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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Janeiro-Março 2024 - Volume 8  - Número 1


Artigo de Revisão

Síndrome da urticária de contato - uma revisão

Contact urticaria syndrome - a review

Sérgio Duarte Dortas Junior1,2; Solange Oliveira Rodrigues Valle1


1. Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF-UFRJ), Serviço de Imunologia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/UNIFASE), Departamento de Clínica Médica - Petrópolis, RJ, Brasil


Endereço para correspondência:

Sergio Duarte Dortas-Junior
E-mail: sdortasjr@medicina.ufrj.br


Submetido em: 20/03/2024
Aceito em: 24/03/2024.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

A síndrome da urticária de contato (SUC), a urticária de contato (UCO) e a dermatite de contato por proteínas (DCP) são entidades descritas sob o rótulo de reações cutâneas imediatas por contato. Geralmente as urticas surgem 20-30 minutos após a exposição por contato com uma substância, e desaparecem por completo em algumas horas, sem deixar lesão residual.Entretanto, a SUC pode apresentar sintomas generalizados graves. Estima-se uma prevalência, entre trabalhadores europeus, entre 5-10%, enquanto na população geral estima-se de que seja de 1-3%. Os mecanismos envolvidos na patogênese da SUC não foram totalmente elucidados. Uma abordagem inicial, para melhorar a sua compreensão, pode ser dividir esta condição em urticária não imunológica (UCNI) e imunológica (UCI). A primeira não necessita de sensibilização prévia ao alérgeno, enquanto a segunda necessita. O diagnóstico da SUC necessita de uma anamnese detalhada e exame físico seguido de teste cutâneo com as substâncias suspeitas. O afastamento do agente desencadeante é o melhor tratamento. Para isso é necessário o diagnóstico apropriado e precoce, a confecção de relatórios ocupacionais e o desenvolvimento de medidas preventivas.

Descritores: Urticária crônica, urticária crônica induzida, angioedema, dermatite, dermatite ocupacional.




Introdução

A síndrome da urticária de contato (SUC), a urticária de contato (UCO) e a dermatite de contato por proteínas (DCP) são entidades descritas sob o rótulo de reações cutâneas imediatas por contato1. As três condições surgem dentro de poucos minutos após o contato com o agente desencadeante que penetra através da pele ou mucosas1. Desde a sua descrição por Maibach & Johnson, em 1975, evidências crescentes têm mostrado múltiplos fatores desencadeantes e quadros clínicos variados. Os agentes desencadeantes podem ser substâncias químicas, alimentos, conservantes, perfumes, metais, produtos animais e vegetais2-4. Geralmente as urticas surgem 20-30 minutos após a exposição por contato com uma substância, e desaparecem por completo em algumas horas, sem deixar lesão residual. Entretanto, a SUC pode apresentar sintomas generalizados graves2,4. A DCP foi definida, por Hjorth & Roed-Petersen, com uma dermatite imediata induzida após o contato com proteínas (carne, peixe, vegetais,...)5. O prognóstico geralmente é favorável, apesar de existirem relatos de sintomas graves4,6. Deste modo, a detecção precoce e a prevenção são essenciais no manejo destas condições.

Acredita-se que a SUC seja subdiagnosticada e/ou diagnosticada inadequadamente7. Daí a importância de disseminar o conhecimento desta condição entre alergoimunologistas, dermatologistas e médicos do trabalho1,7.

 

Epidemiologia

Dados precisos sobre a prevalência da SUC são inexistentes. Estima-se uma prevalência, entre trabalhadores europeus, entre 5-10%; enquanto na população geral seja de 1-3%4.

O Registro Finlandês de Doenças Profissionais identificou que a UCO era a segunda doença ocupacional cutânea mais comum (29,5%) depois da dermatite de contato (DCO). Os três agentes desencadeantes mais comuns, relatados neste registro, foram pelos de vaca, farinha e grãos, além do látex8. Em um estudo australiano, as três profissões mais frequentemente comprometidas foram profissionais de saúde, manipuladores de alimentos e cabeleireiros, devido ao látex, produtos alimentares e persulfato de amônio, respectivamente1. Na Alemanha, os desencadeantes mais comuns foram, respectivamente, cosméticos e látex10.

