Asma e DPOC: duas faces de um mesmo dado?
Asthma and COPD: two faces sides of the same dice?
Hisbello S. Campos
Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro, RJ
Endereço para correspondência:
Hisbello da Silva Campos
E-mail: hisbello@globo.com
Submetido em: 09/03/2018
Aceito em: 09/07/2018
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
RESUMO
Os imbricados processos patogênicos da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) têm mecanismos comuns que envolvem redes genéticas, subclasses de linfócitos, diversas citocinas e quimiocinas, gerando comportamento alterado de todas as células estruturais e funcionais do trato respiratório. Uma parte das centenas de genes que vêm sendo implicados na patogenia da asma e da DPOC é comum às duas. Aparentemente, eles formam uma grande rede, e sua ação conjunta está associada às alterações presentes nas duas disfunções respiratórias. Dado que parte da base genética e muitos processos inflamatórios são comuns às duas doenças, pode-se supor que elas componham uma única entidade, que pode se apresentar de diversas formas.
Descritores: Asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, genética da asma e DPOC.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, a asma era considerada uma doença alérgica na qual a exposição a ácaros, poeira doméstica e outros alérgenos desencadeava sintomas (asma extrínseca). Também havia outra forma da mesma doença, sem conotação atópica, na qual os sintomas eram consequentes a fatores não alérgicos, como mudanças climáticas, fármacos, exercício e distúrbios emocionais, dentre outros (asma intrínseca). Na medida em que novos conhecimentos acerca dos mecanismos etiopatogênicos foram sendo agregados, a asma deixou de ser vista de forma simplista. Atualmente, não mais é considerada uma doença, mas uma síndrome; não compromete apenas o brônquio, mas todo o pulmão. Os rótulos de asma
extrínseca e asma intrínseca foram deixados de lado e os pacientes são classificados em fenótipos de acordo com as diferentes apresentações clínicas e fatores envolvidos. Recentemente, surge o conceito de endotipos, que classifica os pacientes de acordo com o mecanismo causal da disfunção. A partir daí, em vez da padronização terapêutica, preconiza-se sua personalização, determinando os alvos terapêuticos potenciais baseados no endotipo.
O panorama da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) também vem mudando. Não mais é considerada uma síndrome heterogênea que inclui dois grupos de pacientes: um, com predominância de destruição do parênquima (enfisema), e outro cujo comprometimento principal está situado nas vias aéreas (bronquite crônica). O reconhecimento da variedade de apresentações clínicas levou às diferentes categorizações dos pacientes (fenótipos)1. A DPOC deixou de ser vista como um problema exclusivamente pulmonar, causado pelo tabagismo ou pela inalação de poluentes atmosféricos, e passou a ser considerada uma doença sistêmica, que compromete estruturas extrapulmonares, e que tem outros fatores causais.
Tanto a asma como a DPOC são caracterizadas pela inflamação crônica e remodelamento da via aérea. Algumas formas clínicas da asma, como a “asma grave” e a “asma resistente ao corticosteroide”, têm apresentações clínicas e desfechos terapêuticos semelhantes aos da DPOC. Por outro lado, alguns portadores de DPOC comportam-se como asmáticos e respondem favoravelmente ao uso regular de corticosteroides inalatórios. A hiper-responsividade brônquica (HRB) era um atributo exclusivo da asma. Hoje, sabe-se que ela pode existir na DPOC2. A infiltração neutrofílica das vias aéreas era considerada um atributo da DPOC, enquanto a eosinofílica distinguia a asma. Entretanto, 40% dos asmáticos, particularmente os mais graves, têm predominância de neutrófilos nas vias aéreas3, e 25-30% dos portadores de DPOC têm predominância de eosinófilos4,5. Frequentemente, quando há sobreposição de sintomas e/ou de características clínicas da asma e da DPOC, diagnostica-se a coexistência de ambas no mesmo indivíduo, ou é aplicado o rótulo de “síndrome de overlap entre asma e DPOC” 6. Entretanto, nada impede que o paciente em questão represente outra apresentação do distúrbio obstrutivo crônico das vias aéreas, diferente daquilo que é rotulado como asma, ou como DPOC.
