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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2022 - Volume 6  - Número 4


Comunicação Clínica e Experimental

Polinose no Rio de Janeiro é possível? Relato de caso

Is pollinosis in Rio de Janeiro possible? Case report

Bianca Mendonça Almeida1,2; Kleiser Aparecida Mendes2; Marilucia Alves Venda2; Tânia Maria Gonçalves Gomes2; José Luiz Magalhães Rios1,2


DOI: 10.5935/2526-5393.20220062

1. Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto - UNIFASE, Alergia e Imunologia - Petrópolis, RJ, Brasil
2. Hospital Central do Exército, Serviço de Alergia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Endereço para correspondência:

Bianca Mendonça Almeida
E-mail: bianca_almeida18@hotmail.com


Submetido em: 06/06/2022
Aceito em: 27/07/2022

RESUMO

A polinose é uma doença comum dos países de clima tempera-do, onde as estações do ano são bem definidas. Apresenta-se clinicamente como rinoconjuntivite e/ou asma sazonal ou perene com exacerbação na primavera. No Brasil, há relatos de casos de polinose por polens de gramíneas que são os principais causadores dessa patologia, principalmente na Região Sul, apesar do clima subtropical. A expansão da população e desmatamento com crescente urbanização de áreas florestais são alguns dos responsáveis pelo aumento de casos em vários locais do país. Neste relato de caso, descrevemos um caso de polinose por polens de gramínea em um paciente militar que morou em países da Europa e que atualmente reside em uma zona de mata nativa no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Apesar de a polinose não ser uma doença encontrada no RJ, este diagnóstico não deve ser excluído em pacientes com conjuntivite/rinoconjuntivite sazonal, principalmente quando têm uma história pregressa de morar vários anos fora país.

Descritores: Polinose, gramíneas, Brasil.




INTRODUÇÃO

Polinose (também conhecida como "hay fever" ou "febre do feno" ou ainda conjuntivite/rinoconjuntivite sazonal) é uma doença causada por sensibilização do indivíduo a polens de plantas (flores, gramíneas ou árvores)1.

Não são todos os polens que são alergênicos, mas os anemófilos (aqueles levados pelo vento) estão mais relacionados à polinose2,3.

Ocorre com frequência em regiões de clima temperado onde as estações do ano são bem definidas, mas no Brasil, cuja maior extensão do seu território apresenta clima tropical e subtropical com estações pouco marcadas, os casos de polinose são descritos principalmente na Região Sul do país4,5.

Os polens de gramíneas são causas frequentes de polinose por serem espécies com distribuição mundial e grande capacidade de produção de polens alergênicos5-8.

Diversos fatores, dentre os quais o crescimento da população, viagens, mudanças climáticas e introdução de gramíneas na atividade agropecuária, aumentaram a exposição do indivíduo aos polens e, consequentemente, favoreceram o aumento de casos de polinose em várias regiões do país9.

O diagnóstico da polinose compreende da história clínica de rinoconjuntivite/conjuntivite/asma, que surge ou exacerba nos meses de setembro a dezembro, e testes in vivo e/ou in vitro que identifiquem a presença de IgE específica às proteínas dos grãos de polens alergênicos10,11.

O tratamento inclui medidas profiláticas para o afastamento dos alérgenos envolvidos, medicações preventivas (corticoides nasais ou oculares ou corticoide/anti-histamínicos nasais) e, em determinados casos, imunoterapia específica7.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 73 anos, militar aposentado, referia queixa de prurido nasal, ocular e em orofaringe há dois anos. Estes sintomas eram intermitentes, mas apresentavam piora em setembro. Negava tosse, dispneia, sibilos ou angioedema associados. Referia melhora do quadro com mometasona nasal, apesar de o uso irregular.

Paciente relatava início dos sintomas em 2008 quando morava na Europa (Bruxelas, Bélgica) que persistiram até 2011 quando retornou ao Brasil. Aqui, ficou assintomático até há dois anos quando foi morar no Recreio dos Bandeirantes e se intensificaram há cerca de 6 meses quando foi morar em Vargem Grande, ambos bairros da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Não havia história familiar de rinite/conjuntivite alérgica ou asma, e havia história patológica atual de hipertensão arterial sistêmica e hipertireoidismo.

