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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2023 - Volume 7  - Número 2


Artigo de Revisão

Distúrbios do olfato, uma revisão narrativa do diagnóstico ao tratamento

Olfactory dysfunction: a narrative review from diagnosis to treatment

Laís Lourenção Garcia da Cunha; Sarah Aguiar Nunes; Adriana Pitchon; Andressa Mariane da Silva; Jorge Kalil; Clóvis Eduardo Santos Galvão; Fábio Fernandes Morato Castro


DOI: 10.5935/2526-5393.20230021

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Laís Lourenção Garcia da Cunha
E-mail: laislgc@gmail.com


Submetido em: 27/09/2022
Aceito em: 07/03/2023

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

Os distúrbios do olfato (DO) impactam de forma significativa na qualidade de vida dos indivíduos, e o conhecimento teórico a respeito do assunto deve ser de domínio dos alergologistas e imunologistas clínicos, possibilitando, assim, o seu diagnóstico e implementação de intervenções. Suas causas podem ser variadas, entre elas estão: rinite alérgica, rinossinusite crônica com ou sem pólipos, infecções de vias aéreas superiores, exposição a substâncias químicas, doenças neurológicas, drogas, traumas e o próprio envelhecimento. O olfato pode ser avaliado e mensurado através de testes com metodologias diferentes, cujo objetivo é avaliar parâmetros como a identificação de odores, limiar e discriminação olfativa. Esses testes são de fundamental importância para caracterizar objetivamente a queixa do paciente, como também avaliar o olfato antes e após determinada aplicação terapêutica. O tratamento das desordens olfativas é baseado em sua etiologia, portanto determinar a sua causa é indispensável para uma melhor eficácia no manejo. Entre as principais opções estão os corticoides tópicos, com impacto significativo nos pacientes com doença sinusal associada, treinamento olfatório e outras intervenções como ômega 3, vitamina A intranasal, e terapias que ainda requerem mais estudos.

Descritores: Rinite, transtornos do olfato, sinusite, anosmia, COVID-19.




Introdução

Durante a pandemia de SARS-CoV-2, observou-se como sintoma frequente dessa doença o distúrbio olfatório e gustativo. Cerca de 30% dos infectados apresentou algum nível de déficit do olfato1,2. Dessa forma, um sintoma até então pouco valorizado, ganhou evidência tanto em estudos clínicos, como no dia a dia dos consultórios médicos.

Dentre as diferentes e importantes funções do olfato no ser humano, ele desempenha grande papel social, sendo responsável por prover informações acerca do meio em que estamos envolvidos. A diminuição ou ausência de olfato interfere de forma significativa em vários aspectos pessoais e sociais, com consequente queda da qualidade de vida. Como exemplos, podemos citar: a alteração do paladar, perda do prazer ao comer, perda de peso, ingestão de alimentos deteriorados, dificuldade em reconhecer a inalação de substâncias químicas tóxicas, e até mesmo interferir nas relações interpessoais3,4.

Dentre as afecções nasossinusais mais comuns atendidas para o especialista em alergologia e imunologia clínica está a rinite alérgica (RA), afetando cerca de 10 a 25% da população mundial. Apesar dos sintomas mais comuns, como obstrução nasal, rinorreia, espirros e prurido serem bem reconhecidos e abordados na prática clínica, os distúrbios do olfato (DO) e do paladar também podem estar presentes nesses pacientes, em uma prevalência estimada em 23% e 31%5,6.

Dessa maneira, o objetivo desse artigo é revisar a fisiopatologia do olfato, causas, ferramentas diagnósticas e tratamentos dos distúrbios olfativos.