Inegavelmente, há diferenças marcantes nos processos inflamatórios identificados nos dois agravos. Porém, ambas compartilham mecanismos patogênicos nos quais as alterações genéticas, células e citocinas envolvidas são as mesmas7. Possivelmente, a coexistência de semelhanças e diferenças significa que ambas possam ser variações genéticas de um mesmo problema. A hipótese de uma base patogenética única, lançada no início da década passada (Hipótese holandesa), propunha que a asma e a hiperresponsividade brônquica (HRB) predispunham para o desenvolvimento posterior da DPOC, e que a asma e a DPOC eram expressões distintas de uma única doença8. As diferenças nas apresentações estariam baseadas no momento das influências ambientais e epigenéticas sobre uma base genômica comum9. Será que asma e DPOC são expressões diferentes de um mesmo agravo?
AS BASES GENÉTICAS DA ASMA E DA DPOC
A base genética da asma e da DPOC fica patente quando são focados o traço familiar evidente da asma e a proporção elevada de pessoas fumantes e/ou expostas a produtos da queima de biomassa que não desenvolvem DPOC. O estudo dos fatores genéticos envolvidos na patogenia de ambas revela associações genéticas comuns10, justificando tantas semelhanças entre elas. Apontando para uma possível base comum, asma grave na infância aumenta 32 vezes o risco para DPOC11. Como outro exemplo, os genes: ADRB2, GSTM1, GSTP1, IL13, TGFB1, TNF, ADAM33, CCL5 E IL17F estão envolvidos na patogenia de ambas9. Se considerada a variedade de processos patogênicos identificados, provavelmente outros genes estão envolvidos. Possivelmente, as variações genéticas responsáveis funcionam de modo articulado, de forma que nenhum gene isolado possa representar risco único. Estudo sistemático avaliando o conceito de uma rede genética configurando uma unidade funcional responsável pelo risco da doença utilizando o Ingenuity Pathway Analysis (IPA), software para desvendar como os genes identificados interagem entre si e com outras proteínas celulares, identificou 12 redes na asma e 11 na DPOC, que geravam uma grande rede, na qual 229 genes eram comuns a ambas as doenças, 190 eram únicos na asma, e 91 na DPOC. Dentre as redes associadas a esses grupos de genes, cinco estavam significativamente associadas ao risco de asma e DPOC. A identificação de processos diferentes presentes em ambas as enfermidades, mas relacionados a um grupo determinado de genes é um fato que sugere que a asma e a DPOC tenham bases genéticas comuns.
ASPECTOS COMUNS NA PATOGENIA
Inegavelmente, cada uma possui fatores de risco particulares, mas compartilham mecanismos etiopatogênicos comuns. Asma e DPOC resultam de predisposição genética, e muitas das alterações cromossômicas identificadas são iguais em ambas. Além dos genes, exposições maternas durante a gravidez, infecções respiratórias na infância e fatores dietéticos modulam o risco de ambas13-15. Como um exemplo de fatores comuns envolvidos nas alterações patológicas de ambos pode-se citar a caveolina-1 (Cav-1), a principal proteína presente nas invaginações da membrana plasmática celular, conhecidas como caveolae. A Cav-1 é expressa em células residentes e inflamatórias envolvidas na patogenia da asma e da DPOC. Dentre o grande repertório de funções identificadas para a Cav-1 sobre a barreira epitelial e homeostasia, destacam-se a inflamação, fibrose, contratilidade da musculatura lisa, regulação da apoptose e envelhecimento pulmonar16. Mais ainda, mecanismos imunes inatos e adquiridos idênticos são importantes na patogenia das duas, como será comentado a seguir.
