Queda da cobertura vacinal no Brasil: causas, consequências e estratégias de enfrentamento
Decreasing vaccination coverage in Brazil: causes, impacts, and intervention strategies
Denise Salotti Augusto Pizani; Márcio Antônio Francisco Dearo; Aline Ferreira de Oliveira Pereira
Universidade Paulista, Medicina - São José do Rio Pardo, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Denise Salotti Augusto Pizani
E-mail: denisesalottiaugusto@gmail.com
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Submetido em: 17/10/2024
aceito em: 28/07/2025.
RESUMO
O processo de imunização representa uma estratégia altamente efetiva, adotada mundialmente para controle e erradicação de diversas doenças. Entretanto, nos últimos anos, tem sido registrada uma significativa diminuição na taxa de cobertura vacinal no Brasil. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo evidenciar essa queda, abordando suas causas e consequências para a saúde pública, através de uma revisão da literatura. Para tanto, foram utilizadas como fontes: notícias, sites governamentais e artigos científicos nacionais e internacionais publicados entre os anos de 2014 e 2025, disponíveis nas bases de dados Google Acadêmico, PubMed e sciELO. Após análise criteriosa, 51 publicações foram selecionadas para embasar a redação deste artigo. Dentre os principais fatores associados à redução da cobertura vacinal, destacam-se a disseminação de informações falsas (fake news) e o avanço de movimentos antivacinas. Essas condições favorecem o ressurgimento de doenças anteriormente erradicadas, representando uma ameaça à saúde coletiva. Como resposta a esse cenário, o governo brasileiro tem implementado diversas medidas, como a distribuição de materiais informativos e a intensificação das campanhas de vacinação. Considerando a vacina como um dos principais instrumentos de prevenção em saúde pública e diante da possibilidade de reemergência de doenças como a poliomielite, conclui-se que as estratégias voltadas ao aumento da cobertura vacinal devem ser eficazes tanto na ampliação do acesso quanto na disseminação de informações confiáveis à população.
Descritores: Imunização, vacinação em massa, doenças transmissíveis, vacinas, estratégias de saúde.
Introdução
A vacinação configura-se como uma das principais estratégias de prevenção contra doenças infecciosas, tendo desempenhado papel fundamental no controle e erradicação de diversas patologias, bem como na redução da mortalidade infantil1. No Brasil, destacase o Programa Nacional de Imunização (PNI), reco-nhecido internacionalmente por sua ampla oferta de vacinas à população e por alcançar, historicamente, elevadas taxas de cobertura vacinal2,3.
Entretanto, nos últimos anos, observou-se uma acentuada redução na adesão à imunização no país, atribuída a múltiplos fatores. Um deles está relacionado ao próprio sucesso das campanhas de vacinação, que levaram ao desaparecimento de muitas doenças, gerando, assim, a falsa percepção de que essas enfermidades não representam mais ameaças3,4. Soma-se a isso o crescimento dos movimentos antivacina no Brasil, impulsionados pela disseminação de informações falsas a respeito da segurança, eficácia e possíveis efeitos adversos associados às vacinas3,5. Ademais, as medidas de distanciamento social adotadas durante a pandemia de COVID-19, aliadas ao receio de contágio, também contribuíram significativamente para a queda nas taxas de vacinação nos anos de 2019 e 20206,7.
A hesitação vacinal resultou na reintrodução de doenças já controladas, como o sarampo, e representa um risco concreto para o retorno de enfermidades como a poliomielite, que, em sua forma mais grave, pode causar paralisia infantil, sendo a imunização a única forma de prevenção8,9. Assim, embora a vacinação seja essencial para a saúde pública, sua rejeição por parte da população brasileira configura um desafio que ameaça tanto a saúde individual quanto a coletiva, exigindo ações efetivas por meio de políticas públicas3,10.
Diante desse cenário, o presente estudo tem como objetivo evidenciar a queda da cobertura vacinal no Brasil, identificando suas principais causas e consequências para a população, bem como apresentar estratégias implementadas pelo governo com vistas a reverter essa tendência.
