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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2025 - Volume 9  - Número 2


Artigo de Revisão

Tosse crônica e síndrome de hipersensibilidade à tosse

Chronic cough and cough hypersensitivity syndrome

Rosana Câmara Agondi


Universidade de São Paulo, Serviço de Imunologia Clínica e Alergia, Departamento de Clínica Médica - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Rosana Câmara Agondi
E-mail: ragondi@gmail.com /rosana.agondi@hc.fm.usp.br

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.


Submetido em: 16/01/2025
aceito em: 27/01/2025.

RESUMO

A tosse crônica é uma condição prevalente no mundo, em todas as faixas etárias. Trata-se de um distúrbio complexo e de difícil tratamento, pois diversas condições pulmonares e extrapulmonares podem se manifestar com tosse crônica, que, por sua vez, pode ocorrer sem uma causa identificável ou ser resistente a terapias destinadas a tratar as diversas condições associadas à tosse crônica. A maioria dos pacientes com tosse crônica apresenta hipersensibilidade ao reflexo da tosse, ou seja, apresenta tosse em resposta a estímulos relativamente inócuos, o que causa considerável comprometimento de qualidade de vida e impacto psicológico. Nos últimos anos, houve uma mudança de paradigma no diagnóstico de tosse crônica refratária, reconhecendo-a como uma condição distinta, resultado da hipersensibilidade ao reflexo da tosse ao invés de ser apenas um sintoma decorrente de condições subjacentes. Nesta revisão, temos uma atualização sobre tosse crônica, realçando a hipersensibilidade ao reflexo à tosse.

Descritores: Tosse crônica, hipersensibilidade, receptores de neurotransmissores, reflexo.




Introdução

O reflexo da tosse é um mecanismo fisiológico vital para proteger as vias aéreas de irritantes químicos e mecânicos e prevenir a aspiração. A tosse preserva as funções de troca gasosa dos pulmões ao facilitar a eliminação de material particulado aspirado e inalado, e de irritantes que são inalados ou formados nos locais de inflamação da mucosa1,2. O reflexo da tosse é regulado pela interação coordenada entre nervos sensoriais periféricos, presentes em todo trato respiratório, e o centro da tosse localizado no núcleo do trato solitário, no tronco encefálico1.

A tosse também pode ser um sinal de alerta para condições patológicas, como vômitos, fraturas de costelas, incontinência urinária, síncope, dores musculares, cansaço e depressão. Pacientes com tosse crônica refratária ou inexplicável apresentam grande comprometimento da qualidade de vida, com influências negativas na saúde física e psicológica. Estudos recentes focam em entender os mecanismos que regulam os processos periférico e central envolvidos na atividade do circuito nervoso da tosse3-5.

Este mecanismo de defesa reflexa se divide em três fases: (1) uma fase inspiratória; (2) um esforço expiratório forçado contra uma glote fechada; (3) abertura da glote, com subsequente expiração rápida, que gera um som de tosse característico3.

O reflexo da tosse compreende as vias nervosas vagais aferentes presentes em abundância em toda via respiratória, superior e inferior, incluindo a laringe, traqueia, carina, brônquios intrapulmonares e parên-quima pulmonar6. Ramos aferentes do vago também estão presentes no esôfago, membrana timpânica, diafragma e pericárdio7'8.

Estímulos inflamatórios, mecânicos ou químicos ativam os receptores periféricos nos nervos sensoriais das vias aéreas (fibras AS - ou mecanorreceptores, e fibras C - ou quimiorreceptores, originárias dos gânglios jugulares ou nodosos). Estes estímulos são então transmitidos através do nervo vago para o núcleo paratrigeminal e o núcleo do trato solitário localizado na medula oblonga9. Os receptores centrais da tosse enviam sinais através de vias eferentes nos nervos motores vago, frênico e espinhal para ativar o diafragma e os músculos expiratórios envolvidos na tosse8.

Epidemiología e classificação da tosse

A tosse é um dos sintomas mais comuns que faz um indivíduo procurar atendimento médico. A tosse é classificada conforme sua duração. Tosse aguda é definida como aquela que dura menos de 3 semanas; tosse subaguda quando os sintomas se mantêm entre 3 e 8 semanas; e tosse crônica é definida como aquela que dura mais de 8 semanas10.

