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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2020 - Volume 4  - Número 4


CARTA AO EDITOR

Dessensibilização rápida à penicilina

Juliana F. Bianchini Garcia; Pedro Giavina-Bianchi


DOI: 10.5935/2526-5393.20200076

Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.




A dessensibilização rápida a medicamentos (DRM) tornou-se uma pedra angular no manejo de reações de hipersensibilidade aos medicamentos (RHMs), para qualquer reação de hipersensibilidade imediata, alérgica ou não alérgica, representando assim um importante avanço no tratamento e prognóstico dos pacientes1. A DRM é um processo seguro e eficaz, no qual ocorre a indução de um estado de tolerância transitória do sistema imunológico capaz de tolerar a administração da medicação causadora da reação. DRM consiste na administração consecutiva de pequenas doses do medicamento até que a dose terapêutica completa seja atingida. O objetivo do procedimento é administrar doses subótimas ao paciente, que promoverão estimulação de mastócitos/basófilos, induzindo mecanismos inibitórios, tornando essas células hiporresponsivas.

O desafio da DRM é gradualmente aumentar a dose do medicamento sem atingir um limiar de concentração que desencadeie a anafilaxia, embora os mastócitos/basófilos possam liberar quantidade de mediadores durante o DRM1. Várias hipóteses para explicar os mecanismos de hiporresponsividade celular subjacente foram propostas, como exaustão dos mediadores armazenados causada por repetições de estimulação (taquifilaxia), consumo de Syk e Lyn, internalização do FceRI, e ativação de receptores inibitórios. Foi estabelecido que sinais de ativação são contrabalançados por sinais de inibição, e foram identificados receptores inibitórios em mastócitos2-5. A duração de ação da DRM dependente da meia-vida do medicamento administrado, e seu sucesso terapêutico tem sido evidenciado em estudos clínicos2,6,7.

A DRM deve contemplar um protocolo inicial de atendimento ao paciente para estratificar o risco de gravidade envolvido. A história clínica do evento de RHM inicial deve ser elucidada, bem como o esclarecimento do mecanismo envolvido na reação, sendo ele imunológico ou não, e a gravidade do quadro clínico. A realização de testes alérgicos específicos in vivo e in vitro também é utilizada para confirmação diagnóstica e estratificação do risco do paciente. Também deve ser realizada a avaliação de risco/benefício mostrando que os benefícios superam os riscos do tratamento através da DRM8-10. As indicações de DRM são: não existe medicamento alternativo; o medicamento envolvido é mais eficaz e/ou associado a menos efeitos colaterais do que os medicamentos alternativos. As contraindicações envolvem reações imunológicas celulares graves, como Síndrome de Stevens Johnson, necrólise epidérmica tóxica, síndrome de hipersensibilidade a drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS), pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA), síndrome de hipersensibilidade induzida por medicamentos (DIHS), erupção medicamentosa fixa, eritema multiforme, dermatite bolhosa; reações imunocitotóxicas graves; e vasculites1.

Protocolos clássicos envolvem o aumento da dose, dobrando-as a cada 15 a 20 minutos ao longo de várias horas até a dose terapêutica ser alcançada. O paciente deve ser examinado antes do início do procedimento e a cada 15 a 20 minutos, ao longo do procedimento, até 1 hora após a conclusão do mesmo. Caso ocorra reações anafiláticas durante o protocolo de DRM, as mesmas devem ser tratadas da mesma maneira que qualquer reação anafilática6,7,8,11,12.

A RHM induzida por β-lactâmicos (BLs) é um modelo clássico de reações mediadas por mecanismos imunológicos específicos, sendo as reações imediatas mediadas por anticorpos IgE. Esses antibióticos se ligam covalentemente a proteínas de alto peso molecular, podendo ser reconhecidos pelo sistema imunológico, embora os detalhes de como isso ocorra ainda não sejam totalmente esclarecidos13. BLs continuam sendo a causa mais comum de RHM mediada por mecanismos imunológicos específicos. Caso a alergia aos BLs seja confirmada e não for possível substituir o antibiótico, a DRM deve ser indicada13-15.

Desde 1946, quando foi publicada a primeira DRM com BLs, a maioria das séries de casos publicadas descreveu pacientes com reações imediatas, usando protocolos via oral ou parenteral (endovenoso e intramuscular)14-16. A DRM com BLs é um procedimento seguro e eficaz, e nenhuma morte foi relatada nos últimos 15 anos17. Não há publicação de grandes estudos comparativos entre as vias oral e parenteral da dessensibilização, e ambas foram utilizados com sucesso em DRM com BLs14-16. Existe um protocolo de pesquisa no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HC-FMUSP) que evidenciou maior segurança ao utilizar protocolo de dessensibilização endovenoso, quando comparado com a via oral. A via oral apresenta reações alérgicas de início mais lento e potencialmente mais graves, quando comparada com a via endovenosa, na qual ocorre identificação das reações mais precocemente. Em um ensaio clínico randomizado, a análise dos dados preliminares mostrou diferença estatística entre os protocolos de dessensibilização18,19. Na prática, como a via oral é mais rápida e fácil de ser aplicada, e é um protocolo seguro e eficaz para ser utilizado, acaba sendo o mais comumente aplicado para DRM com BLs, mesmo quando o antibiótico terapêutico deve ser administrado por via intravenosa ou intramuscular, como por exemplo o uso da penicilina benzatina para tratamento da sífilis gestacional. Até o momento, não existe um protocolo de dessensibilização universal ou consensual para reações de hipersensibilidade com BLs. É importante ressaltar que as dessensibilizações para BLs devem ser realizadas por equipes especializadas, por médicos especialistas em alergia e imunologia, em ambiente hospitalar, e na presença de estrutura para ressuscitação14,20.

 

REFERÊNCIAS

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