Metodologia
O conteúdo desse trabalho foi elaborado com base em notícias sobre imunização, publicadas nos portais institucionais da Fiocruz, UNICEF e de universidades. Adicionalmente, foram utilizados dados atualizados sobre imunização disponíveis em plataformas governamentais, como o DATASUS e Ministério da Saúde. As pesquisas deram ênfase às doenças imunopreve-níveis, com destaque para a poliomielite e o sarampo. Para a revisão da literatura, foram consultadas as bases de dados Google Acadêmico, PubMed e SciELO, a fim de localizar artigos publicados entre os anos de 2014 e 2025, em periódicos nacionais e internacionais de língua inglesa. Para tanto, foram utilizados os seguintes descritores: "Imunização; Vacinação em Massa; Doenças Transmissíveis; Vacinas; Estratégias de Saúde"; "Immunization"; "Mass Vaccination"; "Communicable Diseases"; "Vaccines"; "Health Strategies". A busca foi realizada entre os anos de 2022 e 2025, resultando inicialmente em 98 fontes de informação. Após análise criteriosa, 47 foram excluídas por não abordarem especificamente a hesitação vacinal ou por apresentarem conteúdos redundantes, totalizando 51 publicações selecionadas para embasar o presente estudo.
Revisão da literatura e discussão
Em 1973, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Imunização (PNI), com o objetivo de coordenar e organizar as ações de vacinação no Brasil, que até então eram caracterizadas por baixa cobertura e execução de forma descontínua11-13. Tal programa é responsável por estabelecer normas relacionadas à aquisição, armazenamento e distribuição das vacinas nos âmbitos municipal, estadual e federal. Suas ações são baseadas no calendário vacinal, regulamentado pelo Ministério da Saúde, o qual pode ser alterado conforme as necessidades epidemiológicas do país13. A Tabela 1 apresenta o Calendário Nacional de Vacinação para crianças referente ao ano de 2024, conforme diretrizes do Ministério da Saúde. Nela estão inclusos os imunobiológicos prioritários disponibilizados gratuitamente pelo sistema público de saúde no Brasil11.
A taxa de cobertura vacinal representa a proporção de pessoas vacinadas em relação à população-alvo, multiplicada por 100. O PNI faz uso desse indicador para monitorar a evolução da vacinação e verificar o alcance de suas metas, como atingir 95% de cobertura vacinal em todos os municípios e vacinar 100% dos recém-nascidos13,14. Uma das principais estratégias para alcançar esses objetivos são as campanhas de vacinação, realizadas em contextos de pandemias, epidemias, surtos ou com o intuito de manter a erradicação de determinadas doenças imunopreveníveis13. A Tabela 2 apresenta as Campanhas de Vacinação referentes a 2024.
A vacinação, além de constituir uma medida de prevenção primária, é uma intervenção eficaz, de baixo custo e que promove mudanças significativas na epidemiologia mundial ao reduzir os impactos causados pelas doenças imunopreveníveis. Ao atingir uma cobertura vacinal de 95%, estabelece-se a chamada "imunidade de rebanho", garantindo, inclusive, a proteção de pessoas não vacinadas em razão da diminuição da concentração de patógeno circulante14,15. No entanto, apesar dos avanços históricos, as elevadas taxas de imunização alcançadas vêm apresentando queda nos últimos anos, conforme demostrado na Tabela 3 e Figura 1.
Vários fatores têm contribuído para essa queda nas taxas de imunização. Dentre eles, destacam-se: a disseminação dos movimentos antivacina, a propagação de informações falsas acerca da vacinação, a falsa sensação de segurança proporcionada pelo desaparecimento de doenças, as medidas de distanciamento social adotadas durante a pandemia de COVID-19, o receio de possíveis efeitos adversos pós-vacinação, além de aspectos técnicos, como falhas na logística de distribuição dos imunizantes e atuação insuficiente das Estratégias de Saúde da Família no processo de vacinação3-7,15,16.
Os movimentos antivacina estão fortemente associados à disseminação de informações falsas, fenômeno que se intensificou com o advento e a expansão das mídias sociais. Um exemplo emblemático de desinformação é o artigo publicado pelo gastroen-terologista britânico Andrew Wakefield no periódico The Lancet, no qual foi sugerida uma relação entre a vacina tríplice viral e o desenvolvimento de autismo em crianças. Porém, após a identificação de graves falhas no estudo, incluindo conflito de interesses e manipulação de dados, a própria revista retratou-se sobre a publicação. Como consequência, Wakefield teve sua licença médica cassada e o artigo foi oficialmente removido dos arquivos da revista. Desde então, diversos estudos rigorosos não conseguiram comprovar a relação descrita pelo médico3,6,16-18.