Asma e DPOC: doenças imunológicas
Alguns dos mecanismos imunomodulados envolvidos na patogenia de ambas por vezes se confundem17,18. Células do epitélio brônquico, células dendríticas (CD) e macrófagos têm papel importante na patogenia da asma e da DPOC, recrutando neutrófilos, células diretamente correlacionadas com a gravidade de ambas. Enzimas liberadas pelos neutrófilos (elastase neutrofílica e outras) são corresponsáveis por parte das lesões anatomopatológicas encontradas em ambas. O comportamento alterado do conjunto celular atraído e ativado no trato respiratório passa a compor círculos viciosos modulados por diferentes quimiocinas e citocinas e envolvendo diferentes classes de linfócitos T e células killer, com amplificação e perpetuação do recrutamento e ativação do processo inflamatório pulmonar, tanto na DCPO, como nas formas graves de asma. Nesse processo, destaca-se a ação dos Toll-like receptors (TLR), componentes importantes do sistema imune inato implicados na participação dos neutrófilos na patogenia de ambas19-21.
Além dos processos inflamatórios capitaneados pelo linfócito Th2, característicos da asma atópica, há outros, orquestrados por linfócitos Th1, Th9, Th17 e reguladores (Treg), presentes no trato respiratório de asmáticos e de portadores de DPOC22. A polarização Th1 tanto é observada em pacientes com formas não alérgicas de asma, como na DPOC23. O linfócito Th9 está fortemente associado com a acumulação de mastócitos nas vias aéreas, HRB e metaplasia de células caliciformes, contribuindo para a cronificação da disfunção24. O linfócito Th17, responsável pelo recrutamento de neutrófilos, é um exemplo de fator comum na patogenia da asma grave e da DPOC. Além de seu papel gerador de inflamação, o Th17 também está relacionado com o remodelamento das vias aéreas, presente na asma e na DPOC25. Na asma, os linfócitos Treg inibem as respostas Th2, antagonizando a inflamação alérgica do trato respiratório e o remodelamento26. Na DPOC, contribuem para a disfunção da célula T efetora27.
Células T também são recrutadas no pulmão pela ação de quimiocinas liberadas por macrófagos e por CD28. Dentre as diferentes classes de linfócitos T envolvidas na patogenia da DPOC, o linfócito T-CD8 vem crescendo de importância, dada sua correlação com a gravidade da doença obstrutiva respiratória através de seus papéis imunoregulador e citotóxico21,29. Além de seu potencial lesivo, através de mediadores como as perforinas e granzinas, os linfócitos T-CD8 liberam citocinas Th1, como TNF-α, interferon-gama (IFN-γ) e IL-8, contribuindo ainda mais com a patogenia da DPOC e das formas graves da asma30. Os linfócitos T com marcadores de natural killer (NKT e iNKT) aliam-se a outras células killer naturais (NK) no recrutamento de células inflamatórias para o pulmão31. Tanto na asma como na DPOC, os linfócitos T CD4 (Th1 e Th17, entre outros) produzem citocinas (IFN-γ, por exemplo) e quimiocinas (CXCL1, CXCL8, CXCL9, CXCL10, entre outras) indutoras de lesão pulmonar e promotoras de recrutamento de células inflamatórias28,32. O linfócito Th17 é um bom exemplo de fator comum na patogenia da asma grave e da DPOC. Além de contribuir para os processos inflamatórios e de remodelamento, recruta e ativa neutrófilos e macrófagos, mecanismo patogênico comum às duas25. Outro exemplo de mecanismo inflamatório comum envolve a ação da IL-6. Assim como outras citocinas inflamatórias, era vista como um produto da continuidade do processo inflamatório pulmonar. Entretanto, evidências recentes indicam que ela tem papel importante na patogênese da asma e da DPOC33.
