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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Novembro-Dezembro 2014 - Volume 2  - Número 6


Artigo Original

Atendimento a pacientes com anafilaxia: conhecendo as principais condutas médicas nos setores de urgência e emergência dos hospitais da cidade de Maceió, Alagoas

Assistance to patients with anaphylaxis: learning about the main medical procedures performed at hospital-based emergency departments in the city of Maceió, state of Alagoas

Társis Padula dos Santos1; Giuliano Rodrigues Freire de Almeida1; Lucas Correia Lins1; Iramirton Figuerêdo Moreira2


1. Estudante de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL
2. MD, MSc. Faculdade de Medicina, UFAL, Maceió, AL


Endereço para correspondência:

Társis Padula dos Santos
E-mail: t_ralf5@hotmail.com


Submetido em: 06/08/2014.
Aceito em: 07/08/2015.
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.

RESUMO

OBJETIVO: Verificar o conhecimento e conduta de médicos clínicos e pediatras frente ao atendimento de casos de anafilaxia em setores de urgência e emergência da cidade de Maceió, Alagoas.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo epidemiológico observacional transversal, em que foi aplicado questionário a médicos clínicos e pediatras de hospitais público e privados, dos setores de urgência e emergência da cidade de Maceió, Alagoas.
RESULTADOS: Participaram do estudo 95 médicos, dos quais 54,7% já atenderam um caso de anafilaxia. Dos entrevistados, 76,9% indicaram a atençao à respiraçao, ventilaçao e circulaçao como medida inicial. A adrenalina foi indicada como primeira droga a ser administrada no manejo da anafilaxia por 78,9%, e entre eles a via de administraçao subcutânea foi escolhida por 52% dos participantes. O conhecimento sobre a reaçao bifásica foi identificado em 46,3% dos médicos, e o glucagon foi citado por 3,15% dos médicos como fármaco alternativo no manejo de pacientes em uso contínuo de betabloqueador, refratários ao tratamento habitual.
CONCLUSOES: Médicos que atendem nos setores de urgência e emergência possuem conhecimentos para o manejo inicial da anafilaxia, mas há a necessidade de educaçao continuada sobre condutas médicas frente à anafilaxia para uma melhor abordagem, por ser uma condiçao clinica de extrema gravidade e que exige atendimento rápido e adequado.

Descritores: Anafilaxia, conhecimento, assistência médica.




INTRODUÇAO

A anafilaxia é definida pela World Allergy Organization como uma reaçao alérgica grave, podendo ser desencadeada por mecanismos imunológicos, pela liberaçao de mediadores inflamatórios a partir de mastócitos e basófilos, frequentemente mediada por IgE ou outros mecanismos1-3.

As reaçoes anafiláticas IgE-mediadas dependem de uma sensibilizaçao prévia por alérgenos, como venenos de insetos, alimentos, látex, medicamentos e imunizaçoes, com a produçao de IgE específica para cada alérgeno2-5. Nas manifestaçoes clínicas observam-se comprometimento de pele, prurido, urticária e angioedema, além de edema laríngeo, hipotensao, broncoespasmo, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia e/ou efeitos cardíacos diretos, incluindo arritmias, nos casos mais graves6.

O diagnóstico é baseado em manifestaçoes clínicas, testes cutâneos de leitura imediata e dosagens de anticorpos IgE. Por ser uma condiçao de desenvolvimento rápido, o diagnóstico clinico é primordial, baseado no acometimento de dois ou mais sistemas, de início rápido após exposiçao a fatores desencadeantes da reaçao imunológica6.

No tratamento da anafilaxia há a abordagem inicial, complementar e profilática. A abordagem inicial deve começar com a rápida avaliaçao do nível de consciência do paciente, manutençao de vias aéreas pérvias e de acesso venoso calibroso, além de monitoramento cardíaco. O uso de adrenalina é imediato, sendo essa a droga de primeira linha7-10. O tratamento complementar inclui o uso de anti-histamínicos que contribuem para reduçao da urticária, do angioedema e do prurido. Corticosteroides também sao indicados para reduzir reaçoes tardias e anafilaxia prolongada11; e o glucagon é usado em pacientes em uso de betabloqueador adrenérgico com hipotensao e bradicardia refratárias à adrenalina3,5.