 

Métodos

Trata-se de uma revisão narrativa de literatura. Foi realizada entre os meses de maio a agosto de 2022 uma pesquisa por estudos que abrangessem os seguintes descritores em ciências da saúde (DeCS): rinite, sinusite, COVID-19, transtornos do olfato, sinusite e anosmia, nas seguintes bases eletrônicas: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Foram incluídos artigos disponibilizados na íntegra, nos últimos 20 anos (2002 a 2022), excetuando apenas dois artigos publicados em 1982 e 1997, nos idiomas português, inglês e espanhol. Os títulos e resumos das publicações foram revisados e analisados, sendo incluídos preferencialmente revisões sistemáticas, metanálises e estudos randomizados e controlados. Após leitura dos resumos, 45 estudos foram elegíveis e lidos na íntegra e analisados de acordo com o objetivo de realizar uma revisão narrativa sobre disfunções olfatórias, desses, 35 foram utilizados para elaboração do texto. Foi utilizado também um capítulo de livro relacionado ao tema.

 

Fisiopatologia

A função olfatória adequada depende de vários fatores, como o estímulo apropriado aos receptores presentes na mucosa nasal, sua transmissão neural, recepção e processamento da informação pelo bulbo olfatório, córtex olfatório e componentes do sistema límbico7.

A mucosa olfatória é localizada na região superior da cavidade nasal, revestindo parte do septo, placa cribriforme e corneto superior, medindo cerca de 2 cm2 e usualmente recoberta por muco. O epitélio pseudoestratificado colunar é formado por quatro tipos celulares principais4,7,8, conforme descrito a seguir.

- Neurônios sensoriais olfatórios (NOS): células bipolares que comunicam a superfície epitelial com o bulbo olfatório.

- Células de sustentação: responsáveis por fornecer suporte para os neurônios sensoriais e por processos de desintoxicação e fagocitose de substâncias às quais o epitélio olfatório é exposto.

- Células da camada basal: pequenas células responsáveis por manter o equilíbrio entre a apoptose e a neogênese por meio da sua diferenciação para substituir os NOS ou células de sustentação injuriadas.

- Células microvilares: função ainda desconhecida.

O caminho percorrido pelo estímulo gerado pelo odor faz parte do paleocórtex, a parte mais antiga do cérebro, desencadeando emoções e gerando memórias. A percepção olfatória é influenciada pela emoção, sendo que os odores desagradáveis, em uma forma de provocar o sentido de "alerta/perigo", são percebidos mais rapidamente do que os agradáveis, gerando, inclusive, aceleração da frequência cardíaca4.

 

Distúrbios do olfato

Os distúrbios do olfato podem ser divididos em distúrbios quantitativos e qualitativos.

Os quantitativos são a hiposmia, caracterizada pela redução da função olfatória, e a anosmia, que é a sua ausência. Os distúrbios qualitativos, por sua vez, são subdivididos em parosmia, que é a distorção da percepção de um odor na presença do mesmo, e em fantosmia, que é a percepção de um odor na ausência de uma fonte de odor (Tabela 1)4.

 

 

Causas de disfunção do olfato

A exposição a substâncias químicas, à poluição, doenças neurológicas, drogas, traumas, envelhecimento e distúrbios nutricionais podem ser causas de desordens do olfato (Tabela 2). No entanto, dois terços das DO são causadas por infecções do trato respiratório superior ou doenças dos seios paranasais.

 

 

Rinite

Atualmente, pouco se sabe sobre as alterações do olfato na rinite, em especial na rinite alérgica (RA). Admite-se que seja um mecanismo misto envolvendo alterações inflamatórias e físicas9.

Dentre as alterações inflamatórias, Guilemany e cols. identificaram a presença de dois importantes marcadores: eosinofilia periférica e proteína catiônica eosinofílica (ECP) na mucosa nasal. Além disso, esse estudo mostrou correlação entre o olfato e a persistência da exposição ao alérgeno: na rinite alérgica perene, na qual há contínua exposição aos ácaros, ocorreria a hiposmia também contínua; enquanto que nos pacientes com rinite alérgica sazonal, no caso do estudo ao pólen, ocorreria a hiposmia apenas durante a exposição natural aos polens.