Inflamação brônquica como resultado do dano no DNA
A integridade do DNA genômico do homem é constantemente ameaçada por fatores endógenos e exógenos, como por exemplo: radicais livres e outros compostos reativos produzidos nas reações metabólicas, erros na replicação e recombinação do DNA, radiações ionizantes ambientais, e produtos químicos. A resposta do DNA a esses danos (DNA damage response – DDR) é vista como uma das causas de apoptose e de senescência celular, assim como fator de carcinogênese34. Recentemente, a DDR também tem sido vista como fonte de inflamação crônica35. Os níveis de lesão do DNA estão correlacionados aos graus da inflamação tanto na asma como na DPOC. Assim como a inflamação alérgica lesa o DNA e participa da gênese da asma, o tabagismo também gera alterações do DNA que poderiam aumentar a susceptibilidade para DPOC36. A ativação da poli(ADP-ribose) polimerase-1(PARP-1), enzima nuclear que age como sensor da lesão do DNA, está ligada à patogenia da asma e da DPOC. Sua ativação depleta os estoques celulares de dinucleotídeo adenina nicotinamida (NAD) e trifosfato de adenosina (ATP), gerando citotoxicidade e morte celular. Outra proteína da família das PARP, a PARP-14, também está relacionada à asma. Seu papel promovendo a mudança transcricional através do transdutor de sinal e ativador de transcrição 6 (STAT6) está relacionada à ativação Th2. Ainda na asma, aparentemente, a expressão da p21waf (um inibidor de quinase ciclina dependente) está aumentada e associada à proliferação e sobrevivência celular, afetando a DDR e contribuindo para a inflamação e remodelamento brônquico38.
MicroRNA
Há pouco mais de uma década, um novo personagem vem sendo inserido na patogenia de algumas doenças respiratórias, o microRNA (miRNA). Essas pequenas moléculas de RNA não codificadoras são uma classe de reguladores pós-transcricionais que interferem em todos os processos celulares. Fundamentalmente, são repressores da expressão genética, agindo na etapa pós-transcricional, degradando o RNA mensageiro (mRNA), ou inibindo sua tradução39. A capacidade de o miRNA influenciar a expressão de grande parte do genoma explica seu envolvimento na patogenia de múltiplas doenças, incluindo a asma e a DPOC40-42. Seu papel direcionando a diferenciação das subclasses de linfócitos T e subsequentes processos biológicos ainda carece de esclarecimento, mas provavelmente representa um elo comum na patogênese da asma e da DPOC.
Infecções respiratórias
O pulmão é dotado de uma série de mecanismos de controle da inflamação. A exposição frequente do trato respiratório a microrganismos e poluentes atmosféricos gera respostas imunes que normalmente protegeriam o organismo humano. Entretanto, num pulmão geneticamente predisposto para asma ou para DPOC invadido por patógenos ou por determinadas partículas não infecciosas, essas respostas perdem o controle e causam lesões teciduais que podem levar a doenças respiratórias agudas e crônicas. Diferenças na ativação do inflamasoma, complexo proteico intracelular que regula a maturação e liberação de citocinas pró-inflamatórias em resposta a patógenos e sinais de perigo endógenos, têm papel chave na patogênese de doenças respiratórias como a asma, a DPOC e a fibrose pulmonar43. Possivelmente, as alterações genéticas presentes na asma e na DPOC modulam as diferenças observadas na ativação dos inflamasoma, fator comum aos dois agravos44. Outro traço comum na patogenia de ambas diz respeito às respostas imunes inatas contra infecções virais do trato respiratório na infância. Essas respostas são iniciadas com o reconhecimento dos diferentes microrganismos através da identificação de moléculas exclusivas (padrão molecular associado ao patógeno – PAMP). O reconhecimento é feito através de receptores de reconhecimento de padrão (PRR) expressos nos macrófagos alveolares, células dendríticas e células epiteliais. A ativação dos PRRs é feita pelos PAMPs e por moléculas endógenas intracelulares específicas, liberadas após a lesão celular. Essas moléculas, chamadas padrão molecular associado à lesão (DAMP), incluem o ácido úrico e o ATP. O reconhecimento dos PAMPs e DAMPs pelos PRRs é um passo crucial na mediação das respostas inflamatórias às infecções, aos alérgenos ou a inalação de poluentes estéreis45. Alterações nesse processo levam ao recrutamento de mastócitos, eosinófilos, macrófagos e neutrófilos, e consequente liberação de quantidades elevadas de citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas, amplificando os processos inflamatórios presentes na asma e na DPOC46. Especificamente nas infecções respiratórias virais, as respostas imunes inatas incluem um processo inflamatório granulocítico que amplifica a inflamação brônquica. Tanto na asma como na DPOC, as alterações na resposta imune contra os vírus tornam o trato respiratório susceptível a infecções virais repetidas, acelerando o declínio da função pulmonar47.
