Spray nasal de adrenalina no tratamento de reações alérgicas de tipo I graves
Epinephrine nasal spray in the treatment of severe type I hypersensitivity reactions
Fabiana Andrade Nunes Oliveira1; Fausto Yoshio Matsumoto2; Marilyn Urrutia-Pereira3; Dirceu Solé4
1. Mestre e Doutoranda em Ciências, Programa de Pós-graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria, Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP). Vice-coordenadora do Departamento Científico de Anafilaxia da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI)
2. Mestre e Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria - UNIFESP-EPM; Especialista em Alergia e Imunologia e em Pediatria. Pesquisador Associado à Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, UNIFESP-EPM. Coordenador do Departamento Científico de Rinite da ASBAI
3. Professora Adjunta, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Pampa, RS. Coordenadora da Comissão de Biodiversidade e Poluição da ASBAI. Subcoordenadora do Comitê Científico de Poluição da Sociedade Latino-Americana de Asma, Alergia e Imunologia. Membro do Grupo de Trabalho "One Health" da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica
4. Professor Titular e Livre Docente, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, EPM-UNIFESP. Diretor de Pesquisa da ASBAI. Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria. Coordenador da Comissão Científica.
Endereço para correspondência:
Dirceu Solé
E-mail: alergiaimunologiareumatologia@unifesp.br
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Submetido em: 30/06/2025
aceito em: 04/07/2025.
RESUMO
Anafilaxia é a manifestação clínica mais grave das reações alérgicas sistêmicas e apresenta um risco potencial de morte. A maioria dos episódios de anafilaxia ocorre fora de ambiente hospitalar, e para que haja tratamento imediato, dispositivos alternativos de administração de adrenalina, como os autoinjetores de adrenalina, foram desenvolvidos. Todavia, estes não são disponíveis em boa parte do mundo e há relutância com o seu uso, sobretudo por crianças, geralmente fóbicas por agulha. Assim o desenvolvimento de um spray nasal de adrenalina (SNA) representa alternativa interessante no tratamento das anafilaxias, com bons resultados. O presente estudo tem por objetivo realizar revisão narrativa sobre o SNA no tratamento da anafilaxia com relação à sua farmacocinética e farmacodinâmica, assim como os eventos adversos nas diferentes faixas etárias. Estudos comparativos entre a administração de adrenalina intramuscular e por SNA demonstram resultados comparáveis e reforçam a sua utilização como mais uma alternativa para o tratamento de reações alérgicas graves de tipo I, especialmente a anafilaxia.
Descritores: Epinefrina, anafilaxia, adolescente, criança, adulto.
Introdução
A anafilaxia é a manifestação clínica mais grave das reações alérgicas sistêmicas, e apresenta um risco potencial de morte. As diretrizes internacionais de abordagem da anafilaxia apontam a administração intramuscular (IM) de epinefrina (adrenalina) como a primeira linha de tratamento, com bom perfil de segurança1-7.
Apesar disso, alguns pesquisadores têm recomendado vias alternativas para a sua administração, muitas contrariando as diretrizes (Tabela 1). Os dispositivos autoinjetores de adrenalina (AIA) são uma alternativa efetiva, segura e eficaz para o tratamento da anafilaxia, substituindo a apresentação em ampola (IM)1-7.
No entanto, os AIA têm limitações significativas, dificultando a utilização da adrenalina IM no tratamento da anafilaxia. Assim, inovações em vias alternativas na administração da adrenalina podem melhorar as taxas de uso e a eficácia do tratamento. Estes novos dispositivos, que administram adrenalina por via nasal, sublingual ou transcutânea, encontram-se em diferentes fases de estudo e de desenvolvimento8.
Neste estudo realizamos uma revisão narrativa sobre o perfil farmacocinético, farmacodinâmico e de segurança da adrenalina administrada via SNA em pacientes com reação alérgica grave do tipo I, incluindo anafilaxia. Por questões éticas, não há estudos duplo-cego controlados por placebo na abordagem da anafilaxia. Assim, foram levantados os estudos em língua inglesa, francesa, espanhola e alemã, dos últimos 15 anos, que abordaram o uso de adrenalina administrada por SNA comparando com vias injetáveis (ampola IM, AIA). As palavras de busca foram "neffy"OR "epinephrine"or "anaphiiaxis" OR -adrenaline"AND "children" OR "adults".
