Vacinação contra COVID-19 em pacientes portadores de angioedema hereditário: recomendações do Grupo de Estudos Brasileiro em Angioedema Hereditário (GEBRAEH)
COVID-19 vaccination in patients with hereditary angioedema: recommendations from the Brazilian Group for the Study on Hereditary Angioedema (GEBRAEH)
Faradiba Sarquis Serpa1; Eli Mansour2; Anete Sevciovic Grumach3; Adriana Santos Moreno4; Camila Lopes Veronez5; Eliana Toledo6; Herberto Jose Chong-Neto7; João Bosco Pesquero8; Luisa Karla Arruda9; Pedro Giavina-Bianchi10; Solange Oliveira Rodrigues Valle11; Régis de Albuquerque Campos12
1. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - Vitória, ES, Brasil
2. Universidade de Campinas - UNICAMP, Faculdade de Ciências Médicas - Departamento de Clinica Médica - Campinas, SP, Brasil
3. Centro Universitário Saúde ABC, Faculdade de Medicina - Santo André, SP, Brasil
4. Universidade de São Paulo Ribeirão Preto, Departamento de Medicina - Escola de Medicina de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto, SP, Brasil
5. University of California San Diego, Department of Medicine - San Diego, California, EUA
6. Escola de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Pediatria - São José do Rio Preto, SP, Brasil
7. Universidade Federal do Paraná, Departamento de Pediatria - Curitiba, PR, Brasil
8. Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Biofísica - São Paulo, SP, Brasil
9. Universidade de São Paulo Ribeirão Preto, Departamento de Medicina - Ribeirão Preto, SP, Brasil
10. Universidade de São Paulo, Divisão de Alergia e Imunologia Clínica - São Paulo, SP, Brasil
11. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Serviço de Imunologia, Departamento de Medicina Interna - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
12. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina - Departamento de Medicina Interna - Salvador, BA, Brasil
Endereço para correspondência:
Faradiba Sarquis Serpa
E-mail: faradibasarquis@uol.com.br
Submetido em: 25/02/2021
Aceito em: 03/03/2021
RESUMO
No curso da pandemia da COVID-19, o desenvolvimento rápido de vacinas seguras e eficazes é a principal estratégia de saúde pública para conter a propagação da doença. Nesse contexto, esclarecimentos em relação à prioridade e segurança da vacinação contra COVID-19 em pacientes portadores de angioedema hereditário (AEH), assim como de outras doenças, são necessários. Todos os pacientes devem receber a vacina seguindo a estratégia do Ministério da Saúde e manter as medidas de higiene, uso de máscaras e distanciamento social até o controle da pandemia.
Descritores: SARS-CoV-2, COVID-19, imunização, vacina, angioedema hereditário, alergia, anafilaxia.
No curso da pandemia da COVID-19, o desenvolvimento rápido de vacinas seguras e eficazes é a principal estratégia de saúde pública para conter a propagação da doença1. Nesse contexto, esclarecimentos em relação à prioridade e segurança da vacinação contra COVID-19 em pacientes portadores de angioedema hereditário (AEH), assim como de outras doenças, são necessários.
O objetivo da vacinação contra a COVID-19 é reduzir a morbidade e a mortalidade pela doença. Esta ação deve contribuir para a adequação da capacidade dos serviços de saúde e, ainda, permitir que as atividades econômicas e sociais retornem progressivamente aos padrões anteriores ao período da pandemia. Para isso, é necessário um planejamento que garanta o acesso equitativo à vacinação.