Envelhecimento pulmonar
Tradicionalmente, a aceleração do envelhecimento pulmonar e um mecanismo de reparo anormal direcionado pelo estresse oxidativo era ligado apenas à DPOC48. Nela, a senescência celular estaria envolvida na patogenia, modulando o remodelamento da vasculatura e do parênquima pulmonar49. Entretanto, evidências crescentes indicam que parte dos processos envolvidos na maior velocidade de perda da função pulmonar têm início mesmo antes do nascimento (tabagismo dos pais) e no início da infância (exposição à fumaça do tabaco e poluentes aéreos, asma e infecções respiratórias). Os fatores pré-natais podem causar mudanças estruturais no pulmão em desenvolvimento, levando ao baixo peso ao nascer, prematuridade e respostas imunes alteradas. O modo de nascer (normal ou cesáreo), exposições microbianas e sensibilizações atópicas múltiplas precoces também influenciam a velocidade de queda da função pulmonar na DPOC50.
Ao mesmo tempo, há fatores comuns envolvidos na perda funcional acelerada tanto na asma como na DPOC, como, por exemplo, a associação de polimorfismos genéticos (sete variantes de três genes: DPP10, NPSR1 e ADAM33) com queda acelerada da função pulmonar51. As mudanças do sistema imune consequentes ao processo de envelhecimento também afetam as células T, particularmente as células T CD8+, T CD4+, Th17 e Treg, personagens centrais nos processos inflamatórios do trato respiratório presentes na asma52 e na DPOC53. Na DPOC, por exemplo, a célula T CD4+ CD28-, cujo número aumenta com a idade, está correlacionada ao comprometimento da função pulmonar e aos níveis de perforinas e granzima B. Aparentemente, as células Th17 e Treg têm papel de destaque nas alterações relacionadas ao envelhecimento, estimulando e inibindo o processo inflamatório, por mecanismos semelhantes tanto na asma como na DPOC54.