A tosse aguda é geralmente resultado de infecção viral do trato respiratório alto, mas também pode ter outras etiologias, como pneumonia ou aspiração de corpo estranho. A infecção sintomática do trato respiratório superior (IVAS) ocorre numa frequência de 2 a 5 vezes ao ano no adulto; e nas crianças em idade escolar, 7 a 10 episódios por ano, porém, apenas 40% a 50% dos pacientes apresentam tosse. Na ausência de uma comorbidade subjacente, a tosse aguda é normalmente benigna e autolimitada. A tosse aguda também pode ser uma manifestação de uma exacerbação de doença crônica, como asma ou DPOC10.

A tosse que dura entre 3 e 8 semanas é denominada de tosse subaguda. Os diagnósticos mais prováveis são a síndrome da tosse pós-infecciosa ou uma exacerbação de asma ou DPOC. O mecanismo proposto para tosse subaguda por infecção viral inclui o aumento da sensibilidade do reflexo da tosse induzida pela infecção viral11.

A tosse crônica, definida pela tosse que se mantém por mais de 8 semanas nos adultos, tem uma prevalência de 4% a 10% da população mundial e frequentemente está associada com dor, vertigem, incontinência urinária e mesmo perda de consciência. Como resultado, a tosse crônica está associada com estresse psicológico considerável, estigma social, redução da qualidade de vida e comprometimento das atividades da vida diária e produtividade do trabalho. Além disso, devido, em parte, à ineficácia dos tratamentos antitussígenos existentes, as pessoas com tosse frequentemente passam por consultas médicas repetidas, envolvendo exames diagnósticos caros e extensos, além de testes terapêuticos malsucedidos12,13.

Tosse crônica

A tosse crônica afeta cerca de 40% da população mundial em algum momento da vida14. No fim do século XX, um "protocolo de diagnóstico anatômico" foi proposto para investigação de tosse persistente isolada na ausência de uma patologia subjacente identificada. A tosse crônica era considerada meramente um sintoma de uma condição subjacente, como asma, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) ou rinossinusite, e o tratamento poderia ser utilizado empiricamente mesmo na ausência de características típicas dessas doenças15.

Principais causas de tosse crônica16.

- Síndrome da tosse de vias aéreas superiores.

- DRGE.

- Medicamentos: inibidor da enzima de conversão da angiotensina (iECA).

- Asma.

- Tosse variante de asma.

- Bronquite eosinofílica não asmática.

- Bronquite crônica.

- Bronquiectasias.

- Tuberculose.

- Exposições ocupacionais.

- Doenças intersticiais.

- Broncoaspiração/corpo estranho.

- Tabagismo.

- Causas cardíacas.

- Tumor.

- Psicogênica.

Síndrome da tosse de vias aéreas superiores (STVAS)17

A rinite crônica ou rinossinusite demonstrou ser um fator de risco independente para o desenvolvimento de tosse crônica. No entanto, os mecanismos exatos da tosse crônica em pacientes com rinossinusite não estão completamente esclarecidos. Inicialmente, a patogênese da STVAS era considerada uma manifestação consequente ao gotejamento pós-nasal. Entretanto, estudos mostraram que apenas uma pequena proporção de pacientes com gotejamento pós-nasal se queixava de tosse crônica e, por outro lado, alguns pacientes com STVAS não apresentavam gotejamento pós-nasal. A tosse crônica relacionada à STVAS inclui a rinite alérgica, rinite não alérgica e a rinossinusite crônica18.

Na literatura, a STVAS como causa da tosse crônica varia de 9% a 82% na população em geral. Essa ampla variação na prevalência se deve principalmente à lenta adaptação do termo à prática clínica e à diferença nos padrões de tratamento entre diferentes países. Há um acordo relativo de que, em não fumantes, a STVAS é considerada a primeira ou segunda causa mais comum de tosse crônica no mundo. A STVAS também é frequentemente associada a outras condições que podem causar tosse crônica17.

Postula-se que a patogênese da STVAS seja secundária a fatores que incluam a drenagem pós-nasal, a inflamação crônica de vias aéreas superiores e a hipersensibilidade de nervos sensoriais. As secreções das vias aéreas superiores sinalizariam uma resposta química, térmica ou mecânica que provocaria a tosse observada na STVAS. A sinalização nervosa é predominantemente mediada por fibras C não mielinizadas. Essas fibras C são sensíveis a um grande número de mediadores químicos e inalados, incluindo a capsai-cina. Os receptores de capsaicina são encontrados nos receptores TRPV1 (vaniloide), que é altamente expresso nas fibras nervosas aferentes sensoriais das vias aéreas17.

Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)1920

A DRGE é uma condição clínica causada pelo refluxo retrógrado crônico de conteúdo ácido do estômago para o esôfago com sintomas desconfortáveis, complicações ou ambos. O diagnóstico da DRGE é baseado em sintomas clínicos (pirose, regurgitação e dor torácica não cardíaca) e na resposta empírica a inibidores de bomba de prótons (IBPs).

No entanto, estudos mostraram limitações do diagnóstico não objetivo; como resultado, a avaliação diagnóstica, como a endoscopia digestiva alta, é recomendada com base no cenário clínico, especialmente em pacientes com sinais de alerta, como disfagia21.

A tosse crônica pode ser uma manifestação extraesofágica da DRGE19. A fisiopatologia da DRGE é multifatorial e os mecanismos propostos incluem a hipotonia do esfíncter inferior do esôfago, hérnia de hiato, pressão intra-abdominal elevada. Três mecanismos fisiopatológicos possíveis contribuem para o desenvolvimento de tosse crônica relacionada à DRGE. O primeiro é chamado de "teoria do refluxo", que inclui refluxo ácido, microaspiração e refluxo brônquico; o segundo mecanismo, "teoria do reflexo", inclui o reflexo esofagotraqueobrônquico, que está associado ao aumento de sensibilidade ao reflexo da tosse e ao desenvolvimento de inflamação neurogênica; e o terceiro mecanismo proposto é a dismotilidade esofágica. A "teoria do reflexo" propõe que estímulos dos receptores da mucosa subesofágica por substâncias do refluxo ativem o centro da tosse através do esôfago e causem o reflexo da tosse22.

Medicamentos - inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA)

Os efeitos colaterais comuns dos inibidores da ECA incluem tosse seca, hipotensão, hipercalemia, cefaleia, tontura e insuficiência renal. O mecanismo de ação dos iECAs se baseia no bloqueio da enzima de conversão da angiotensina, a enzima responsável pela conversão de angiotensina-I em angiotensina-II, e também pela degradação de vários peptídeos hemodinamicamente ativos, incluindo a bradicinina. A tosse seca persistente é o efeito adverso mais comum dos iECA, efeito provavelmente relacionado ao aumento de produção de bradicinina. A prevalência de tosse seca nos pacientes usuários de iECA varia de 10% a 35%. O sintoma se desenvolve na primeira semana, primeiro mês ou após vários anos do início do medicamento, é dose-independente e mais frequente em mulheres23-25.

Tosse variante de asma e bronquite eosinofílica não asmática

Ambas são consideradas condições inflamatórias brônquicas que, com frequência, se manifestam como tosse crônica, com diferentes critérios diagnósticos e diferentes respostas à terapia de asma comumente usada para seus respectivos diagnósticos26.

Tosse variante de asma (TVA)

Às vezes a tosse pode ser o único sintoma de asma. TVA é o termo usado para se referir à asma quando a tosse ocorre como o único ou predominante sintoma, com ausência de queixas como chiado ou aperto no peito. O diagnóstico de TVA foi descrito pela primeira vez no final da década de 1970 quando pacientes com hiper-responsividade brônquica à me-tacolina tiveram melhora da tosse após o tratamento com um p2-agonista de curta duração, associada à reversibilidade de 12% e 200 mL, indicando uma relação direta entre o calibre das vias aéreas e a tosse. No entanto, esses critérios podem não ser mais válidos, com um estudo mostrando que até um terço dos pacientes com TVA apresentam espirometria normal e não tem resposta broncodilatadora. Nessas situações, o diagnóstico pode ser estabelecido pela demonstração de hiper-responsividade brônquica à metacolina ou manitol26.