Em geral os AIA são prescritos a indivíduos com risco contínuo de anafilaxia em ambiente comunitário. Entretanto, pesquisa online avaliou a abordagem da anafilaxia em 66 países e documentou que apenas 60% deles tinham acesso aos dispositivos autoinjetá-veis, sobretudo os de renda elevada5. Muitos países na América do Sul, África/Oriente Médio e regiões da Ásia-Pacífico não têm AIA disponíveis ou dependem de importação individual. Mesmo em países onde os AIA estão disponíveis comercialmente, as políticas nacionais relativas à sua disponibilidade em serviços públicos são limitadas a poucos (16%)9. Além disso, as diferenças de design que esses dispositivos apresentam, apesar da comodidade de uso, os tornam não intercambiáveis10.
Outra forma de apresentação da adrenalina é a seringa preenchida (Symjepi), também aprovada pela FDA, porém não disponível no Brasil (Tabela 1). Ela exige que o usuário injete manualmente a agulha e pressione o êmbolo, o que pode ser difícil para alguns pacientes, especialmente crianças11.
Recentemente a European Medicines Agency (EMA), e a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, aprovaram o spray nasal de adrenali-na (neffy SNA) como o primeiro produto não injetável indicado para o tratamento emergencial de reações de hipersensibilidade tipo I, incluindo a anafilaxia, em pacientes com quatro anos ou mais e peso superior a 15 kg10,12,13.
Para quem prescrever a adrenalina preventiva?
Apesar dos avanços alcançados no tratamento das doenças alérgicas, algumas dúvidas ainda persistem, uma vez que, por razões óbvias, não há ensaios clínicos randomizados que avaliem o tratamento de reações alérgicas agudas com adrenalina14.
Apesar disso, há evidências razoáveis de estudos observacionais que apoiam o uso de adrenalina no tratamento da anafilaxia. Além disso, estudos de coorte que incluíram grande número de pacientes, indicam que em pelo menos 80% dos eventos de anafilaxia, a reação alérgica se resolve apesar da não utilização de adrenalina15,16.
A prescrição de adrenalina preventiva para tratamento de emergência de uma exacerbação grave pelo paciente/cuidador (especialmente AIA), segundo as diferentes diretrizes de anafilaxia, deve ser feita a qualquer paciente com histórico de anafilaxia que não consiga evitar facilmente a reexposição ao alérgeno causador, sobretudo alimentos e picadas de Hymenopteros17,14,17. Além disso, também é recomendada a prescrição de AIA a pacientes sem história de anafilaxia prévia, mas com fatores de risco considerados como capazes de aumentar o risco de anafilaxia, como diagnóstico de asma ou reação prévia a uma quantidade muito pequena de alérgeno1-7,14,18.
Embora os AIA sejam produtos comumente prescritos para o tratamento da anafilaxia (imediato), menos da metade dos pacientes com risco de reações alérgicas graves (incluindo anafilaxia) os carregam consigo, e aqueles que o fazem frequentemente adiam o uso durante uma reação alérgica grave do tipo I19. Esse atraso na instituição do tratamento, muitas vezes decorrente da fobia de agulhas, faz com que seja mal sucedido ou tardio e associar-se a aumentos significativos nos riscos de reações bifásicas, hospitalização e morte20-23.
Baixas taxas de utilização, particularmente considerando os graves desfechos adversos associados ao tratamento mal-sucedido/atrasado, representam uma necessidade médica significativa não atendida para pacientes com risco de reações alérgicas graves, incluindo anafilaxia19.
Spray nasal de adrenalina (SNA)
A maioria das reações alérgicas graves do tipo I ocorre em ambientes extra-hospitalares e a administração imediata de adrenalina é o único tratamento de primeira linha universalmente recomendado1-7,19. As opções de administração de adrenalina por dispositivos sem agulha são particularmente benéficas para crianças, uma vez que a fobia de agulhas está presente com maior frequência nesta faixa etária. Vários medicamentos, incluindo midazolam, diazepam, fentanil, naloxona, cetamina e dexmede-tomidina, entre outros, são administrados rotineiramente por via intranasal para uma variedade de indicações24.