A incidência e prevalência nao sao bem conhecidas, devido à subnotificaçao e ao subdiagnóstico. Apesar disso, este nao é um quadro raro, e a taxa de ocorrência é crescente, principalmente nas duas primeiras décadas de vida12. Em estudo realizado a partir de recursos do Rochester Epidemiology Project, a taxa de incidência dobrou em 10 anos, sendo de 21 a cada 100.000 pessoas em 1980, aumentando para 49,8 a cada 100.000 pessoas em 1990. Fatores como idade e sexo influenciam na alteraçao da taxa de ocorrência da anafilaxia, onde a incidência nos indivíduos entre 0 a 19 anos é de aproximadamente 70 a cada 100.000 pessoas; quanto ao sexo, o masculino é mais acometido até os 15 anos de idade13. Outros fatores associados a uma alta incidência da anafilaxia sao: alimentos, mais frequentes nas crianças, adolescentes e adultos jovens; ferroada de inseto, mais verificados em adultos de meia idade e idosos que sao mais vulneráveis; e medicamentos, mais relacionados a pessoas acima de 8 anos5,10,14.

Com base no exposto, este estudo buscou verificar o conhecimento e a conduta médica frente a casos de anafilaxia nos setores de urgência e emergência dos hospitais da cidade de Maceió, Alagoas.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo epidemiológico observacional, transversal, que permitiu abranger toda a populaçao de médicos clínicos e pediatras que atendem nos setores de urgência e emergência de hospitais públicos e privados da cidade de Maceió-AL, no período de maio a agosto de 2013.

Foram identificados 160 profissionais médicos, distribuídos entre 4 hospitais privados e 1 público, dos quais 95 aceitaram participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e preenchimento de formulários compostos de questoes objetivas e discursivas referentes ao conhecimento sobre anafilaxia, como atendimento inicial, droga de primeira escolha e sua via de administraçao, medicamentos complementares e sobre reaçao bifásica. Esses formulários foram entregues devidamente envelopados pelo pesquisador aos participantes, a quem cabia acenar o momento oportuno. Foi solicitado aos participantes que nao comentassem com outros colegas sobre o conteúdo do formulário a fim de preservar a coleta livre de desvios.

Foi produzido um banco de dados no software Epi-Info 3.5.3 para as análises estatísticas, utilizando um intervalo de confiança de 95%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Alagoas, protocolo de número 010186/2011-17.

 

RESULTADOS

Noventa e cinco médicos preencheram o formulário, o que representou 59,3% de participaçao. Destes, 51,6% eram pediatras e 48,4% clínicos.

Do total de participantes, 54,7% já atenderam pelo menos um caso de anafilaxia, sendo que 5 (9,6%) presenciaram algum óbito após o manejo clínico (p = 0,07; teste de Fisher). A atençao às vias aéreas foi a mais referenciada durante o atendimento nao farmacológico, representando 97,9% das respostas.

No manejo farmacológico, a droga de primeira escolha mais citada foi a adrenalina, sendo referenciada por 78,9% participantes, seguida do corticosteroide, referida por 17,9% profissionais. A escolha pelo uso da adrenalina foi mais frequente entre os pediatras, comparada à primeira escolha medicamentosa entre clínicos (p = 2,78; teste do Qui-quadrado), como pode ser observado na Tabela 1. A via de administraçao de primeira escolha mais citada para a adrenalina foi a subcutânea, representando 52% das respostas, seguida da intramuscular e endovenosa, como descrito na Tabela 2.

 

 

 

 

Como segundo medicamento a ser utilizado no tratamento da anafilaxia, foram dadas aos entrevistados as seguintes opçoes: corticosteroide, anti-histamínico, beta-2 agonista e aminofilina. A aminofilina foi relatada como medicamento a ser usado por 6,4% dos médicos, dados descritos na Tabela 3.

 

 

Em relaçao aos pacientes em uso crônico de betabloqueadores e refratários ao tratamento de anafilaxia, 30,5% dos médicos responderam que existia outro medicamento a ser utilizado; dentre estes, 10,3% responderam corretamente, identificando o glucagon como a droga apropriada.

Sobre a reaçao bifásica, 61,1% já ouviu falar no termo, e 75,9 % destes souberam responder corretamente que há recorrência do quadro clínico em algumas horas após a abordagem terapêutica. Para essas variáveis nao houve significância estatística (p = 0,94; teste do Qui-quadrado).