Da mesma forma, com o desaparecimento virtual de muitas doenças imunopreveníveis, parte da população passou a questionar os benefícios da vacinação, desenvolvendo uma percepção equivocada de que os raros efeitos adversos promovidos pelas vacinas seriam mais prejudiciais do que as próprias doenças que elas previnem19,20. Essa desconfiança é reforçada por uma pesquisa realizada em 2022, a qual revelou que muitos brasileiros consideram os potenciais efeitos adversos como um risco à saúde e desconfiam das indústrias farmacêuticas, sob a crença de que estas ocultam informações sobre os perigos das vacinas21. Ademais, a necessidade de implementação de medidas protetivas durante a pandemia de COVID-19, nos anos de 2020 e 2021, como o distanciamento social e a interrupção parcial dos meios de transporte, contribuíram para a redução da procura pela vacinação básica de rotina ofertada nos serviços públicos de saúde, o que ajuda a explicar a queda nos índices de cobertura vacinal nesse período6,7,22.
Fatores de natureza técnica, como falhas na produção e distribuição de imunobiológicos, também contribuem para a redução das taxas de vacinação. Um estudo publicado no periódico Cadernos de Saúde Pública, em 2022, evidenciou a baixa disponibilidade de vacinas no Brasil, com variações significativas entre as regiões do país6,23. Em 2023, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a suspensão da distribuição da vacina tetravalente, em razão de alterações identificadas em seu processo de fabricação. Tal interrupção pode justificar a ausência de dados sobre a cobertura vacinal desse imunobiológico nos anos de 2023 e 2024 (Tabela 3). Ressalta-se, ainda, que a administração da tetravalente já apresentava fragilidades em anos anteriores, em decorrência de irregularidades em sua distribuição. Como exemplo, destaca-se o estado de Alagoas, que não recebe doses dessa vacina desde o ano de 201824,25.
Além disso, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), cuja atuação inclui a administração de vacinas, está diretamente associada a fatores que influenciam a efetividade da cobertura vacinal, como a estrutura física das unidades de saúde, localização geográfica, horários de funcionamento das salas de vacinação e a qualidade da relação interpessoal entre os profissionais da saúde e os usuários do serviço15,23,26.
A hesitação vacinal tem contribuído significativamente para o reaparecimento de doenças anteriormente consideradas erradicadas. Um exemplo emblemático é a reintrodução do vírus do sarampo no Brasil, ocorrida em 2018, apenas dois anos após o país ter recebido da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) o certificado de eliminação da circulação desse vírus. Dentre os fatores que favorecem esse retorno, destaca-se a baixa cobertura vacinal da Tríplice Viral em 2017, que atingiu apenas 86,24%. Esse cenário teve maior impacto na Região Norte, especialmente em decorrência da intensa migração de cidadãos oriundos da Venezuela, país que havia enfrentado um surto de sarampo em 201727,28. Nos anos subsequentes, as taxas de vacinação continuaram aquém do ideal: 92,61% em 2018 e 93,12% em 2019. A partir de 2020, observou-se uma queda ainda mais acentuada, fortemente influenciada pela pandemia de COVID-19, com índices de 80,88% em 2020 e 74,94% em 2021. Ainda que os anos de 2022 (80,70%) e 2023 (88,39%) tenham apresentado uma discreta recuperação nas taxas de vacinação, os índices permaneceram inferiores aos registrados no período anterior à pandemia, configurando níveis insuficientes para assegurar a proteção coletiva6,7,22. A Figura 2 apresenta a cobertura vacinal contra o sarampo no Brasil entre os anos de 2015 e 2024.

Em relação à cobertura vacinal contra a COVID-19 no Brasil, dados recentes demonstram que ela permanece aquém do ideal, com destaque para a baixa adesão em determinadas faixas etárias. Estima-se que 86,64% da população recebeu duas doses da vacina monovalente, 56,44% três doses e apenas 19,69% completaram o esquema de quatro doses. Observa-se importante discrepância entre as idades, especialmente entre crianças, cujo esquema vacinal prevê duas doses, administradas aos seis e sete meses de vida. Nesse grupo, a cobertura foi de apenas 36,5% entre crianças de 6 meses e 2 anos e de 31,4% entre aquelas de 3 a 4 anos11,29,30.