A justificativa para essa notável observação seria a de que a fase tardia da reação alérgica é caracterizada pela presença de granulócitos eosinofílicos, alterações humorais e celulares na mucosa nasal, e foi mais observada em pacientes com rinite alérgica perene do que na rinite sazonal. Devido a essa inflamação crônica, infere-se que haja uma redução do fluxo de informações nos receptores olfativos, e consequentemente um prejuízo na detecção do olfato. Sendo assim, o tipo de exposição ao alérgeno e a duração da inflamação desencadeiam diferentes mecanismos de DO1. Passali FM e cols., além de reforçarem esse mecanismo, correlacionaram a presença de DO à maior gravidade na rinite alérgica do que em outras rinites não alérgicas9,10.

Outro estudo analisou o epitélio da mucosa nasal de camundongos com rinite alérgica sensibilizados a fungos e expostos cronicamente a esse alérgeno. Observou-se um afinamento importante do epitélio olfativo, além da presença de marcadores apoptóticos e numerosos infiltrados eosinofílicos. Especula-se que a morte celular é mediada pelos marcadores de Necrose Tumoral (TNF) e Interferon, com base na mesma fisiopatologia da asma. Nesse modelo, o aumento do TNF esteve associado diretamente com a apoptose neuronal olfativa11.

Além disso, acredita-se que o mecanismo físico também desempenhe um importante papel, visto que a obstrução nasal contribui para o bloqueio no transporte de partículas de odor para o epitélio olfatório9. A obstrução nasal ocorre principalmente pela hipertrofia da mucosa dos cornetos inferiores, médios e/ou superiores, ou por meio da formação de pólipos em decorrência de um processo degenerativo provocados pela RA mal controlada12.

Rinossinusite crônica

A rinossinusite crônica (RSC) é caracterizada como inflamação da mucosa e dos seios paranasais por mais de 12 semanas, e está presente em 10% dos adultos na Europa e Estados Unidos (EUA). No Brasil, há uma prevalência de 5,5%.

A sintomatologia se manifesta por meio de dor facial, secreção nasal, congestão, hiposmia ou anosmia. A alteração do olfato é encontrada em 30,0-78,2% dos pacientes, variando de acordo com a idade, sexo ou presença de pólipos13.

Existem dois principais fenótipos dessa doença: a rinossinusite com polipose nasal (RSCcPN), e sem polipose nasal (RSCsPN)13.

A fisiopatologia da RSC vai muito além do prejuízo na ventilação e drenagem das cavidades sinusais. Atualmente, existe um conceito direcionado para imunologia da mucosa nasossinusal e o desvio para assinaturas inflamatórias (tipo 1, 2 e/ou 3), nas quais cada uma determinará o endótipo da RSC, assim como a gravidade da doença, prognóstico e resposta ao tratamento13.

Em estudo realizado por Soler ZM e cols., avaliouse a presença de proteínas inflamatórias coletadas no muco da fenda olfativa em pacientes com RSCcPN e RSCsPN. A alteração do olfato nesses pacientes foi documentada por meio do método Sniffin's Sticks test. Não foi observada diferença entre os grupos RSCcPN e RSCsPN em relação aos fatores de risco que interferem no olfato (idade, sexo, asma, rinite alérgica, diabetes mellitus, depressão e tabagismo), porém foi observada relação inversa entre a medição objetiva do olfato e as quimiocinas: CCL2 e CCL3, citocinas: IL5, IL6, IL13, IL10, IL9 e IL23 e IgE total. Ao contrário desse cenário, níveis elevados de VEGF-A e CXCL5 foram associados à melhor desempenho olfativo. Todas essas proteínas estavam aumentadas numa maior frequência no grupo com RSCcPN, exceto a VEGF-A14. Isso justificaria porque pacientes com RSCcPN apresentam pior desempenho do olfato.

Além da análise histológica, esse estudo também correlacionou o grau de opacificação da fossa olfatória na tomografia computadorizada e observou-se que quanto maior o grau de opacificação, maior a presença das proteínas prejudiciais ao olfato14. Além disso, sabe-se que a RSCcPN possui o agravante da obstrução mecânica do epitélio olfativo pela presença de pólipos, e dessa forma, os pacientes apresentam significativo comprometimento do olfato, se comparados com os pacientes com RSCsPN. E, dentre o grupo das RSCcPN, destaca-se a doença respiratória exacerbada por aspirina (DREA), na qual o comprometimento do olfato ocorre em uma frequência de até 72%, com importante impacto na qualidade de vida14.