Bronquite eosinofílica não asmática

A bronquite eosinofílica não asmática (NAEB, do inglês nonasthmatic eosinophilic bronchitis) foi descrita pela primeira vez em 1989, e é caracterizada por tosse crônica e eosinofilia das vias aéreas sem evidência objetiva de asma, ou seja, ausência de reversibilidade e/ou ausência de hiper-responsividade brônquica. A investigação de eosinofilia brônquica deve ser realizada através de coleta de escarro induzido, de lavado broncoalveolar e/ou biopsia brônquica. Os pacientes com NAEB apresentam eosinófilos acima de 2,5%. Outro teste não invasivo que mede a fração de óxido nítrico exalado (FeNO) pode ser considerado, mas não é recomendado rotineiramente em todos os pacientes. A NAEB não responde a broncodilatadores, e os sintomas são tipicamente responsivos a corticos-teroides inalados26.

Em um adulto imunocompetente, não tabagista e com resultados radiográficos de tórax normais, excluída tuberculose e que não esteja em uso de iECA, a causa subjacente da tosse crônica na maioria dos pacientes será devido a um ou a uma combinação dos seguintes: (1) síndrome da tosse de vias aéreas inferiores (asma, tosse variante de asma ou NAEB);

(2) síndrome da tosse das vias aéreas superiores; ou

(3) doença do refluxo gastroesofágico27.

A tosse crônica pode afetar até 10% da população em geral, entretanto, cerca de 5% desses pacientes apresentam tosse crônica inexplicável ou refratária apesar de extensa investigação e tratamento de uma doença subjacente diagnosticada, ou mesmo empiricamente28.

Indivíduos com tosse crônica frequentemente relatam uma necessidade persistente de tossir e um aumento da sensibilidade aos estímulos, como alteração de temperatura ambiental e exposição a aerossóis e perfumes. Em algumas situações, o simples ato de conversar ou cantar provoca acessos de tosse13.

Atualmente, considera-se a tosse crônica uma condição de desregulação nervosa. Ambas as vias nervosas, central e periférica, regulam a tosse, e, embora os mecanismos que impulsionem o desenvolvimento da hipersensibilidade à tosse não sejam totalmente conhecidos, a sensibilização dessas vias nervosas contribui para o desencadeamento da resposta exagerada à hipersensibilidade ao reflexo da tosse12,13.

Receptores de potencial transitório (TRP) e purinérgicos (P2X3)

O reflexo da tosse pode ser desencadeado por várias alterações inflamatórias ou mecânicas nas vias aéreas e outros locais, como terço inferior do esôfago. Os receptores nervosos sensoriais que respondem a esses estímulos são definidos por suas propriedades condutoras como receptores de adaptação rápida (RARs), receptores de adaptação lenta (SARs), ou receptores de fibra C. Os RARs são estimulados por fumaça de cigarro, soluções ácidas e alcalinas, soluções salinas hipotônicas e hipertônicas, estimulação mecânica, congestão pulmonar, atelectasia, bronco-constrição e redução da complacência pulmonar - todos os quais podem causar tosse. Os receptores de fibra C, um tipo de nociceptores, são altamente sensíveis a produtos químicos como bradicinina, capsaicina (um extrato vaniloide de pimentas) e íons de hidrogênio (pH ácido)29.

Os neurônios quimiorreceptores (ou nociceptores) enviam sinais da periferia, através de fibras aferentes, para o centro da tosse no sistema nervoso central, servindo como mediador da transmissão entre os sistemas nervosos central e periférico. Esses neurônios expressam uma grande variedade de receptores e canais iônicos que estão distribuídos ao longo das fibras periféricas. A família de canais iônicos mais importante que detecta e transmite estímulos nocivos é a família de potencial transitório (TRP). Esta família consiste de proteínas que são canais conservados, não seletivos e permeáveis ao cálcio. Em geral, os canais TRP atuam como sensores moleculares de múltiplos estímulos, variando de alteração de pH, agentes químicos, temperatura e osmolaridade30.

A superfamília dos receptores de potencial transitório (TRP) abrange 28 membros, que são subdivididos em 6 subfamílias conforme sua homologia de sequência: TRPC (canônico, 7 membros), TRPV (vaniloide, 6 membros), TRPM (melastatina, 8 membros), TRPA (anquirina, 1 membro), TRPP (policistina, 3 membros) e TRPML (mucolipina, 3 membros). As proteínas de TRP compartilham uma estrutura comum que consiste de seis domínios transmembrana. Os canais de TRP são compostos por quatro subunidades de proteína TRP formadoras de poros que podem se reunir como homo ou heterotetrâmeros. Os canais de TRP modulam a função celular através da abertura dos canais iônicos dependentes de voltagem que, consequentemente, leva a eventos intracelulares, como despolarização de neurônios e contração de musculatura lisa29.