A partir dos 5 anos de idade, a vacinação passou a ser recomendada exclusivamente para grupos prioritários, como gestantes, puérperas, imunocom-prometidos e trabalhadores da saúde, com reforço anual e, no caso de pessoas com 60 anos ou mais, o reforço deve ser semestral. Na faixa etária de 5 a 11 anos, 60,7% das crianças receberam duas doses e 24,1% apenas uma dose. Entre indivíduos de 12 a 59 anos, a cobertura vacinal com duas doses variou entre 85% e 92%; com três doses, entre 40% e 70%; e com quatro doses, entre 30% e 44% (considerando a faixa dos 40 aos 59 anos). A população idosa apresentou os melhores índices: mais de 95% receberam duas doses, 80% três doses e 56,2% quatro doses11,29,30.
Adicionalmente, o risco de reintrodução da poliomielite tem levado órgãos de saúde a emitirem alertas sobre a baixa cobertura vacinal. Embora a doença tenha sido erradicada nas Américas, ela ainda é endêmica em algumas regiões do mundo, e a mobilidade populacional, decorrente de processos migratórios, aumenta a possibilidade de reintrodução do vírus em áreas livres da enfermidade. No Brasil, também se observou uma queda significativa de vacinação contra a poliomielite durante os anos da pandemia de COVID-19, atingindo 76,79% em 2020 e 71,04% em 2021, conforme demonstrado na Tabela 3, Figura 1 e Figura 33,31-33. Em resposta a esse cenário, o PNI anunciou, para outubro de 2024, a substituição da vacina oral poliomielite bivalente (VOP) pela vacina inativada poliomielite (VIP), alinhando-se às diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Contudo, essa transição está condicionada à manutenção de altas coberturas vacinais com as doses de VIP34.

Paralelamente, desde 2023, o Brasil tem apresentado um aumento expressivo dos casos de coqueluche, cuja última incidência endêmica ocorreu em 2014. Na cidade de São Paulo, por exemplo, entre janeiro e junho de 2024 foram registradas 139 notificações da doença, o que representa um crescimento de 768,7% em relação ao mesmo período de 202335. Tais evidências reforçam que, apesar da vacinação no Brasil ser obrigatória e disponibilizada gratuitamente pelo sistema público de saúde, a adesão populacional tem diminuído de forma preocupante. Esse contexto contribui para o ressurgimento de doenças preveníveis, comprometendo tanto a saúde individual quanto a proteção coletiva26,36. Essa situação também suscita discussões no campo da Bioética, especialmente ao se considerar o princípio da justiça - representado pela promoção do bem comum por meio da oferta universal de vacinas - em contraponto ao princípio da autonomia, que assegura ao indivíduo o direito à escolha37.
Nesse contexto, visando enfrentar os fatores associados à rejeição vacinal, o Ministério da Saúde lançou, em 2019, o folheto "Dez passos para ampliar as coberturas vacinais na Atenção Primária". Entre as diretrizes propostas destacam-se: garantir o funcionamento das salas de vacinação durante todo o horário de atendimento da unidade de saúde, com possibilidade de ampliação; combater a disseminação de informações falsas; e assegurar a oferta de vacinas em quantidade e qualidade adequadas6,38.
De forma complementar, em 2021, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por intermédio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), instituiu o Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), desenvolvido em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o PNI. O projeto tem como meta, até 2025, alcançar níveis elevados e homogêneos de cobertura vacinal em todo o território nacional39. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) lançou, em junho de 2022, a campanha "Vacina Mais", com o intuito de ampliar o acesso à informação sobre imunização, por meio da distribuição gratuita de materiais de comunicação para estabelecimentos públicos40. Adicionalmente, em 2023, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, a fim de recuperar as altas taxas de cobertura vacinal. A iniciativa incluiu tanto a vacinação contra a COVID-19 quanto as demais vacinas previstas no Calendário Nacional de Vacinação41.
Como resultado desses esforços institucionais, observou-se, nos anos de 2022 e 2023, um considerável aumento nas taxas de cobertura vacinal (Tabela 3 e Figura 1). Entretanto, para a maioria dos imunobiológicos, as metas estipuladas ainda não foram plenamente atingidas42.
