Teste de triagem de oportunidade nos Erros Inatos da Imunidade: o que é a globulina calculada?
Opportunity screening for inborn errors of immunity: what is calculated globulin?
Cristina Frias-Sartorelli Toledo Piza; Carolina Sanchez Aranda Lago; Maria Cândida Faria Varanda Rizzo; Ligia Maria de Oliveira Machado; Celso José Medanha da Silva; Dirceu Solé
Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia - Departamento de Pediatria - São Paulo, SP, Brasil
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.
Prezado Editor,
Estima-se que mais de 100 consultas são necessárias para que pacientes com Erros Inatos da Imunidade (EII), anteriormente denominados imunodeficiências primárias, sejam diagnosticados1. Esse atraso compromete o paciente de maneira importante.Em geral, o paciente ao ser diagnosticado com EII apresenta sequelas que poderiam ser evitadas com o reconhecimento mais precoce.
Alguns exames laboratoriais estão relacionados às imunodeficiências e podem ajudar na identificação de pacientes que possam apresentar um EII não suspeitado. Diante desse cenário, os testes de triagem de oportunidade oferecem um alerta inestimável para diminuir o atraso diagnóstico de EII2.
A imunoglobulina G (IgG) tem papel crucial no diagnóstico de muitos EII, e níveis diminutos da mesma impactam em diferentes testes laboratoriais de rotina médica, como na eletroforese de proteínas e na mensuração das proteínas totais e suas frações.
Define-se globulina calculada (GC) como a diferença entre proteínas totais e albumina séricas, e se encontra reduzida em pacientes com deficiência quantitativa de anticorpos primária ou secundária3.
Estudos recentes em diferentes populações têm demonstrado que GC pode ser utilizada como um método de baixo custo para a triagem de deficiência quantitativa de anticorpos em adultos, uma vez que mostra boa correlação com os valores de IgG sérica. Jolles e cols.3 descreveram a GC como um método de triagem no País de Gales, com utilização do método Architect Biuret para cálculo de proteína total e o método bromocresol verde para a albumina.
O valor de corte definido para a GC foi menor que 18 g/L, com sensibilidade de 0,82 e especificidade de 0,71 para IgG inferior a 3 g/L (ou 300 mg/dL).
Yegit e cols. utilizaram resultados automatizados de GC e eletroforese de proteínas em pacientes atendidos em um hospital terciário por motivos diversos. Foram selecionados 550 pacientes pelos níveis de GC entre 15 g/L e 25 g/L. O valor de corte da GC para prever pacientes com IgG inferior a 6 g/L (ou 600 mg/dL) foi determinado como abaixo de 20 g/L, com sensibilidade de 83,8% e especificidade de 74,9%4.
Em nossos estudos, utilizando a eletroforese de proteínas, foram avaliados 886 adultos e 1.215 crianças e adolescentes, atendidos em dois serviços de alergia e imunologia. Em adultos, para a detecção de hipogamaglobulinemia, i.e. níveis de IgG abaixo do valor de referência (6 g/L), o valor de corte GC de 24 g/L mostrou sensibilidade de 86,2% e especificidade de 92%5.
Em crianças e adolescentes, a sensibilidade e a especificidade da GC em detectar níveis de IgG abaixo daqueles de referência, para todos os pacientes, foi de 93,1% e 81,8% respectivamente. Os valores de corte de GC para a detecção de hipogamaglobulinemia foram determinados para pacientes com idade de 1 a 17 anos e variaram de acordo com a faixa etária estudada de 23,1 g/L (1-3 anos) a 24,8 g/L (4-9 anos). A acurácia desse teste não pôde ser comprovada em crianças com idade inferior a 1 ano6.
Na prática clínica, a mensuração de proteínas totais e frações é um teste simples e amplamente utilizado para investigação de anormalidades das proteínas séricas na pediatria geral, clínica médica e em diversas especialidades como gastrenterologia, reumatologia, nefrologia, pneumologia, onco-hematologia e medicina intensiva7-9. Ademais, a gravidade das doenças é um alerta para possíveis casos de imunodeficiência10.