O SNA é resultante da combinação de três componentes: (1) adrenalina, o ingrediente ativo; (2) intravail (dodecilmaltosídeo [DDM]), um agente patenteado que melhora a absorção, desenvolvido para aumentar a biodisponibilidade de medicamentos aspirados por via intranasal; e (3) um dispositivo spray de dose unitária (UDS) projetado para produzir um padrão de pulverização e tamanho de partículas que maximizam a deposição do fármaco no corneto nasal24.
Adrenalina
É um agonista não seletivo dos receptores a- e p-adrenérgicos, todos acoplados à proteína G. A adrenalina age por agonismo direto nos receptores a- e p-adrenérgicos, resultando na ativação da ade-nilciclase e no aumento da produção intracelular de AMP cíclico25. Estabiliza mastócitos prevenindo a sua degranulação e a liberação de mediadores alérgicos em minutos, e neutraliza diretamente quase todas as ações dos mediadores imunológicos da anafilaxia nos órgãos-alvo. Enquanto a anafilaxia leva à perda de volume do fluido intravascular e hipotensão, os receptores a-adrenérgicos reduzem a vasodilatação e aumentam a permeabilidade vascular. Os receptores p-adrenérgicos relaxam a musculatura lisa brônquica e ajudam a aliviar o broncoespasmo, a sibilância e a dispneia que podem ocorrer durante a anafilaxia. A frequência cardíaca e a contratilidade aumentam por causa dos receptores p-adrenérgicos para manter a pressão arterial (PA). Além disso, têm a capacidade de produzir efeitos de relaxamento no músculo liso do estômago, intestino, útero e bexiga urinária, melhora sintomas como prurido, urticária e angioe-dema, e pode aliviar os sintomas gastrintestinais e geniturinários associados à anafilaxia25,26.
Intravail
É um alquilssacarídeo, seguro, que altera a viscosidade da mucosa e a fluidez da membrana, afrouxa as junções célula-célula, o que facilita a absorção pela mucosa27. É solúvel em água e óleo, não causa irritação ou danos à mucosa28.
O uso da combinação adrenalina e intravail permite que seja obtida maior eficácia do fármaco empregando-se a menor dose possível. Uma das preocupações relacionadas com a utilização do SNA é o potencial efeito vasoconstritor da adrenalina, o que poderia comprometer a sua absorção. No entanto, este efeito não foi observado com a administração do SNA24.
Durante a reação alérgica há alteração da permeabilidade vascular, o que poderia aumentar a absorção da adrenalina e aumentar o risco de superdosagem, o que é evitado com a inclusão de intravail à formulação do SNA, uma vez que há otimização da eficácia com menor dose, minimizando o risco de overdose. Tais fatos auxiliam na redução de reações adversas24.
Dispositivo
A adrenalina é fornecida através de um dispositivo de administração (spray de dose única) semelhante ao utilizado em outros produtos farmacêuticos com larga utilização. É de uso fácil e confiável e com índice muito baixo de falhas (< 1 em 100.000 utilizações). O dispositivo libera 80% do medicamento em gotículas com diâmetro médio entre 20 e 120 pg, a maioria delas capturadas pelas conchas nasais20.
Estudos clínicos de farmacocinética e farmacodinâmica
Até o presente momento, a realização de ensaios clínicos randomizados para avaliar a eficácia de produtos de adrenalina para o tratamento de reações alérgicas graves do tipo I (incluindo anafilaxia), é considerado antiético e impraticável, portanto nenhum ensaio desse tipo foi conduzido24. Em vista disso, a aprovação do SNA foi baseada em vários ensaios clínicos em que se comparou a sua farmacocinética (PK; concentração sérica média máxima [Cmax], tempo para tingir a Cmax ITmaJ; efeito máximo [E^] e tempo para atingi-lo [TEmax]) e farmacodinâmica (PD; pressão arterial [PA], pressão arterial sistólica [PAS], pressão arterial diastólica [PAD], frequência cardíaca [FC]) com a de produtos injetáveis aprovados. Demonstrou-se que o SNA tem perfil PK comparável ou maior que esses produtos29-32.