Ao exame físico, o paciente apresentava hipertrofia dos cornetos inferiores com mucosa hipocorada, secreção pós-nasal hialina e hiperemia conjuntival bilateral. Não apresentava alterações na ausculta pulmonar.

O teste de puntura com alérgenos inalantes foi realizado na face volar do antebraço, utilizando-se antígenos da Alergolatina -Produtos Alergênicos Ltda. Foram considerados positivos os resultados com pápulas com diâmetro de 3 mm acima do controle negativo12, e mostrados a seguir na Tabela 1 e Figura 1.

 

 

 


Figura 1
Teste de puntura com gramíneas

 

Foram solicitadas dosagens de IgE total e específicas para inalantes incluindo polens de gramíneas e árvores, realizadas pelo método de fluoro-enzimaimuno-ensaio (FEIA -ImmunoCAP-Phadia®) cujos resultados mostraram IgE total de 43,3 (valor de referência do laboratório: a partir dos 15 anos - até 160 kU/L) e IgE específica para os seguintes inalantes mostrados na Tabela 2.

 

 

Com este resultado, associado à história clínica, confirma-se que o paciente apresenta polinose por polens de gramínea.

 

DISCUSSÃO

O paciente do caso em questão teve diagnóstico de polinose por apresentar um quadro clínico de rinoconjuntivite sazonal e testes in vivo e in vitro positivos para a presença de IgE específicas a polens de gramíneas.

Pólen é o conjunto de grãos que carreiam os gametas masculinos que fecundarão os óvulos (femininos) em determinadas plantas. Algumas delas possuem parte feminina e masculina, e outras, parte feminina ou masculina. Nestes casos, o pólen precisa alcançar a parte feminina, e a este movimento se chama polinização. O pólen pode ser levado por insetos, água ou vento2,3.

Rinoconjuntivite e/ou asma causadas por reação de hipersensibilidade mediada por IgE específicas a proteínas dos grãos de polens de flores, árvores e/ ou grama é chamada de polinose9.

As proteínas dos grãos de polens, em contato com a conjuntiva, mucosa nasal e brônquica, se ligam às IgE específicas nos mastócitos e basófilos, desencadeiam degranulação e liberação de mediadores inflamatórios causando os sintomas de prurido ocular e hiperemia conjuntival associados ou não à coriza, espirros, prurido e obstrução nasal e, eventualmente, broncoespasmo. O que chama a atenção é a periodicidade dos sintomas, ou seja, o aparecimento do quadro clínico na primavera7.

Não são todos os polens que são alergênicos, mas os anemófilos (aqueles levados pelo vento) estão mais relacionados à polinose13.

Ocorre com frequência em regiões de clima temperado onde as estações do ano são bem definidas4. No Brasil, cuja maior extensão do seu território apresenta clima tropical e subtropical com estações pouco marcadas, os casos de polinose são descritos principalmente na Região Sul do país8,14-18.

Isto se deve porque, nesta região, o inverno com temperaturas mais baixas é seguido pela primavera, que apresenta temperaturas mais altas, o que favorece o crescimento de determinadas espécies que precisam de polinização para seu desenvolvimento6,19.

A maioria dos pacientes refere que os sintomas oculares e nasais surgem em outubro e cessam em dezembro por coincidir com a estação polínica. Porém, ela pode durar de agosto até março e, com isso, as manifestações clínicas podem persistir durante este período, dependendo do grau de sensibilização do indivíduo6,19.

Os polens de gramíneas são causas frequentes de polinose5,6 por serem espécies com distribuição mundial e grande capacidade de produção de proteínas alergênicas8.

As gramíneas pertencem à grande família Poaceae e às subfamílias Pooideae (Phleum pratense, Lolium multifloum), Chloridoideae (Cynodon dactylon)e Panicoideae (Paspalum notatum) estão relacionadas à maioria dos casos de polinose8.

Diversos fatores, como desmatamento, exploração da terra, crescimento da população e introdução de gramíneas com pólen de elevado potencial alergênico em áreas de atividade agropecuária são responsáveis pelo aumento de casos de polinose no Brasil, não só na Região Sul, mas também em outras regiões9,20.