De maneira geral, os valores obtidos da GC fornecem dados relevantes sobre a imunidade humoral, uma vez que essas frações são compostas na maioria por IgG11,12.
Estratégias para implementação de triagem de oportunidadedevem serincentivadasecoordenadasemserviços públicos e privados. A ferramenta "globulina calculada - GC" é fácil de ser obtida e pode ser facilmente instalada nos laboratórios de análise clínica. O reconhecimento de indivíduos que apresentem GC diminuída amplia a possibilidade de diagnósticos de EII e outras causas de hipogamaglobulinemias, como as secundárias às perdas e ao uso de medicações pela sua relação estreita com o resultado de IgG sérica, além de ser mais um método de identificação em serviços médicos que não dispõem de medidas de imunoglobulinas.
Referências
1. Routes J, Costa-Carvalho B, Grimbacher B, Paris K, Ochs HD, Filipovich A, et al. Heath- Related Quality of Life and Health Resource Utilization in Patients with Primary immunodeficiency Disease Prior to and Following 12 Months of Immunoglobulin G Treatment. J Clin Immunol. 2016;36(5):450-61.
2. Holding S, Khan S, Sewell WAC, Jolles S, Dore PC. Using calculated globulin fraction to reduce diagnostic delay in primary and secondary hypogammaglobulinaemias: results of a demonstration project. Ann Clin Biochem. 2015;52(Pt 3):319-26.
3. Jolles S, Borrell R, Zouwail S, Heaps A, Sharp H, Moody M, et al. Calculated globulin (CG) as a screening test for antibody deficiency. Clin Exp Immunol. 2014 Sep;177(3):671-8.
4. Yegit OO, Karadag P, Eyice D, Oztop N, Beyaz S, Tüzer ÖC, et al. Calculated Globulin Is Clinically Useful as a Screening Test for Antibody Deficiency in Turkish Adult Patients. Int Arch Allergy Immunol. 2023;184(8):822-31.
5. Toledo Piza CFS, Aranda CS, Solé D, Jolles S, Condino-Neto A. Screening for Antibody Deficiencies in Adults by Serum Electrophoresis and Calculated Globin. J Clin Immunol. 2023;43(8):1873-80.
6. Piza CFST, Aranda CS, Solé D, Jolles S, Condino-Neto A. Serum protein electrophoresis may be used as a screening tool for antibody deficiency in children and adolescents. Front Immunol. 2021;12:3332.
7. Arnold DF, Wiggins J, Cunningham-Rundles C, Misbah SA, Chapel HM. Granulomatous disease: distinguishing primary antibody disease from sarcoidosis. Clin Immunol. 2008;128(1):18-22.
8. Estévez Del Toro M, Varela Ceballos I, Chico Capote A, Kokuina E, Sánchez Bruzón Y, Casas Figueredo N. Predictive factors for the development of lupus nephritis after diagnosis of systemic lupus erythematosus. Reumatol Clin (Engl Ed). 2022 Nov;18(9):513-7. doi: 10.1016/j.reumae.2021.08.003.
9. Sampaio LR, Silva MCM, Oliveira NA, Souza CLS. Avaliação bioquímica do estado nutricional. In: Sampaio LR. Org Avaliação nutricional [online]. Salvador: EDUFBA, 2012, pp 49-72. ISBN 789-85-232-1874-4.
10. Lehman H, Hernandez-Trujillo V, Ballow M. Diagnosing primary immunodeficiency: a practice approach for the non-immunologist. Curr Med Res Opin. 2015 Apr;31(4):697-706.
11. Lee AYS, Cassar PM, Johnston AM, Adelstein S. Clinical use and interpretation of serum protein electrophoresis and adjunct assays. Br J Hosp Med (Lond). 2017;78(2):C18-C20.
12. Vavricka SR, Burri E, Beglinger C, Degen L, Manz M. Serum protein electrophoresis: an underused but very useful test. Digestion. 2009;79(4):203-10.