Os relatos de SUC aumentaram nos últimos anos devido ao uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e álcool em gel em decorrência da pandemia da COVID-19. O uso de produtos legais de Cannabis levou a um aumento nos casos ocupacionais de UCO à Cannabis4,11.

 

Patogênese

Os mecanismos envolvidos na patogênese da SUC não foram totalmente elucidados. Uma abordagem inicial, para melhorar a sua compreensão, pode ser dividir esta condição em urticária não imunológica (UCNI) e imunológica (UCI). A primeira não necessita de sensibilização prévia ao alérgeno, enquanto a segunda necessita12.

A UCI é uma reação de hipersensibilidade tipo I que ocorre em pacientes com IgE específica contra um agente específico. Assim, a UCI necessita de sensibilização prévia e, somente após contato repetido com o agente culpado, os pacientes apresentarão sintomas. A confirmação deste mecanismo é evidenciada quando são realizados testes cutâneos, pois testes positivos são observados nos pacientes comprometidos e são negativos nos controles. A UCI pode ser causada por dois tipos de agentes. O primeiro grupo inclui proteínas de alto peso molecular (10.000 kD ou mais), enquanto o segundo inclui haptenos químicos de baixo peso molecular (menos de 10 kD)4. Uma classificação dos agentes que causam UCI foi proposta e pode ser encontrada na Tabela 1.

 

 

O principal exemplo de UCI é o látex. Esta reação pode variar desde urtica até anafilaxia. Treze proteínas alergênicas diferentes foram descritas, denominadas heveína (Hev) b1 a b137. A alergia ao látex tem implicações mais amplas para os pacientes, uma vez que os pacientes alérgicos ao látex apresentam alto grau de reatividade cruzada com outros antígenos, particularmente presentes em frutas (banana, kiwi, abacate, castanha), às vezes referida como "síndrome látex-fruta"13. Os corantes vegetais (henna, cassia e indigo), normalmente usados em forma de pó, são causas potenciais de UCI em cabeleireiros. Além destes, os corantes capilares oxidativos são causas possíveis de UCI em cabelereiros, especialmente por conter parafenilenodiamina (PPD) e seus derivados14-16.

A UCNI parece ser mais frequente que a UCI, porém sem a presença de sintomas sistêmicos. Dentre as substâncias que podem induzir UCNI, merecem destaque o cinamaldeído, o ácido benzóico, o ácido sórbico e os ésteres do ácido nicotínico4,7. Dez por cento dos cabelereiros avaliados em um estudo recente relataram UCO por tintas "loiras" para cabelo17.

Acredita-se que a patogênese da DCP seja uma coexistência de reações de hipersensibilidade do tipo I e IV contra proteínas, normalmente com alto peso molecular ou mesmo haptenos de baixo peso molecular, como descrito para UCI. Diversos alimentos, como frutas, vegetais, carnes e frutos do mar ou proteínas não alimentares foram relatados como responsáveis pela DCP18.

 

Manifestações clínicas

Os sintomas da SUC são determinados pela natureza da exposição (forma, duração e extensão), propriedades do alérgeno e suscetibilidade do indivíduo7.

A UCO ocorre principalmente em 10-30 minutos após o contato da pele com o agente desencadeante e desaparece em minutos ou horas (< 24 horas). Compromete áreas do corpo que estão em contato com o agente desencadeante, normalmente áreas expostas7. UCO de início tardio foi ocasionalmente descrita após aplicações repetidas da substância desencadeante19. Os pacientes apresentam urticas, raramente angioedema, associado a prurido, ardência, sensação de queimação e/ou dor no local do contato com o agente desencadeante. O aspecto clínico das lesões primárias não difere dos demais tipos de urticária7.