Além disso, mudanças climáticas por conta do aquecimento global estão acontecendo em todas as partes do mundo e estão relacionadas a um florescimento rápido e precoce, fazendo com que a estação polínica seja mais prolongada, começando mais cedo e durando um tempo maior, aumentando assim a possibilidade de sensibilização do indivíduo ao pólen5,7.

Outro fator importante é a globalização, pois os indivíduos viajam para diversas e remotas partes do mundo, se expondo a uma variedade de alérgenos, ou ainda, alérgenos são trazidos para o meio não nativo, facilitando a sensibilização a novos componentes5.

Os bairros Recreio dos Bandeirantes e Vargem Grande situam-se na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, no Parque Estadual da Pedra Branca, que é considerado a maior floresta urbana do país. Com o passar dos anos, ocorreu uma progressiva urbanização destes bairros, porém preservando a floresta da encosta21. Isso pode ter favorecido o contato mais próximo do paciente com a flora desta região e, consequentemente, com espécies que apresentam polinização anemófila (polens transportados pelo vento) contribuindo para a reexposição do paciente aos polens aos quais ele já estaria sensibilizado, devido à vivência por anos em países europeus onde ele, pela história relatada, provavelmente desenvolveu polinose.

Os polens de gramíneas mais relacionados à polinose são Phleum pratense, Lolium multiflorum, Cynodon dactylon e Paspalum notatum8.

Dentre as gramíneas causadoras de polinose no Brasil, a subfamília Pooideae é a mais comum, sendo o Lolium multiflorum (azevém ou Italian ryegrass), o Anthoxanthum odoratum (grama doce) e o Holcus lanatus (capim lanudo) seus principais representantes. É importante ressaltar que eles apresentam reatividade cruzada entre si. O Phleum pratense não é encontrado no Brasil, porém possui reatividade cruzada com o Lolium multiflorum, presente em várias regiões do país8.

O Cynodon dactylon (grama Bermuda ou grama comum), da subfamília Chloridoideae e o Paspalum notatum (grama Bahia), da subfamília Panicoideae também são encontrados no Brasil, mas apresentam reduzida reatividade cruzada com a subfamília Pooideae22.

O caso mostra que o paciente apresentou história clínica e sintomatologia compatíveis com rinoconjuntivite alérgica sazonal e presença de IgE específicas a vários polens de gramíneas. Entretanto, encontrouse IgE específica (teste de puntura e ImmunoCAP) a polens de gramíneas não encontrados no Brasil (Phleum pratense), mas que possuem reatividade cruzada com o Lolium multiflorum, o principal pólen de gramínea no país. Além disso, também foram identificadas IgE específicas a outros polens que apresentam pouca reatividade cruzada entre si e com o L. multiflorum como C. dactylon, Poa pratensis e Festuca elatior. Estes fatos sugerem que o paciente apresentou polinose na Europa e reativação do seu quadro alérgico no Rio de Janeiro.

Outro dado importante no caso é a pequena quantidade de IgE específica aos ácaros da poeira (D. farinae, D. pteronyssinus, B. tropicalis), que são os principais agentes responsáveis pelos casos de rinoconjuntivite e/ou asma perene no Brasil.

Uma limitação desse trabalho foi a impossibilidade de se coletar e classificar amostras dos polens de gramínea da região de moradia do paciente (Recreio dos Bandeirantes e Vargem Grande) para que se pudesse confirmar a presença desses polens naquela região, além do fato de não ter sido realizado teste de provocação nasal ou conjuntival a fim de determinar a relação de causa e efeito destes polens no quadro clínico do paciente.

No entanto, associando-se os resultados dos testes alérgicos in vivo e in vitro com a sintomatologia sazonal do paciente, sugere-se fortemente o diagnóstico de polinose ou de rinoconjuntivite sazonal.

Estes resultados alertam para a necessidade de se considerar que pacientes com sintomas de rinoconjuntivite alérgica, moradores de áreas com muita vegetação nativa no Rio de Janeiro, devam ser testados também para polens de gramíneas. Esses agentes podem estar entre os antígenos responsáveis pela sintomatologia desses pacientes.

Apesar de a polinose não ser uma doença encontrada no Rio de Janeiro, este diagnóstico não deve ser excluído frente a um paciente com conjuntivite/rinoconjuntivite sazonal, principalmente quando tem uma história pregressa de morar em outros países.

 

REFERÊNCIAS

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