Quatro estudos randomizados e cruzados que avaliaram a PK e PD da adrenalina, em indivíduos (19 a 55 anos) saudáveis ou com história de reações tipo I (não em atividade), administrada por injeção manual intramuscular (IM; 0,3 mg), dois AIA (EpiPen e Symjepi - 0,3 mg) e SNA (1 mg), foram submetidos a análise integrada33. Verificou-se que a Cmax de adrenalina atingida após SNA (258 pg/mL) foi inferior, mas comparável à da IM (254 pg/mL), Symjepi (438 pg/mL) e EpiPen (503 pg/mL), e apesar disso houve aumentos comparáveis na pressão arterial sistólica (efeito máximo [Emax], 16,9; 10,9; 14,9 e 18,1 mm Hg, respectivamente). O efeito do SNA sobre a pressão arterial diastólica Emax também foi notavelmente mais pronunciado do que o de outros produtos (9,32; 5,51; 5,78 e 5,93 mm Hg, respectivamente). Segundo os autores, o SNA tem perfil PD comparável ao do EpiPen e superior aos da IM33.
Por outro lado, Casale e cols. realizaram estudo semelhante, também com indivíduos saudáveis e em quem a dose de SNA foi aumentada para 2 mg e 10 minutos após houve repetição da dose administrada. A Cmax média de adrenalina mais elevada ocorreu após a administração por EpiPen (753 pg/mL) e assim se manteve por 20 minutos, seguida pela do SNA (481 pg/mL) e a IM (339 pg/mL)29.
Todos os esquemas de tratamento determinaram aumento da PAS basal, sendo os maiores observados após o SNA. EpiPen foi associado a aumento mais rápido e menos intenso em relação ao SNA. Para todos os tratamentos, o retorno aos valores basais ocorreu em 120 minutos. Houve maior elevação da PAS média após SNA em relação à IM, mas sem diferença significante com o EpiPen. Após doses repetidas, a mudança da PAS foi maior também com o SNA em comparação ao EpiPen29,30.
A presença de alterações anatômicas ou estruturais nasais pode interferir com a absorção da adrenalina administrada por via SNA. O mesmo efeito poderia ser observado em pacientes com rinite, porém Oppenheimer e cols. compararam a administração de adrenalina via SNA e por IM em pacientes com rinite alérgica sazonal (RAS), antes e após desencadeamento nasal específico, e verificaram perfis PK e PD comparáveis ou melhores que os por via IM, independentemente se com uma ou duas doses, e similar ao previamente observado em indivíduos sem RAS31.
Em crianças e adolescentes os estudos de perfil PK/PD têm sido realizados observando-se os de adultos e reforçando-se a presença de diferenças desses parâmetros entre eles. Com o crescimento, ocorrem aumentos bem conhecidos na PA e na FC, que são fisiológicas e associadas à idade25,32,33.
Fleisher e cols. realizaram estudo PK/PD de fase 1, multicêntrico, de dose única em 42 pacientes pediátricos (4 a 18 anos) que receberam dose única de ASN 1 mg (peso corporal entre 15 e 30 kg) ou 2 mg (acima de 30 kg). Os resultados foram comparados aos de 42 adultos saudáveis (22 a 54 anos) que receberam dose única de 2 mg28.
Entre os pacientes pediátricos que receberam 1 mg, a Cmax média foi ligeiramente menor do que a observada entre os que receberam 2 mg (651 vs. 690 pg/mL), e ambas foram mais elevadas que as dos indivíduos adultos (481 pg/mL)28.