Infecções das vias aéreas superiores

Responsável por 18-45% dos casos de disfunção olfatória, pode ocorrer de forma insidiosa e mais frequente em mulheres, na faixa etária dos 40-50 anos, após infecções por vírus respiratórios como rinovírus, adenovírus, coronavírus e outros. Geralmente, os sintomas melhoram espontaneamente até o terceiro mês após a infecção15.

A pandemia de COVID-19 trouxe um aumento do número de casos e ressaltou a importância dessa causa. Especula-se que no ano de 2020, 35-85% dos pacientes com COVID-19 apresentaram disfunção do olfato, e destes, 10-17% não melhoraram espontaneamente. Os pacientes apresentavam início súbito e alteração do paladar/gustação, diferentemente das DO causadas por outros vírus15. O mecanismo de ação ainda é incerto, envolvendo aspectos físicos, o edema da mucosa e presença de muco reduzindo a chegada das partículas odoríferas até a fenda olfatória. Além disso, o aspecto inflamatório da infecção por SARS-CoV-2, a liberação de mediadores como TNF-alfa, IL1-alfa e IL1-beta, o neurotropismo e acometimento das células de sustentação do epitélio olfativo, podem também justificar a súbita evolução clínica e pior prognóstico do SARS-CoV-2 frente a outros vírus respiratórios15,16.

Traumas

Pode corresponder a 8-20% das causas e estão relacionados principalmente ao impacto posterior nos traumas cranianos. A perda do olfato geralmente ocorre imediatamente, no entanto alguns pacientes podem levar meses para perceber. A hiposmia ocorre mais em lesões frontais, enquanto a anosmia está cinco vezes mais relacionada à lesão occipital. Além disso, sabe-se que a discriminação do odor pode estar mais prejudicada do que a identificação do odor2.

Toxinas/drogas inalatórias

Medicações e drogas como anfetaminas, antibióticos e anti-hipertensivos podem afetar o olfato de forma reversível ou persistente. A exposição a gases tóxicos como nicotina, monóxido de carbono, solventes, metais pesados podem levar a DO em 2-6%. Essa exposição pode estar relacionada ao ambiente de trabalho, configurando uma doença ocupacional, devendo ser reforçado uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e monitorado através de testes de olfato2.

Síndromes

Correspondem a uma pequena parcela dos casos, em até 4%. A síndrome de Kallmann é a mais conhecida e apresenta clínica de hipogonadismo hipogonadotrófico, infertilidade e hiposmia/anosmia2.

Envelhecimento

Sabe-se que o limiar olfativo reduz progressivamente com o envelhecimento, e isso pode afetar diretamente a nutrição dos idosos, ao reduzir prazer ao se alimentar. Pode contribuir também para a redução de cognição, e ser o primeiro sintoma de síndromes demenciais como o Alzheimer e o Parkinson17.

Tumores e neoplasias

Tumores como meningioma da goteira olfatória, estesioneuroblastoma e hamartoma, assim como di-versos outros, podem estar relacionados à disfunção olfatória e necessitam avaliação através de exames de imagem, especialmente a ressonância magnética de encéfalo2.

Métodos de avaliação do olfato

A avaliação do olfato pode ser mensurada por vários testes, de características diferentes e padronizados de acordo com uma população, dentre eles estão: Sniffin' Sticks test, bastante utilizado na Europa, enquanto o teste de identificação de cheiros da Universidade da Pensilvânia (UPSIT) e o teste de identificação do Connecticut Chemosensory Clinical Research Center (CCCRC) são mais utilizados pelos norte-americanos.

Basicamente esses testes avaliam a identificação de odores, limiar e discriminação olfativa por meio de diferentes métodos. São de fundamental importância para caracterizar objetivamente a queixa do paciente, e úteis para avaliar o olfato antes e após determinada aplicação terapêutica.