TRPV1, o receptor de potencial transitório vaniloi-de, está presente em todo o trato respiratório, do nariz aos brônquios e parede vascular. O TRPV1 é ativado por irritantes químicos exógenos (por exemplo, eta-nol), temperaturas elevadas (> 43 °C), pH extracelular baixo e alguns mediadores endógenos. O principal ligante exógeno é a capsaicina, o princípio ativo da pimenta malagueta. Agentes pró-inflamatórios ou estímulos físicos podem reduzir o limiar de ativação para os agonistas de TRPV1. Sob condições normais, somente temperaturas acima de 43 °C ativam o TRPV1, mas este limiar pode diminuir para 35-37 °C após acidificação do meio. Este fenômeno é muito importante na inflamação, porque essa condição drasticamente reduz o pH (até pH de 6,4) e rapidamente ativam TRPV1. A sensibilização do TRPV1 é o fenômeno que facilita a ativação do canal por estímulos de baixa intensidade, e o processo ocorre após inflamação ou dano tecidual, que é desencadeado por várias substâncias pró-inflamatórias, como substância P, bradicinina e prostaglandinas. TRPV1 medeia sinalização iniciada por receptores GPCRs, incluindo a bradicinina e a prostaglandina E229,30.

TRPA1, receptor de potencial transitório anquirina, é um canal iônico sensor de frio nocivo. Este receptor funciona como um sensor térmico à temperatura fria, que pode ser ativado por temperaturas abaixo de 17 °C. Do mesmo modo, isotiocianatos são componentes naturais que podem ativar os canais de TRPA1 e são encontrados em produtos naturais como wasabi, mostarda e raiz-forte30.

TRPM8, receptor de potencial transitório do tipo melastatina, é expresso em todo tecido pulmonar e células epiteliais brônquicas, em humanos. O TRPM8 é principalmente reconhecido como um termorregu-lador, ativado por temperaturas baixas (entre 15 e 28 °C), mas também pode ser ativado por substâncias químicas exógenas que provocam uma sensação de resfriamento, com mentol e eucaliptol29. Na Tabela 1, podemos observar um resumo dos principais TRP.

 

 

Outra família de receptores envolvida em várias atividades celulares, como a tosse, é a família de receptores purinérgicos. Estes são ativados por nucle-otídeos de purina, como adenosina 5'-trifosfato (ATP ou adenosina e três grupos fosfato) e adenosina (ou adenina), como moléculas que sinalizam a estimulação celular. Um desses receptores é o P2, subtipo de receptor purina que compreende os canais iônicos controlados por ligantes, conhecidos como P2X, e os receptores acoplados à proteína G (GPCRs), conhecidos como P2Y31,32.

Os receptores P2X são homotrímeros ou heterotrí-meros e sua ativação induz o fluxo de íons catiônicos extracelulares, como sódio e cálcio, para dentro da célula, deste modo, despolarizando a membrana celular. Os receptores P2X estão expressos em todo o corpo e estão associados a uma variedade de processos fisiológicos e patológicos31.

Existem 7 receptores P2X (P2X1-7), e a expressão destes receptores de P2X3 nos neurônios aferentes do nervo vago tem se tornado extremamente importante para entender os mecanismos envolvidos na tosse crônica. A ativação aberrante desses receptores leva à hipersensibilidade destas terminações nervosas, que é uma das características da "Síndrome de hipersensibilidade à tosse" (SHT, que será descrito a seguir)31.

O principal ligante do receptor P2X3 é o ATP. O ATP é liberado das células em resposta a danos causados por fatores exógenos e endógenos e, posteriormente, participa do fluido extracelular das vias aéreas, agindo como uma alarmina, ou seja, gerando mais inflamação. A causa subjacente para liberação de ATP ainda é motivo de debate, provavelmente se deve a estímulos inflamatorios, produtos de poluição do ar, fumaça de cigarro e conteúdo de refluxo gastroesofágico32.