 

DISCUSSAO

Apesar de ser uma condiçao pouco comum nas emergências, o reconhecimento e o adequado manejo de uma reaçao anafilática é essencial por ser uma condiçao potencialmente fatal. Quando analisamos a conduta nao farmacológica desse quadro, a atençao às vias aéreas é primordial para a estabilizaçao do paciente. No presente estudo, as respostas dos participantes apresentaram-se de acordo com as diretrizes, corroborando com estudo realizado por Fonseca et al., em que a atençao ao aparelho respiratório foi mais frequentemente relatada16.

A adrenalina foi o principal fármaco citado, seguido do corticosteroide, dado que corrobora com os resultados encontrados em estudo realizado em Petrópolis, RJ11,16. No presente estudo, os pediatras foram os que mais referiram o uso da adrenalina, no entanto nao se evidenciam na literatura registros desta natureza. Tal achado caracteriza-se como lacuna, necessitando de uma investigaçao mais específica. A conduta farmacológica na anafilaxia pode variar dependendo do grau desta afecçao1,7, sendo a adrenalina o medicamento de escolha nesses casos1,3,8,17. A via de administraçao indicada com maior frequência para a adrenalina foi a subcutânea (52%), seguida da intramuscular (32%), resultado equivalente ao levantamento realizado com médicos que atendem em serviços de urgência e emergência de hospitais do Estado do Rio de Janeiro, onde a via subcutânea foi a mais prevalente (75,8%) e a via intramuscular só foi utilizada por 6% dos médicos pesquisados. Ambos divergem da recomendaçao do uso preferencial da via intramuscular para o manejo da anafilaxia16. A via intramuscular (músculo vasto lateral) é preconizada por ser uma via de fácil acesso, rápida absorçao e que minimiza os efeitos adversos, reservando a via endovenosa para casos com resposta inadequada a via intramuscular ou anafilaxia em atos operatórios, sempre com monitorizaçao cardíaca8-11.

No presente estudo, a aminofilina foi indicada como um fármaco a ser utilizado em última opçao, estando de acordo com o preconizado atualmente16. Dentre os medicamentos utilizados, a aminofilina vem sendo evitada ou usada apenas como último recurso16. A dificuldade em seu uso é determinada pela alta toxicidade, pelo seu baixo índice terapêutico, além de ter efeito arritmogênico7,12,16.

A prevalência do uso crônico de betabloqueadores vem crescendo na populaçao mundial, associada a comorbidades como a hipertensao arterial sistêmica e a insuficiência cardíaca. O uso crônico deste medicamento pode ser responsável pela refratariedade ao uso da adrenalina na anafilaxia15,16. Nestes casos, o glucagon é o medicamento de escolha, pois seus efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos independem dos receptores beta-adrenérgicos, revertendo os graves sintomas da reaçao anafilática, como hipotensao e o broncoespasmo15,16. No presente estudo, apenas 10,6% dos médicos relataram glucagon frente a esta situaçao.

A reaçao bifásica da anafilaxia corresponde ao recrudescimento dos sintomas sem nova exposiçao ao alérgeno em até 72 horas, sendo mais comum nas primeiras 8 horas, observando maior risco nos pacientes conduzidos de forma inadequada, ou com história anterior de reaçao bifásica16. Dessa forma, sempre deve ser indicada a observaçao dos pacientes após iniciada a conduta por no mínimo 6 horas, dependendo da gravidade do quadro, e no momento da alta, informar ao paciente a possibilidade do reaparecimento dos sintomas16. Neste contexto, 53,7% dos médicos nao souberam responder o que é reaçao bifásica, e dentre estes, alguns nao a conheciam por essa nomenclatura, mas sabiam do risco de recrudescimento da anafilaxia16.

Neste sentido, podemos concluir que os médicos que atuam em urgência e emergência dos hospitais de Maceió possuem conhecimentos para o manejo inicial, mas há a necessidade de educaçao continuada sobre condutas médicas frente à anafilaxia para uma melhor abordagem, por ser uma condiçao clinica de extrema gravidade e que exige atendimento rápido e adequado.

 

AGRADECIMENTOS

A Universidade Federal de Alagoas, seu corpo docente, direçao e administraçao que oportunizaram o desenvolvimento desse trabalho.

A Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Hospital Arthur Ramos, Hospital Geral do Estado de Alagoas, Hospital Maceió, Pediatria 24 horas e Hospital Unimed Maceió, e seus profissionais que acreditaram no valor do projeto e contribuíram para sua realizaçao.

Aos voluntários que se dispuseram participar da pesquisa.

 

REFERENCIAS

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