Teste de identificação de cheiros da Universidade da Pensilvânia (UPSIT)

Trata-se de um teste que avalia apenas a identificação olfativa, de fácil aplicação, podendo ser feito pelo próprio paciente em sua casa. É composto por uma cartela com 40 páginas contendo uma área para "raspar e cheirar" e alternativas para assinalar o odor correspondente. De acordo com a pontuação, classificam-se em normosmia, hiposmia ou anosmia. O teste foi validado para a população brasileira18.

Teste de identificação do Connecticut Chemosensory Clinical Research Center (CCCRC)

Trata-se de um teste que avalia não somente a identificação, como também o limiar olfativo, agregando mais informações à avaliação final que se dá pela somatória e média da pontuação em cada teste.

No teste de identificação, o paciente recebe uma lista contendo alternativas de possíveis odores, e então é estimulado a escolher entre as várias alternativas o odor correspondente ao cheiro apresentado pelo examinador em um frasco não rotulado. Já o limiar do olfato é encontrado através da apresentação N-butanol em diferentes concentrações em diferentes frascos em comparação com um frasco contento água destilada. O paciente é estimulado a escolher qual frasco sente o odor, e após acertos consecutivos o limiar olfatório do paciente é determinado. Este teste também foi validado para a população brasileira19.

Sniffin' sticks test

Trata-se de um teste mais completo e de aplicação mais demorada, que avalia limiar, discriminação e identificação olfativa. Nestas três etapas, que podem ser aplicadas separadamente, o paciente é estimulado a cheirar canetas dispensadoras de odor20.

Na avaliação do limiar o paciente deve escolher entre três canetas, qual delas contém o diluente butanol, sendo que as outras duas canetas não possuem odor. Ao todo são 16 trios de canetas em concentrações crescentes do diluente, e o teste é reaplicado em todo acerto para garantir que não está ocorrendo ao acaso. O limiar é dado pela média dos últimos quatro acertos.

A discriminação é testada pedindo para o paciente distinguir entre as três canetas que serão apresentadas, qual apresenta o odor diferente, uma vez que duas canetas terão odores iguais, e uma será diferente. Ao todo são apresentadas 16 trios de canetas. A pontuação é a somatória dos acertos dos 16 trios apresentados.

Na etapa de identificação, o avaliado deve escolher entre quatro alternativas mostradas no papel aquela que corresponde ao odor que será apresentado em cada uma das 16 canetas. Está em processo de validação no Brasil.

Tratamentos

O tratamento das desordens olfativas é baseado em sua etiologia, portanto determinar a causa da disfunção olfativa é indispensável para uma melhor eficácia no manejo21.

Glicocorticoides

Os corticoides tópicos são muito utilizados nas desordens olfativas, independente de sua etiologia. Apresentam impacto significativo nos pacientes com rinossinusite crônica, já nas demais etiologias o seu benefício necessita ser mais estudado, porém devido o baixo risco de efeitos colaterais, pode ser usado como monoterapia ou associado a outros tratamentos21. No caso de DO causados pela COVID-19, sugere-se que seja continuado, caso já estivesse em uso para RA ou RSC22.

Os corticoides tópicos parecem ajudar na recuperação olfatória na etiologia pós-infecciosa, no entanto sua eficácia deve ser cuidadosamente avaliada, pois um terço desses pacientes apresentam recuperação parcial ou completa espontânea. Não há evidência científica bem estabelecida do benefício de corticoide tópico nos pacientes com anosmia pós-infecção por SARS-CoV-2, portanto não há recomendação do uso rotineiro22.

Vale ressaltar que o spray nasal de corticoide atinge a fenda olfatória de forma limitada, dessa forma alguns estudos utilizaram técnicas com aplicador longo ou lavagem nasal com alto volume de soro fisiológico associado a corticoide, fluticasona ou budesonida diluídas²³.