As duas doses de SNA ocasionaram aumento médio geral da PAS em relação à basal; no entanto, foram observadas reduções transitórias da PAD que ocorreram em cinco minutos para a dose de 1 mg e em 10 minutos para a de 2 mg. Não houve diferenças entre as duas doses com relação à elevação da FC, valores médios de PAS e PAD. Os adultos apresentaram aumento significantemente maior do que as crianças, e houve diferenças mínimas na PAD. O efeito na FC foi semelhante entre indivíduos pediátricos e adultos28. Esses aumentos decorrem da ativação dos receptores adrenérgicos, o principal mecanismo de ação pelo qual a epinefrina reverte reações alérgicas graves e anafilaxia33. Curiosamente, apesar da maior Cmax de adrenalina observada entre as crianças/adolescentes, o aumento máximo da PAS média das mesmas foi significantemente menor que a dos adultos. Seria essa diferença resultante das diferenças fisiológicas relacionadas à idade28? Diferentemente dos adultos, as crianças apresentaram queda da PAD inicial com as duas doses (SNA 1 mg e 2 mg) de modo relacionado à idade28. Presume-se que essa diminuição seja decorrente da ativação dos receptores p2-adrenérgicos de alta afinidade, resultando em vasodilatação transitória. Essa vasodilatação mediada por p2 determina a diminuição subsequente do retorno venoso, seguida por diminuição no débito cardíaco, que pode potencialmente diminuir a PAS e a PAD29,33. A redistribui-ção do fluxo sanguíneo continua até que os níveis de adrenalina aumentem o suficiente para ativar os receptores a de menor afinidade, resultando em uma mudança, dependente da concentração plasmática, da vasodilatação para a vasoconstrição34-37.
A elasticidade vascular relativamente alta em crianças provavelmente as torna mais sensíveis à vasodilatação transitória mediada pelo receptor p2 e à consequente diminuição transitória da PAD, geralmente mais intensa e mais precoce com maiores doses de SNA refletindo-se também na PAS34,36.
Com relação às alterações da FC, apesar das crianças apresentarem concentrações mais elevadas de adrenalina, as alterações foram comparáveis às observadas com adultos. Possivelmente estas diferenças fisiológicas também estejam relacionadas à idade. Explicam esses fatos: (a) a diminuição nas respostas cronotrópicas à estimulação adrenérgica P1 com a idade, com regulação negativa e diminuição da ligação agonista dos receptores adrenérgicos p135, resultando em uma resposta de FC menos pronunciada em indivíduos mais velhos; e (b) a sensibilidade do barorreflexo diminui com a idade35, resultando em diminuição da modulação da FC (menor diminuição da FC) em resposta a aumentos rápidos na PA. Em conjunto, a resposta reduzida à estimulação adrenérgica p1 e a regulação reduzida da FC resultante de um barorreflexo menos sensível pode minimizar a diferença na resposta cardíaca à epinefrina em indivíduos mais velhos37, resultando em uma resposta da FC comparável à observada em indivíduos pediátricos nos quais a FC foi reduzida por meio de um barorreflexo mais sensível com maior concentração de epinefrina.
A hipotensão está frequentemente associada às reações alérgicas graves. Assim, é importante avaliar o quanto esse fator pode impactar na absorção de adrenalina administrada por via nasal38. Estudo realizado em cães beagle anestesiados, em situação de normalidade e de hipotensão (anafilaxia induzida) e que receberam adrenalina intranasal (1 mg) foi realizado para responder a esse questionamento. A Cmax média de adrenalina foi maior entre os animais avaliados durante a anafilaxia do que nos em condições normais (2.670 ± 2.150 pg/mL e 1.330 ± 739 pg/mL, respectivamente, p < 0,05), o mesmo ocorreu com a área sob a curva (0 a 45 minutos). Tais achados reforçam o fato de que a absorção da adrenalina não foi afetada pela hipotensão decorrente de anafilaxia38.
De modo geral, quando administrado a crianças/adolescentes, o SNA demonstrou absorção comparável ou superior à de adultos, com aumentos na PAS e na FC que sugerem que essas doses pediátricas ativam receptores adrenérgicos relevantes. Em relação à PAD, a diferença nas respostas do paciente pode ser amplamente atribuída a diferenças fisiológicas normais relacionadas à idade e não à ação da epinefrina. Ao comparar os dados com os de adultos de mais de 700 indivíduos, as doses pediátricas de Neffy apresentam o desempenho esperado28.
