicas para o alérgeno, processo denominado sensibilização. Após a sensibilização, na fase de elicitação, uma nova exposição ao alérgeno provoca uma resposta imunológica intensa, resultando no aparecimento da dermatite. A DCA representa cerca de 20% das dermatites de contato, com os alérgenos variando de acordo com fatores geográficos, hábitos pessoais e atividades recreativas1.
A descoberta das células T de memória residentes nos tecidos (TRM) em camundongos transformou nossa compreensão da imunidade cutânea. Essas células não apenas participam da vigilância imunológica, mas atuam como sentinelas de longa duração nos compartimentos epidérmico e dérmico, sendo mediadoras chaves na saúde e nas doenças cutâneas humanas. As TRM são fundamentais na defesa contra patógenos, câncer e doenças inflamatórias cutâneas. Podem se originar de células T de memória circulantes ou de populações preexistentes na pele, atuando como primeira linha de defesa contra antígenos invasores em tecidos periféricos não linfoides, incluindo a pele, o trato respiratório e os intestinos. A plasticidade das TRM lhes permite diferenciar-se em células T de memória central, dependendo do microambiente tecidual, que é regulado por citocinas locais. Os fatores de transcrição HOBIT e BLIMP-1 são essenciais para o fenótipo residente dessas células. Além disso, as TRM formam-se em resposta ainfecções cutâneas e desempenham papel crítico na resposta inflamatória, contribuindo para a diversidade do pool de células T de memória local. A diferenciação e manutenção das TRM são orientadas por sinais como IL-7, IL-15 e TGF-p, garantindo defesa prolongada sem deslocar populações preexistentes2.
Estudos recentes evidenciam a contribuição das TRM na modulação da imunidade adaptativa em doenças alérgicas, incluindo rinite, asma, dermatite atópica e de contato, o que tem implicações significativas para a prevenção e o tratamento destas condições3.
As células TRM desempenham um papel duplo nas doenças alérgicas, atuando como mediadoras e reguladoras. Elas coordenam as respostas alérgicas por meio da liberação de fatores pró-inflamatórios e quimiotáticos, ativando os tecidos nos locais afetados e recrutando células imunes para amplificar a resposta. Essas células também expressam ligantes que atraem células T de memória em repouso da circulação, mantendo um circuito de retroalimentação na resposta alérgica. Além disso, possuem capacidade de reativar células T CD4+ e CD8+ na presença de alérgenos e de aumentar a apresentação de antígenos por células dendríticas (DCs). Estudos recentes mostraram que, após nova exposição ao alérgeno, as TRM CD4+ produzem citocinas como IL-4, IL-5 e IL-13 (perfil Th2), IL-17 (Th17) e IFN-y e TNF-a (Th1). O IFN-y, em particular, ativa tecidos epiteliais e recruta células imunológicas, induzindo a expressão de CXCR3, CXCL9 e CXCL10. No pulmão, as TRM reativam células CD4+ e CD8+, atraindo eosinófilos e DCs CD11c+ para o local inflamado. Entretanto, as TRM também expressam checkpoints inibitórios, como PD-1 e TIM-3, que atenuam reações alérgicas, e seu bloqueio pode exacerbá-las. Enquanto estudos anteriores associavam as TRM CD8+ à intensificação de condições alérgicas, evidências recentes revelam sua função dupla, tanto na indução quanto na regulação das reações alérgicas3.
Na DCA, as TRM acumulam-se no local de contato com o alérgeno durante a sensibilização e desencadeiam respostas rápidas e intensas às reexposições. Seu envolvimento é crucial na exacerbação, cronicidade e gravidade da doença, sugerindo que possam ser alvos terapêuticos promissores4.