A budesonida nasal em alto volume tem mostrado benefício no tratamento de desordens olfativas na rinossinusite crônica, mostrando-se segura em curto prazo de 4-8 semanas. Quanto a efeitos colaterais e possível alteração no eixo hipotálamo-hipófiseadrenal, um estudo avaliou a segurança do uso em longo prazo do corticoide nasal em alto volume. Smith e cols. selecionaram pacientes adultos, com rinossinusite crônica e com cirurgia endoscópica sinusal prévia em uso de irrigação de alto volume com budesonida nasal na dose de 1 mg, no mínimo duas vezes ao dia, por 12 meses. Foram excluídos pacientes que utilizaram corticoide sistêmico recente. Concluiu-se que não houve supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal no uso da budesonida nasal de alto volume em duração maior que dois anos24.

Os corticosteroides sistêmicos também apresentam algum benefício nas disfunções olfatórias por meio da redução de mediadores inflamatórios e por influenciarem na expressão do gene olfativo. O uso de corticoide sistêmico deve ser cauteloso devido aos efeitos colaterais e falta de evidências24. Alguns estudos mostram benefício do uso durante curto período no olfato dos pacientes após COVID-19. A duração da doença, a idade, o sexo e a presença de parosmia não apresentou relação com a resposta ao tratamento aos corticoides22.

Citrato de sódio

Um estudo demonstrou que a aplicação de citrato de sódio intranasal levou à melhora nos escores de identificação do olfato em pacientes com hiposmia pós-infecciosa quando comparado com placebo, e não evidenciou mudança significativa em pacientes com hiposmia de outras causas etiológicas, como pós-traumática, em doença nasossinusal e idiopática. O cálcio tem papel inibitório na transdução do sinal olfativo, portanto acredita-se que a melhora do olfato ocorre pela ação do citrato de sódio na redução do influxo de cálcio intracelular, levando à redução do cálcio livre na camada de muco nasal25.

Outro estudo randomizado, duplo-cego, foi realizado para avaliar o efeito terapêutico e efeitos colaterais do citrato de sódio. Observou-se que o efeito do citrato é transitório, com pico em 30 a 60 minutos após aplicação, e os efeitos adversos foram leves: dor em orofaringe, parestesia nasal, rinorreia leve e prurido26. No entanto, os achados são limitados e com baixo nível de evidência quando replicado em um estudo maior, apesar disso, mostrou-se eficaz em casos de fantosmia27.

Ácido alfa-lipoico

Acredita-se que devido à liberação de fator de crescimento e ao efeito antioxidante, o ácido alfalipoico possa ser utilizado no tratamento das desordens olfativas pós-IVAS, levando à regeneração dos receptores olfatórios. Em um estudo, 23 pacientes, com média de perda olfatória de 14 meses, utilizaram ácido alfa-lipoico oral (600 mg/dia) por 4 meses e meio, mostrando melhora na função olfatória, além de indicar melhor recuperação do olfato em jovens quando comparado com maiores de 60 anos. O principal efeito colateral notado foi a intolerância gástrica, porém são necessários mais estudos para melhor avaliação28.

Vitamina A

A vitamina A pode ser útil no tratamento da perda olfativa pós-infecciosa, devido ao seu papel na regeneração dos receptores neuronais olfatórios, e seu uso tópico está sendo relacionado a bons resultados, e vem sendo cada vez mais estudado. Um estudo retrospectivo com 170 pacientes avaliou eficácia da vitamina A em pacientes com desordens olfativas pós-infecciosas e pós-traumáticas, 46 pacientes foram tratados com treinamento do olfato por 12 semanas, e os 124 restantes, além do treinamento do olfato, também utilizaram vitamina A tópica na dose 10.000 UI/dia por 8 semanas. Realizado o teste Sniffin' sticks para avaliação após 10 meses. Dos pacientes com alteração pós-infecciosa tratados com vitamina A, 37% apresentou melhora no olfato, contra 23% no grupo controle. Além de demonstrar que a vitamina A associada ao treinamento olfatório teve maior benefício que o treinamento isolado, concluiu-se que a Vitamina A tópica é uma opção no tratamento da perda olfatória pós-infecciosa, porém mais estudos são necessários29.