Segurança
A adrenalina é a primeira linha de tratamento da anafilaxia e está associada a um bom padrão de segurança. A resolução efetiva dos sintomas da anafila-xia depende em grande parte da sua administração imediata pelo paciente/cuidador. Adicionalmente, a possibilidade de ocorrência de uma superdosa-gem e de efeitos adversos cardíacos graves é uma realidade com qualquer via de administração. No entanto, esta probabilidade é mais reduzida com a administração por via IM em comparação com a administração por via IV39.
A adrenalina deve ser administrada com cautela a gestantes, idosos e a pacientes com doença cardíaca subjacente ou em uso de glicosídeos cardíacos, diuréticos ou antiarrítmicos, pois pode agravar a angina ou causar arritmias ventriculares (até fibrila-ção ventricular fatal). Pacientes em tratamento com medicamentos antidepressivos, distúrbios da tireoide, diabetes e hipertensão podem correr maior risco de apresentarem reações adversas. A adrenalina pode exacerbar temporariamente a condição subjacente e/ou aumentar os sintomas em pacientes com hipertireoidismo, doença de Parkinson, diabetes e insuficiência renal6,8.
Embora o SNA contenha metabissulfito em sua formulação, o seu uso não deve ser impeditivo a pacientes com sensibilidade6,8. A mucosa nasal pode permanecer alterada por até duas semanas após o uso do SNA e aumentar a absorção sistêmica de produtos aplicados por via nasal, incluindo a própria epinefrina intranasal6,8.
O SNA está disponível em duas apresentações de dose única (1 mg e 2 mg) a serem administradas da seguinte forma: 1 mg para crianças com 4 anos ou mais e peso entre 15 e 30 kg; 2 mg para pacientes com 30 kg ou mais6,8. A posologia recomendada é a aplicação de uma dose em uma narina. Caso os sintomas não melhorem após 5 minutos, uma segunda aplicação pode ser administrada na mesma narina com um novo dispositivo6,8.
Além disso, é essencial que o dispositivo seja utilizado corretamente, mesmo por indivíduos não treinados, com base apenas na leitura das instruções de uso. Hernandez-Trujillo e cols. avaliaram o fator humano na administração do SNA por adultos, jovens, cuidadores e pacientes. Todos os participantes conseguiram transportar adequadamente o estojo com os dois dispositivos, abri-lo em uma simulação de emergência alérgica e administrar o produto com sucesso, tanto em uma quanto em duas aplicações (com intervalo de 10 minutos) na mesma narina9.
Eventos adversos ocorrem em 7% a 19% dos casos, e em geral são leves. Os mais comuns incluem desconforto nasal, dor de cabeça, rinorreia, tontura, náusea, vômito, irritação ou secura na garganta, parestesia, espirros, congestão do trato respiratório superior, epistaxe, secura nasal, garganta seca, fadiga e sensação de nervosismo6,8.
Fleischer e cols. observaram eventos adversos em 52,4% pacientes que receberam ESN 1 mg e 66,7% dos que receberam 2 mg. Entre os tratados com 1 mg, os mais comuns foram: congestão nasal (19%), congestão do trato respiratório superior (14,3%), garganta seca, ressecamento nasal e parestesia (9,5%); e no grupo com 2 mg: desconforto nasal, rinorreia, parestesia intranasal (19%), espirros (14,3%), dor no local da aplicação, epistaxe, parestesia, fadiga e sensação de nervosismo (9,5%). Não houve relato de eventos adversos gastrintestinais (náuseas, vômitos). A maioria dos eventos foi leve e com resolução rápida. Não houve evento grave e tampouco desistência do estudo pelos eventos adversos28.
De acordo com o fabricante, os SNA devem ser armazenados em temperatura ambiente, com tolerância para excursões térmicas de até 50 °C. Em temperaturas inferiores a -15 °C (5° F), a solução congela e o dispositivo não libera a adrenalina. A vida útil do SNA (neffy) é de 30 meses, superior à dos produtos injetáveis, cuja validade varia entre 12 e 18 meses6,8.
Conclusão
Até o momento, estudos de farmacocinética e farmacodinâmica com o SNA demonstram eficácia clínica semelhante à adrenalina intramuscular (ampola, autoinjetor), tanto em adultos quanto em crianças31,40. O SNA surge como uma alternativa inovadora e promissora, especialmente para pacientes com barreiras ao uso de dispositivos injetáveis.
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