A pandemia de COVID-19 impactou significativamente as taxas de cobertura vacinal em escala global, não se restringindo ao contexto brasileiro. Estima-se que pelo menos 68 países tenham sido afetados, comprometendo a vacinação de cerca de 80 milhões de crianças. Nos primeiros cinco meses da pandemia, diversas nações cancelaram suas campanhas de imunização, o que contribuiu para o ressurgimento de doenças previamente controladas. Houve notificações de casos de difteria em países como Venezuela, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Iêmen, bem como surtos de cólera em Bangladesh, Camarões, Moçambique, Sudão do Sul e também no Iêmen. Além disso, 46 campanhas de vacinação contra a poliomielite foram adiadas em 38 países, principalmente na África, resultando em surto da doença no Níger em 2021. Nos Estados Unidos também foi observada uma expressiva redução na cobertura vacinal infantil durante o mesmo período, com quedas de 63% em Nova Iorque, 40% na Califórnia e 45% em Ohio43.
Em 2023, a cobertura vacinal mundial manteve-se estagnada, com índices inferiores aos registrados antes da pandemia. A vacina tríplice bacteriana (DTP), considerada um dos principais indicadores de desempenho vacinal, alcançou apenas 108 milhões de crianças com o esquema completo. Paralelamente, o número de crianças não vacinadas aumentou de 13,9 milhões em 2022 para 14,5 milhões em 2023, e outras 6,5 milhões não completaram o esquema vacinal com a terceira dose44,45. A cobertura da vacina contra o sarampo também foi insuficiente, com taxas globais de 83% para a primeira dose e 74% para a segunda, ambas aquém dos 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir surtos. Como consequência, 103 países relataram surtos de sarampo nos últimos cinco anos44,45.
A vacinação contra a COVID-19 enfrentou desafios semelhantes. Até dezembro de 2023, apenas 67% da população mundial havia completado o esquema primário de vacinação, número que aumentou modestamente para 70,7% em agosto de 2024, evidenciando a lentidão no avanço global de imunização46. As disparidades entre países com diferentes níveis de renda tornam-se evidentes: nações com baixa Renda Nacional Bruta (RNB) apresentaram até 70% menos cobertura vacinal em comparação com países de alta renda47. No Peru, por exemplo, verificou-se uma correlação direta entre a cobertura vacinal e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), refletindo desigualdades internas mesmo em países em desenvolvimento48.
A distribuição global desigual das vacinas agravou ainda mais esse panorama. Estima-se que, em fevereiro de 2021, 75% das 191 milhões de doses administradas estavam concentradas em apenas 10 países de alta renda, que juntos representam apenas 16% da população mundial49,50. Para mitigar tais disparidades, foram implementadas iniciativas como o consórcio COVAX, criado com o propósito de promover maior equidade na distribuição dos imunizantes. No entanto, até janeiro de 2022, apenas 61% das doses previstas haviam sido efetivamente entregues46.
Assim sendo, o presente estudo destaca que a redução nas coberturas vacinais não é um fenômeno isolado da pandemia, mas vem sendo observado há vários anos. Tal fato compromete a saúde pública, favorecendo o retorno de doenças anteriormente controladas e colocando em risco a reintrodução de patologias graves já erradicadas. Apesar dos esforços governamentais para reverter esse declínio, os índices atuais ainda permanecem abaixo do ideal.
Conclusão
A vacinação é amplamente reconhecida como uma das intervenções mais eficazes na prevenção de doenças infecciosas. Diante disso, a hesitação vacinal deve ser enfrentada de forma assertiva, por meio da disseminação de informações baseadas em evidências científicas, campanhas educativas, esclarecimento de dúvidas da população e ações governamentais que assegurem a distribuição adequada de imunobiológicos e o acesso igualitário a todos os cidadãos.
A iminência do retorno de doenças previamente erradicadas, como a poliomielite, reforça a urgência na implementação e fortalecimento de políticas públicas voltadas ao aumento da cobertura vacinal. Contudo, torna-se igualmente essencial a realização de estudos que avaliem a efetividade dessas estratégias, de modo a garantir o alcance das metas estabelecidas e a proteção adequada da população.
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