Proteínas voláteis (por exemplo, farinha) podem causar conjuntivite, rinite ou asma se houver contato com a mucosa conjuntival ou com o trato respiratório. Sintomas sistêmicos como dor abdominal, coceira oral após ingestão (síndrome de alergia oral) e diarreia podem ocorrer se houver contato com a mucosa do trato gastrointestinal7. A síndrome de alergia oral (SAO) é uma forma de urticária de contato que ocorre minutos após a ingestão e se apresenta como coceira, queimação e inchaço dos lábios, língua, céu da boca ou garganta, e está particularmente ligada à hipersensibilidade a frutas frescas7,20.

Um sistema de estadiamento foi descrito por Amin & Maibach, em 199721, conforme descrito a seguir.

Apenas reação cutânea (estágios 1 e 2)

Estágio 1: urtica localizada, eczema, sintomas inespecíficos (prurido, formigamento, queimação).

Estágio 2: urticas generalizadas.

Reações extracutâneas (estágios 3 e 4)

Estágio 3: asma (sibilância), rinite, conjuntivite (coriza, lacrimejamento), sintomas orolaríngeos (edema labial, rouquidão, disfagia), sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarreia, cólica).

Estágio 4: reações anafiláticas (choque).

 

Diagnóstico

O diagnóstico da SUC necessita de uma anamnese detalhada e exame físico, seguidos de teste cutâneo com as substâncias suspeitas. Na anamnese também é de extrema importância incluir a história e hábitos ocupacionais. O exame físico é importante para avaliar a natureza das lesões (se presentes). Técnicas in vitro estão disponíveis para alguns alérgenos, como por exemplo, para a alergia ao látex, que pode ser investigada com o uso do teste de liberação de histamina de basófilos (BAT), RAST, ELISA e IgE para componentes da borracha natural22.

A investigação com procedimentos in vivo deve ser realizada com cautela, uma vez que sintomas sistêmicos graves raramente foram descritos após o teste4. Uma ordem sequencial para procedimentos de testes cutâneos foi proposta, como apresentado na Figura 1.

 


Figura 1
Avaliação in vivo da síndrome da urticária de contato
Modificado de França AT & Dortas Junior SD23.

 

É importante salientar que o diagnóstico de PCD ocorre com o uso do teste de puntura, pois os testes de contato (patch test) raramente são positivos24.

Muitos casos do dia a dia necessitam de uma abordagem diferencial que pode incluir outros testes, como teste de contato (patch test) e teste de contato com fotossensibilização (photo patch test)25.

 

Tratamento

O tratamento da SUC depende da identificação e consequente afastamento do agente causal. Além disso, terapias que evitem a liberação de mediadores de mastócitos e possivelmente outros mediadores podem suprimir os sintomas. Os anti-histamínicos de segunda geração são as drogas de escolha para o tratamento da urticária26. Antes de considerar o uso de tratamentos alternativos, altas doses de antihistamínicos devem ser utilizadas. Quando o eczema está presente, a imunomodulação tópica pode ser utilizada com esteroides tópicos e/ou inibidores da calcineurina (tacrolimus e pimecrolimus). Nos casos graves de SUC pode ser necessário um curso curto de corticosteroides orais4,23.

Vale ressaltar que nos casos de UCNI os anti-histamínicos não são eficazes. Nestes casos, sugere-se o uso de anti-inflamatórios não esteroidais e AAS23.

 

Conclusões

A SUC representa um desafio importante, pois sua relevância ocupacional deve ser considerada, porém poucos países o fizeram. Esta pode se apresentar como urticária e/ou dermatite. A identificação da SUC requer um alto nível de suspeita clínica, história ocupacional detalhada, exame físico e testes complementares (por exemplo, testes de puntura). O látex, cosméticos, plantas, vegetais e alimentos são os agentes mais comuns. O afastamento do agente desencadeante é o melhor tratamento. Para isso é necessário o diagnóstico apropriado e precoce, confecção de relatórios ocupacionais e o desenvolvimento de medidas preventivas.

 

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