Nas lesões ativas de DCA, observa-se um infiltrado misto de linfócitos CD4+ e CD8+, com predominância de células CD4+ que expressam CCR10. Estudos realizados em modelos murinos de DCA induzida por haptenos demonstraram que a memória imunológica de longo prazo é mediada por TRM CD4+, inicialmente restritas às áreas previamente sensibilizadas até um novo contato com o alérgeno. Pesquisas recentes sugerem que a gravidade das exacerbações da doença está relacionada à quantidade de TRM CD8+ na epiderme. Em camundongos, a eliminação de TRM CD4+ resultou em um aumento na resposta inflamatória, indicando um possível papel regulador dessas células. Além disso, foi observado que as TRM CD8+ podem contribuir para reações inflamatórias persistentes ao reativarem-se rapidamente após uma nova exposição ao alérgeno. Embora modelos murinos tenham fornecido insights valiosos sobre a função das TRM, ainda existem diferenças significativas em relação à resposta imune humana. Estudos translacionais adicionais são necessários para esclarecer como asTRM interagem com outras populações celulares na pele e como seu metabolismo e perfil funcional podem ser modulados, visando o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para a DCA2.
Gadsboll et al., utilizando diversos modelos de camundongos e protocolos de depleção celular, investigaram o papel das TRM nas reações de crise da DCA induzida pelo alérgeno experimental 1-fluoro-2,4-dinitrobenzeno. Os pesquisadores observaram que as células TRM CD8+ promovem uma infiltração maciça de neutrófilos na epiderme dentro de 12 horas após a reexposição ao alérgeno. A depleção de neutrófilos antes da reexposição ao alérgeno resultou na abolição das reações de crise. Além disso, as TRM CD8+ foram responsáveis por mediar o recrutamento de neutrófilos, induzindo a produção das quimiocinas CXCL1 e CXCL2 na pele. O bloqueio dos receptores dessas quimiocinas inibiu tanto a infiltração de neutrófilos quanto as reações inflamatórias, sugerindo que as TRM CD8+ desempenham um papel crucial nas exacerbações, facilitando o recrutamento de neutrófilos para a epiderme. Em relação à dinâmica das células T residentes na pele, observou-se que, após a exposição ao alérgeno, houve uma acumulação de TRM CD8+ e um deslocamento das células T dendríticas epidérmicas (DETC), que são células T yS especializadas na vigilância imunológica da epiderme. As DETC desempenham um papel vital na detecção de patógenos ou alérgenos e na modulação da resposta inflamatória local. O deslocamento das DETC após a exposição ao alérgeno foi mediado pela necessidade das células CD8+ T, já que a ausência dessas células impediu a migração das DETC. As células TRM CD8+ apresentaram uma resposta inflamatória mais robusta e uma maior capacidade proliferativa em comparação com as DETC, sugerindo uma vantagem metabólica. Esses achados indicam que o metabolismo das TRM CD8+ pode ser um alvo terapêutico promissor para o tratamento da DCA, já que a magnitude da reação alérgica está diretamente relacionada à quantidade dessas células na pele5.
Pesquisas futuras devem se concentrar em desvendar os mecanismos complexos que sustentam a longevidade das células TRM, suas funções específicas nos tecidos e seu papel duplo na exacerbação e regulação das alergias. Isso abrirá caminho para terapias inovadoras e direcionadas, tornando o manejo das alergias mais eficiente e personalizado. Esforços contínuos na integração de estudos moleculares, imunológicos e clínicos são essenciais para traduzir esses insights em aplicações práticas para o tratamento das alergias3. Que possamos ficar atentos a esses estudos.
Referências
1. Murphy PB, Hooten JN, Atwater AR, Gossman W. Allergic contact dermatitis [Internet]. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 [cited 2025 Mar 20]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK532866/. Acessado em: 20/03/2025.
2. Strobl J, Haniffa M. Functional heterogeneity of human skin-resident memory T cells in health and disease. Immunol Rev. 2023 May 5;316(1):1041-19.
3. Long B, Zhou S, Gao Y, Fan K, Lai J, Yao C, et al. Tissue-resident memory T cells in allergy. Clin Rev Allergy Immunol. 2024;66(1):64-75. doi:10.1007/s12016-024-08982-8.
4. Lefevre MA, Vocanson M, Nosbaum A. Role of tissue-resident memory T cells in the pathophysiology of allergic contact dermatitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2021 Aug 1;21(4):355-60. doi: 10.1097/ACI.0000000000000763.
5. Gadsboll AS0, Jee MH, Funch AB, Alhede M, Mraz V, Weber JS, et al. Pathogenic CD8+ epidermis-resident memory T cells displace dendritic epidermal T cells in allergic dermatitis. J Invest Dermatol. 2020 Apr 1;140(4):806-15.e5.