Fatores dietéticos
Outra perspectiva que revela traços comuns na etiopatogenia da asma e da DPOC é dada por estudos sobre o valor de nutrientes na gênese de ambas. Há evidências epidemiológicas e estudos observacionais indicando relação entre ingestão de determinados micronutrientes e níveis de função pulmonar. Por exemplo, as vitaminas E, D, C e A, assim como carotenos, estão positivamente associados ao volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1). Por outro lado, dietas ricas em alimentos refinados estão associadas à aceleração do declínio do VEF1 ao longo do tempo55. Estudos sugerem que a ingestão de frutas, peixes e outros nutrientes protegeria contra a DPOC56,57. A discussão sobre o valor da vitamina D na patogenia de uma ampla gama de doenças pulmonares (asma, DPOC, infecções bacterianas e neoplasias) é um tópico que vem ganhando destaque na literatura58. Acredita-se que as ações da vitamina D sobre as respostas imunes inatas e adaptivas, modulando os linfócitos regulatórios, estejam envolvidas na associação entre essa vitamina e as doenças referidas acima59. Entretanto, esse tema ainda é motivo de divergência. Não está claro se a deficiência da vitamina D está associada à patogênese, a exacerbações dos sintomas ou mesmo se é apenas um marcador indireto60. Demonstrando a divergência reinante sobre o valor da vitamina D, um estudo com portadores de DPOC indicou que o nível dessa vitamina não poderia ser usado como biomarcador na DPOC grave61. Outro, procurando avaliar se a deficiência de vitamina D estaria relacionada ao desenvolvimento e deterioração da DPOC, ou apenas consequência, examinou os registros de 12.041 pacientes e conclui haver associação entre os níveis da vitamina e a gravidade, mas não com a instalação da doença62. Numa revisão sistemática e metanálise sobre a associação entre deficiência/insuficiência de vitamina D com a asma e a DPOC, concluiu-se que a deficiência era prevalente em asmáticos, os níveis da vitamina D estavam associados à função pulmonar, e que não se poderia afirmar haver associação entre a DPOC e a deficiência da vitamina D63. Com relação à asma, foram demonstradas associações variáveis, com diferentes polimorfismos genéticos associados ao receptor da vitamina D, exemplificando a complexidade da base genética das doenças obstrutivas respiratórias64.
Finalizando, num cenário em que há tantas semelhanças entre os dois agravos, tornando possível supor que sejam apresentações distintas de um mesmo problema, um aspecto, aparentemente, diz respeito apenas à DPOC: o de doença sistêmica. Enquanto não há indícios de que a asma inclua manifestações extrapulmonares, na DPOC isso ocorre. As manifestações sistêmicas da DPOC resultam de diferentes mecanismos que, certamente, se somam: alterações imunes, tabagismo, envelhecimento, inatividade física e transbordamento de mediadores inflamatórios do território pulmonar para a circulação sistêmica65. Os efeitos extrapulmonares dos mediadores inflamatórios – caquexia, disfunção da musculatura esquelética, osteoporose, depressão, anemia, doença cardiovascular, doença metabólica, entre outros – tornam difícil distinguir comorbidades das manifestações sistêmicas da DPOC. Independentemente dessa distinção, os problemas extrapulmonares associados à DPOC são frequentes, e significam causa importante de morbidade e mortalidade66. Revisão bibliográfica procurando identificar as comorbidades mais frequentes apontou ansiedade/depressão, falência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, hipertensão pulmonar, síndrome metabólica, diabetes, osteoporose e refluxo gastresofagiano como as mais frequentes67. A presença de comorbidades afeta negativamente a qualidade de vida (QV) e o estado de saúde autorreportado em portadores de DPOC. Análise sobre essa perspectiva do doente, analisando 41.658 indivíduos entre 2001 e 2008, demonstrou que para cada comorbidade adicional, a chance de relato de piora da saúde aumentava 43%68. Resta comprovar, no entanto, se a ausência de comprometimento pulmonar na asma reflete apenas diferenças na carga genética de ambas.
Concluindo, tanto na asma como na DPOC, as disfunções identificadas são resultados da interação entre predisposição genética, inúmeros fatores de diferentes origens, e mediadas por citocinas e quimiocinas. Sabe-se que mais de uma centena de genes estão envolvidos nas disfunções presentes na asma e na DPOC, e que parte deles são comuns às duas. Possivelmente, esses genes atuam sob a forma de uma rede, com contribuições individuais, mas onde nenhum pode ser responsabilizado como único responsável. A complexidade dessa rede pode ser a origem das semelhanças e diferenças observadas na patogenia de ambas, na interação com diferentes fatores, nas apresentações clínicas e nas respostas terapêuticas observadas. Essa rede pode, também, ser a causa básica das disfunções respiratórias obstrutivas crônicas, configurando uma única entidade determinante do grande número de fenótipos e endotipos da asma e da DPOC.
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