Síndrome de hipersensibilidade à tosse (SHT)

No fim do século XX, um "protocolo diagnóstico anatômico" foi proposto para investigação de causas de tosse persistente isolada na ausência de uma patologia pulmonar facilmente identificável, onde sintomas estariam classificados em categorias para orientar a investigação diagnóstica e direcionar a terapia alvo. A etiologia da tosse crônica mudou significantemente nos últimos anos, previamente era considerada meramente um sintoma de condições subjacentes, como asma, refluxo gastroesofágico ou rinossinusite, cujo tratamento era instituído, muitas vezes, de forma empírica, na ausência de características típicas dessas doenças. Atualmente, a tosse crônica refratária (tosse persistente apesar do tratamento otimizado das condições associadas à tosse crônica) ou que permanece inexplicável (sem causa subjacente identificada) é considerada uma entidade única e essencialmente uma doença por si (Figura 1)9,15,33.

 

 

Tosse crônica refratária pode ser o diagnóstico em cerca de 40% dos pacientes com tosse crônica encaminhados para especialistas e, atualmente, doenças antes consideradas as principais causas de tosse crônica, asma e outras, são consideradas traços tratáveis que contribuem mais do que seriam os fatores causais da tosse, para muitos pacientes15.

As diretrizes da European Respiratory Society de 2021 sobre tosse crônica adotaram um paradigma diferente. A maioria dos pacientes com tosse crônica apresenta hipersensibilidade do reflexo da tosse, que se caracteriza pela parestesia laríngea e um aumento de resposta ao estímulo tussígeno ou a um estímulo inócuo que não desencadearia tosse em um indivíduo saudável. A tosse crônica era "a doença". Esta hipótese surgiu da observação de que a maioria dos pacientes relatava tosse desencadeada por baixos níveis de exposição térmica, química ou mecânica, incluindo ar frio, perfumes, odores e aerossóis. Esses estímulos externos sugerem uma hipersensibilidade a outros estímulos inócuos. A hipersensibilidade ao reflexo da tosse foi considerada como o mecanismo fisiopatológico subjacente da tosse crônica, e denominada de SHT33.

Os mecanismos propostos para hipersensibilidade ao reflexo da tosse seriam a hiperinervação das vias aéreas, aumento da ativação central da tosse e redução da supressão central da tosse. Na investigação da SHT deve-se excluir os traços tratáveis, ou seja, excluir fatores secundários que agravam a tosse crônica, e, se possível, realizar um teste de provocação da tosse, por exemplo, com capsaicina ou ATP. As intervenções não farmacológicas da SHT incluem evitar desencadeantes, tratar os traços tratáveis e tratamento com fonoaudiólogo e fisioterapeuta, e têm se mostrado eficazes. O tratamento medicamentoso está direcionado às vias anormais do reflexo da tosse, periférica e central. Os medicamentos neuromodula-dores amitriptilina, gabapentina e pregabalina foram testados com sucesso moderado, embora os efeitos colaterais sejam comuns15.

Novos antitussígenos que têm como alvo terapêutico os receptores periféricos, como P2X3, reduzem eficazmente a frequência da tosse e parecem seguros. Gefapixant foi o primeiro antagonista do receptor P2X3 a concluir com sucesso os ensaios de fase 3 e, no final de 2023, foi aprovado para uso na União Europeia, Suíça e Japão. A eficácia do medicamento é consistente em todas as idades, sexo, frequência de tosse e gravidade. Embora o antagonismo dos receptores heterotrímeros P2X2/3 também resulte em disgeusia, os efeitos colaterais do gefapixant são, em sua maioria, leves em gravidade, reversíveis com a descontinuação e, em geral, toleráveis, levando à descontinuação do tratamento em 22,1%, em comparação com 5,7% com placebo em 52 semanas em ensaios clínicos. Outros antagonistas, atualmente em ensaios de fase 3, são mais seletivos para o receptor P2X3 e estão associados a menos distúrbios de paladar (disgeusia)15. Outros antagonistas dos receptores P2X3 mais seletivos em estudo são eliapixant, filapixant e camlipixant28.

Neuromoduladores

A maioria dos pacientes com tosse crônica refratária se beneficia com o uso de neuromoduladores, entretanto, taquifilaxia e dependência podem ocorrer, e os pacientes devem ser monitorados quanto a estas complicações34.