Em dezembro de 2020, o Ministério da Saúde (MS) publicou um Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19 estabelecendo as prioridades no acesso à imunização contra o SARS-CoV-22. A ordem de priorização levou em conta: a preservação do funcionamento dos serviços de saúde, a proteção dos indivíduos com maior risco de desenvolvimento de formas graves e óbito, seguidas da preservação do funcionamento dos serviços essenciais e proteção dos indivíduos com maior risco de infecção2. São prioritários: trabalhadores da saúde, pessoas com 60 anos ou mais institucionalizadas, povos indígenas vivendo em terras indígenas, pessoas de 75 anos ou mais, povos e comunidades tradicionais ribeirinhas, povos e comunidades tradicionais quilombolas, pessoas de 60 a 74 anos e pessoas com morbidades (Tabela 1), pessoas com deficiência permanente grave, pessoas em situação de rua, população privada de liberdade, funcionários do sistema de privação de liberdade, trabalhadores da educação do ensino básico (creche, pré-escolas, ensino fundamental, ensino médio, profissionalizantes e educação de jovens e adultos trabalhadores), trabalhadores da educação do ensino superior, forças de segurança e salvamento, forças armadas, trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros, trabalhadores de transporte metroviário e ferroviário, trabalhadores de transporte aéreo, trabalhadores de transporte aquaviário, caminhoneiros, trabalhadores portuários, trabalhadores industriais. Estados e municípios têm autonomia para montar seu próprio esquema de vacinação e dar vazão à fila de acordo com as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas2. Assim, nas diferentes fases da vacinação esses grupos serão convocados pela administração local para serem vacinados.
Vale ressaltar que atualmente, existem três tecnologias de vacinas contra o SARS-CoV-2 de relevância para o Brasil:
- vacina de vírus inativado, tecnologia empregada na preparação da vacina desenvolvida por meio de parceria entre a companhia farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan;
- vacinas com utilização de um vetor viral, um adenovírus atenuado (AAV), método empregado nas vacinas desenvolvidas por meio de parceria entre a companhia farmacêutica AstraZeneca, Universidade de Oxford e Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e na vacina russa Sputnik V;
- vacinas baseadas em RNA mensageiro (RNAm), tecnologia das vacinas da companhia farmacêutica americana Pfizer em associação à empresa biofarmacêutica alemã BioNTech, e do laboratório americano Moderna.
O método que utiliza o SARS-CoV-2 inativado tem as vantagens de produzir uma vacina segura e estável, além de ser uma tecnologia já conhecida e de infraestrutura amplamente disponível, o que possibilitou o desenvolvimento rápido da vacina. Além disso, já foi testada em outra espécie de coronavírus (SARS-CoV) e sua conservação é fácil (2 °C a 8 °C). As desvantagens dessa vacina incluem a necessidade de manipular grande quantidade de partículas virais e necessidade de dose de reforço3-5.
As vacinas que utilizam adenovírus, de chimpanzés ou humanos, incapazes de replicação (AAV) como vetor, são vacinas que introduzem um gene específico dentro das células humanas e estimulam uma resposta imune específica. Esta técnica, empregada na vacina AstraZeneca-Oxford-Fiocruz, também já foi testada com outra espécie de coronavírus (MERS-CoV). Por outro lado, o hospedeiro pode ter imunidade, por exposições prévias ao vetor, diminuindo a sua eficácia. Este método pode ser usado em um futuro próximo para produzir vacinas não injetáveis, via intranasal ou sublingual3-5.
O uso do RNAm é um método relativamente novo e consiste na injeção de RNAm sintético, protegido por nanopartículas, o qual levará à produção da proteína Spike do SARS-CoV-2 que induzirá uma resposta imunológica segura no organismo. Desenvolvida inicialmente para o uso em imunoterapia anticâncer, esta tecnologia é considerada segura pois o RNAm é rapidamente degradado e não se integra ao genoma do hospedeiro, pois a tradução do RNAm ocorre no citoplasma. Outra vantagem deste tipo de abordagem é permitir a produção rápida de grandes quantidades de vacinas contra novos patógenos, além do custo mais baixo. A sua principal desvantagem é sua instabilidade, necessitando de baixas temperaturas de transporte e armazenamento (-70 °C)3-5.
