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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2018 - Volume 2  - Número 3


Editorial

Alergia alimentar: uma visão brasileira

Food allergy: a Brazilian perspective

Renata Rodrigues Cocco


DOI: 10.5935/2526-5393.20180035

Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo




A participação dos alimentos em reações imunológicas é fato constatado e de representatividade crescente nos consultórios brasileiros. Novas manifestações clínicas surpreendem profissionais experientes no assunto; diferentes fenótipos da doença, retardo na aquisição de tolerância oral e a identificação de um número cada vez maior de alérgenos são continuamente descritos.

Simultaneamente, encontra-se robusta dificuldade em se estabelecer com precisão o diagnóstico das alergias a alimentos. A mimetização de sintomas comuns em uma vasta gama de reações adversas a alimentos implica em restrição dietética desnecessária e estigmatizante. Os exames laboratoriais isolados apresentam baixo poder de acurácia, e o teste de provocação oral, único método capaz de discernir a presença ou ausência de alergia, ainda é pouco utilizado na prática clínica geral

Seguindo a tendência mundial de que alergias alimentares representam uma “nova era” entre as doenças alérgicas1, as iniciativas para identificação do perfil de pacientes brasileiros alérgicos a alimentos vêm aumentando sobremaneira. Os diferentes hábitos, alimentação, clima, fatores genéticos e condições socioeconômicas refletem em respostas imunológicas, etiologia, história natural e manejo particulares, não necessariamente comparáveis à população de outras regiões geográficas.

Recente estudo multicêntrico brasileiro observou aumento na sensibilização a alimentos como leite, amendoim e milho nos últimos 12 anos2. Se por um lado a sensibilização é um indicativo de maior probabilidade de reações clínicas, por outro não define a prevalência de alergias alimentares.

Senna et al.3 demonstraram, por meio de testes de provocação oral duplo-cego e controlados por placebo, um dado inédito entre os estudos brasileiros de prevalência de alergia alimentar. Duzentas e trinta e quatro crianças com suspeita de alergia a algum alimento foram submetidas ao teste durante um período de 8 anos, e apenas 12,8% apresentaram resultados positivos. A primeira análise deste resultado aponta para a supervalorização de sintomas e sua relação com alergia.

A grande maioria dos pacientes com resultados positivos (86,6%) apresentava leite e/ou ovo como fatores causais, o que corrobora com os estudos de sensibilização nacional de alimentos (PROAL II2). Pacientes com dermatite atópica demonstraram maior chance de reação com alimentos, enquanto a presença isolada de asma não se mostrou parâmetro suficiente para restrições dietéticas.

Outro achado bastante relevante do estudo foi a dissociação entre resultados positivos dos testes laboratoriais (IgE específica) e a positividade do padrão ouro (teste de provocação oral). Apenas 13,5% dos pacientes com IgE específica positiva apresentaram sintomas durante o teste oral. Paralelamente, a ausência de IgE para as proteínas alimentares testadas mostrou especificidade próxima a 100% entre os pacientes sem alergia alimentar.

Apesar da dificuldade de realização dos testes de provocação oral na prática clínica, é notória a discrepância entre a história clínica, ainda que associada a testes laboratoriais, e a real prevalência da doença. Visto que a restrição dietética é a forma de manejo para o paciente alérgico, restrições desnecessárias podem comprometer de forma importante o desenvolvimento e impor limitações sociais marcantes. Diversos estudos sobre qualidade de vida do paciente com alergia alimentar apontam para um impacto bastante negativo. Neste contexto, Mendonça e colaboradores4 validaram recentemente dois questionários para avaliação de qualidade de vida, adaptados de forma transcultural para a população brasileira. O primeiro deles se relaciona às questões da saúde de crianças com alergia alimentar; o segundo, de seus pais.

Sumariamente, a alergia a alimentos é uma doença em evolução, e o tratamento definitivo ainda está distante de ser alcançado. À semelhança da tendência mundial, o Brasil parece refletir o aumento das alergias alimentares, mas estudos nacionais como os citados neste texto são fundamentais para que criemos nossa própria identidade no âmbito das doenças alérgicas.

 

REFERÊNCIAS

1. Prescott S, Allen KJ. Food allergy: riding the second wave of the allergy epidemic. Pediatr Allergy Immunol. 2011;22(2):155-60.

2. Aranda CS, Cocco RR, Pierotti FF, Mallozi MC, Franco JM, Porto A, et al. Increased sensitization to several allergens over a 12-year period in Brazilian children. Pediatr Allergy Immunol. 2018;29(3):321-4.

3. Senna SN, Scalco MF, Azalim SO, Guimaraes LL, Rocha Filho W. Achados epidemiológicos de alergia alimentar em crianças brasileiras: análise de 234 testes de provocação duplo-cego placebo-controlado (TPDCPC). Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(3):344-50.

4. Mendonça RB, Sarni ROS, Len C, Solé D. Tradução para o português (cultura brasileira) e adaptação cultural de questionários para avaliação da qualidade de vida de crianças com alergia alimentar e de seus pais. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(3):364-72.

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