Sulfato de morfina em dose baixa

Estudos utilizando 5 mg e 10 mg de sulfato de morfina de liberação lenta mostraram que aproximadamente 60% dos pacientes com tosse crônica refratária obtiveram boa resposta clínica, entretanto, os efeitos colaterais foram frequentes, sendo que 40% apresentaram constipação. A morfina é principalmente um agonista de receptor opioide e atua nas vias inibitórias centrais da tosse. A principal preocupação sobre o uso de morfina em baixas doses tem sido o potencial de dependência e abuso. Alguns países não recomendam a sua utilização para tratamento de tosse crônica34.

Amitriptilina

É um antidepressivo tricíclico e inibidor de recap-tação de serotonina. Pode ser um tratamento para tosse crônica refratária eficaz e bem tolerada em curto e longo prazo, em adultos. A amitriptilina reduziu a frequência e a gravidade da tosse, e melhorou a qualidade de vida em pacientes com tosse crônica refratária. Reduzir a dose e reiniciar são frequentemente necessários. Estudos maiores e ensaios clínicos randomizados são necessários para entender melhor os resultados do uso da amitriptilina para tratar a tosse idiopática35,36.

Gabapentina

É um análogo estrutural lipofílico do neurotrans-missor ácido gama-aminobutírico (GABA). A gabapen-tima é um modulador de canal de cálcio que apresenta ação em ambas as vias nervosas do reflexo da tosse, central e periférica. Pode também modular canais TRP, receptores NMDA, proteína C quinase e citocinas inflamatórias; também pode reduzir os níveis de TNF-a e IL-6 na medula espinhal de ratos e tem um efeito dose-dependente. A gabapentina pode reduzir a sensibilidade periférica do reflexo da tosse, modulando canais TRP periféricos e fatores inflamatórios em locais relacionados à tosse28,37.

A eficácia da gabapentina para o tratamento do paciente com tosse crônica refratária foi investigada através de estudos randomizados e placebo-controlados. Os pacientes que receberam a gabapentina apresentaram melhora da qualidade de vida. A ação nos receptores centrais está associada a efeitos colaterais, incluindo sedação e instabilidade. Eventos adversos graves descritos na literatura incluem rabdomiólise e insuficiência renal aguda em paciente diabético. Também apresenta o potencial para dependência28,35.

Pregabalina

A pregabalina tem uma estrutura semelhante à gabapentina. A pregabalina atua nos canais de cálcio no sistema nervoso central levando à diminuição da liberação de neurotransmissores como glutamato, noradrenalina e substância P. Estudos mostraram melhora no escore de hipersensibilidade laríngea, porém, os efeitos colaterais são elevados e incluem visão turva, alterações cognitivas, tontura e ganho de peso28,35.

Baclofeno

É um agonista do receptor do GABA. Inibe a liberação de substância P e interage com serotonina, dopamina e outros neurotransmissores. O baclofeno inibe a tosse induzida pela capsaicina, entretanto, estudos mostraram que o baclofeno foi muito benéfico no tratamento da DRGE refratária e na tosse crônica consequente à DRGE. O reflexo vasovagal relaxa o esfíncter inferior do esôfago (EIE) e predispõe ao refluxo ácido. A baixa pressão basal do EIE e ensaios clínicos mostraram um efeito significante do baclofeno no EIE e no relaxamento transitório do EIE, embora alguns autores não tenham encontrado esse resultado. Efeitos colaterais do SNC podem incluir tontura, sonolência, astenia, náusea. Esses efeitos são dose-dependente e relacionados à ação farmacológica de ligação aos receptores pré-sinápticos GABA no tronco cerebral e outras partes do SNC, ao mesmo tempo em que reduz a liberação de neurotransmissores excitatórios38,39.

 

Conclusão

A tosse crônica está rapidamente sendo reconhecida como uma entidade única, podendo ou não estar associada a outras comorbidades, como asma, rinossinusite e/ou doença do refluxo gastroesofágico. O maior conhecimento sobre os receptores da tosse e a nova valorização do reflexo da tosse levaram ao novo paradigma de diagnóstico, investigação e tratamento da tosse crônica. Além disso, novas terapias seguras e eficazes estão sendo desenvolvidas, tendo como alvo principal os receptores periféricos da tosse, onde, provavelmente, a hipersensibilidade ao reflexo da tosse se inicia.

 

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