Os eventos adversos (EA) observados durante os estudos clínicos dessas vacinas foram, na maioria dos casos, leves ou moderados, independentemente da tecnologia empregada. Para vacinas de vírus inativado os EA mais frequentes foram dor no local da aplicação, fadiga, febre, mialgia, diarreia, náusea e cefaleia6. Para vacinas que utilizam o adenovírus, os EA observados com maior frequência foram dor no local da injeção, cefaleia, fadiga, mialgia, mal estar, pirexia, calafrios, artralgia e náusea7. A maioria das reações adversas foi de intensidade leve a moderada e usualmente resolvida dentro de poucos dias após a vacinação7. Os EA relatados para as vacinas de RNAm foram dor no local da injeção, cefaleia e fadiga, com duração de poucos dias5. Raros relatos de anafilaxia com as vacinas de RNAm da Pfizer/BioNTech e Moderna foram notificados após autorização para uso na população, levando à orientação de que pessoas que apresentaram reação alérgica à primeira dose destas vacinas ou aquelas com história de reação a algum componente da vacina, não devem recebê-las8. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nos Estados Unidos recomenda período de observação após vacinação para COVID-19 com as vacinas de RNAm. Pessoas com história de reação alérgica imediata de qualquer gravidade para uma vacina ou terapia injetável, e pessoas com história de anafilaxia por qualquer causa devem ser observadas por 30 minutos. Todas as outras pessoas devem ser observadas por 15 minutos9.
Em nosso país, as primeiras vacinas aprovadas pela ANVISA para uso emergencial foram as vacinas Sinovac-Butantan e AstraZeneca-Oxford-Fiocruz10,11. Essas vacinas vêm demostrando, até o momento, boa eficácia, principalmente na prevenção de casos graves de COVID-19, hospitalizações e mortes. Os pacientes diagnosticados com AEH podem se beneficiar de qualquer uma dessas tecnologias, da mesma forma que a população geral.
Alguns pacientes portadores de AEH podem apresentar crises de edema após quadros infecciosos12. Entretanto, os raros artigos recentemente publicados não trazem evidências de que os portadores de AEH sejam mais propensos à infecção pelo SARS-CoV-2, ou que apresentem pior evolução da COVID-1913,14. Sendo assim, os pacientes com AEH deverão seguir as orientações do MS referentes a outras situações nas quais podem estar incluídos, como por exemplo, obesidade ou diabetes mellitus. Todos os pacientes poderão receber a vacina seguindo a estratégia do MS e manter as medidas de higiene, uso de máscaras e distanciamento social até o controle da pandemia.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization. COVID-19 vaccines: Safety Surveillance Manual. Module: Introduction [Internet]. 2020. Disponível em: https://www.who.int/vaccine_safety/committee/Introduction.pdf?ua=1. Acessado em: 24/01/2021.
2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações. Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19 [Internet]. 2020. Disponível em: plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf (www.gov.br) Acessado em: 28/01/2021.
3. Zhao J, Zhao S, Ou J, Zhang J, Lan W, Guan W, et al. COVID-19: Coronavirus Vaccine Development Updates. Front Immunol. 2020;11:602256.
4. Kaur SP, Gupta V. COVID-19 Vaccine: A comprehensive status report. Virus Res. 2020;288:198114.
5. Prüβ BM. Current State of the First COVID-19 Vaccines. Vaccines (Basel). 2021;9(1):E30.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Bulário eletrônico. Vacina adsorvida covid-19 (inativada). Instituto Butantan. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/bulas-saiba-mais-sobre-as-vacinas-autorizadas-para-uso-emergencial/2021-01-18-bula-profissional-da-saude_clean.pdf.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Bulário eletrônico. Vacina COVID-19 (Recombinante) Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos/Fiocruz. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/bulas-saiba-mais-sobre-as-vacinas-autorizadas-para-uso-emergencial/bula-vacina-covid-19-recombinante_vps_001_21-01-2021.pdf
8. Glover RE, Urquhart R, Lukawska J, Blumenthal KG. Vaccinating against covid-19 in people who report allergies. BMJ. 2021;372:n120.
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10. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Relatório - Bases técnicas para decisão do uso emergencial, em caráter experimental de vacinas contra a Covid-19 [Internet]. 2021. Disponível em: relatorio-bases-tecnicas-para-decisao-do-uso-emergencial-final-4-1.pdf (www.gov.br). Acessado em: 24/01/2021.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Plano nacional de operacionalização da vacinação contra a Covid-19. 5ª ed. [Internet]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/marco/23/plano-nacional-de-vacinacao-covid-19-de-2021. Acessado em: 25/04/2021.
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14. Kanani A. A case report of COVID-19 virus infection in a patient with hereditary angioedema [Internet]. doi: https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-41261/v1.