Ômega 3

Em estudo prospectivo não cego com 58 pacientes com disfunção olfatória pós-viral, a suplementação com ômega 3 mostrou-se benéfica como tratamento coadjuvante ao treinamento olfativo, em comparação com o grupo que realizou apenas treinamento olfatório. A idade, o sexo e a duração dos sintomas não tiveram influência em nenhum dos grupos30.

Outro estudo randomizado, prospectivo, avaliou a suplementação com ômega 3 em pacientes com desordens olfatórias após ressecção endoscópica do tumor da base do crânio. Os pacientes nesse estudo foram divididos em um grupo que realizou lavagem nasal com solução salina associado com suplementação de ômega 3, e outro grupo controle, que realizou apenas lavagem nasal com solução salina. A suplementação com ômega 3 mostrou menor persistência das desordens olfativas, em comparação com o grupo controle. Pode ser uma opção terapêutica pelo efeito na cicatrização e regeneração dos neurônios olfatórios31. Devido a seu baixo potencial de efeitos colaterais, apresenta-se como uma possível terapia para alguns tipos de DO, e requer mais estudos.

Treinamento olfatório

O mecanismo fisiopatológico envolvido no treinamento olfativo ainda é incerto. Acredita-se que cheiros odoríferos repetidos podem promover a capacidade regenerativa dos neurônios olfativos em melhorar sua função22,32. Em uma metanálise recente ficou bem estabelecido a efetividade desse tratamento, mesmo em causas com prognósticos piores, como no trauma cranioencefálico33.

Os pacientes devem realizar o treinamento duas vezes ao dia, em média por 12 semanas. O paciente deve realizar a olfação de quatro odores intensos (álcool etílico fenil: rosa; eucaliptol: eucalipto; citronelal: limão; e eugenol: cravo). É importante ressaltar que o paciente deve realizar o treinamento em um local silencioso, concentrado e pensando no odor que está sendo exposto, imaginando o odor por 20-30 segundos. O aumento da duração do tratamento para até 56 semanas e também mudança dos odores podem levar à maior efetividade do tratamento22,33.

O estudo demonstrou reorganização neural através de ressonância magnética funcional após 12 semanas de treinamento em pacientes com anosmia pós-infecciosa32.

Tratamento cirúrgico

Visto que uma das possíveis causas dos DO é a dificuldade da chegada de moléculas odoríferas à fenda olfatória, algumas alterações anatômicas como desvio septal, hipertrofia de cornetos, concha média bolhosa podem ter grande impacto no olfato e devem ser avaliados e corrigidos cirurgicamente2.

Imunobiológicos

Apesar da aplicabilidade limitada devido ao alto custo e critérios de indicação, medicamentos biológicos como o dupilumabe, omalizumabe e mepolizumabe obtiveram boa resposta no olfato de pacientes com rinossinusite crônica com polipose nasal. Seu uso ainda é restrito, e com indicação formal apenas para o tratamento de perdas de olfato relacionadas à rinossinusite crônica34-36.

Conclusão

Os distúrbios do olfato apresentam grande impacto socioeconômico. Suas etiologias, assim como seu tratamento, estão cada vez mais sendo discutidos, visto o aumento da prevalência significativa após a pandemia de SARS-CoV-2. O conhecimento da anatomia, do fenótipo e do endótipo dos DO relacionados com doenças nasossinusais, assim como o impacto das citocinas relacionadas a cada perfil imunológico, são conhecimentos importantes para o especialista.

De igual importância, a realização de mais testes diagnósticos que avaliem objetivamente o olfato deve ser uma preocupação crescente, pois apenas dessa maneira é possível acompanhar e diagnosticar corretamente os DO. É importante ressaltar que terapias alternativas, como o treinamento olfatório, promovem não só a capacidade regenerativa dos neurônios olfativos como a melhora da função olfativa, apresentam bom grau de indicação. Ainda são necessários estudos para validação de outras opções terapêuticas promissoras, como o ômega 3, ácido alfa-lipoico, citrato intranasal e vitamina A intranasal.

 

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