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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2020 - Volume 4  - Número 2


CARTA AO EDITOR

Conjuntivite alérgica, prurido ocular e ceratocone: um "buraco negro" entre especialidades

Francisco Machado Vieira


DOI: 10.5935/2526-5393.20200037

Clínica de Alergia e Imunologia, Diretor Clínico Caxias do Sul, RS, Brasil


Endereço para correspondência:

E-mail: famvieira@hotmail.com




O ceratocone (CC) é um distúrbio progressivo e assimétrico que está associado a alterações estruturais e à organização do colágeno da córnea. Essa assume uma forma cônica devido ao seu afinamento e à sua protrusão.

A causa dessa doença ainda é desconhecida, sendo que a principal manifestação ocorre na segunda década de vida, normalmente na puberdade, quando a córnea assume uma forma mais cônica, levando ao astigmatismo, à miopia progressiva, e à subsequente baixa da acuidade visual1,2.

Uma associação positiva entre o CC e várias condições alérgicas é enumerada, aí incluindo-se a ceratoconjuntivite vernal, ceratoconjuntivite atópica , a conjuntivite alérgica estacional/intermitente e a perene/persistente2. Na ceroconjuntivite atópica deve sempre ser considerada a possível associação com dermatite atópica, como fator de prurido ocular.

Foi comprovado que esfregar os olhos aumenta o nível de metaloproteinases da matriz lacrimal, IL-6 e TNF-alfa, mesmo em indivíduos normais3. Esse aumento pode ser ainda mais exacerbado durante o atrito ocular intenso observado na conjuntivite alérgica, contribuindo para o desenvolvimento e a progressão do CC. O controle da alergia e da fricção ocular é a melhor medida para evitar ectasias de córnea2.

A alergia ocular tem um papel importante na patogênese, na progressão da doença e no resultado do tratamento4.

A prevalência do CC varia entre populações, sendo aproximadamente, de 1:375 a 1:2000, quando os pacientes apresentam deterioração da acuidade visual secundária à miopia e ao astigmatismo3.

Visão embaçada, fotofobia, diplopia e dificuldade de visualizar imagens à noite podem ser sintomas de CC, associados à troca frequente de óculos de grau ou lentes de contato, especialmente na população pediátrica de adolescentes1,2.

O diagnóstico de CC é realizado por oftalmologistas, valendo-se de alguns procedimentos, entre os quais a tomografia, a topografia e a paquimetria (medida da espessura da córnea)1-3.

Quando for diagnosticado o CC, de início, pode haver a indicação unicamente de óculos ou lentes de contato especiais1.

A falta de controle e/ou a progressão da doença pode levar a tratamentos invasivos para controlar a ectasia da córnea. Estes são citados como o denominado cross linking (colocação de colírio de riboflavina na córnea associado a raios UVA, para o enrijecimento do colágeno) ou um implante de anel intracorneano, a fim de corrigir e/ou evitar a progressão do CC1,3.

Quando houver falha, associada à progressão do CC, essa pode levar à extrema diminuição da visão até a cegueira, e a consequente indicação de transplante de córnea. Infelizmente, em nosso país é o que ocorre com mais frequência, quando se compara com todos os demais transplantes realizados.

Foi computado o registro do número de transplantes de córnea em 25 estados do Brasil no ano de 2019, e o total estimado foi de 14.943 pacientes, e aqueles que aguardam em lista de espera somaram 10.741 (fonte: Registro Brasileiro de Transplantes, ano XXV nº 4-2019).

A análise do perfil clínico de pacientes pediátricos em ambulatório de alergia com conjuntivite alérgica foi obtido em 137 deles, sendo o diagnóstico comprovado por oftalmologista.Complicações ocorreram em 41 casos, sendo as mais prevalentes o CC (51%), úlcera de córnea (49%), CC e úlcera de córnea simultaneamente (17%), e glaucoma (10%). A conjuntivite alérgica perene foi a principal complicação encontrada5.

Esses resultados tornam-se importantes em relação ao CC, e devem chamar a atenção de alergistas em geral, pediatras e mesmo oftalmologistas, especialmente no Brasil, onde a rinoconjuntivite alérgica é especialmente prevalente devido aos ácaros existentes na poeira domiciliar.

A polinose é um fator importante para a conjuntivite alérgica no Sul do país, entretanto, temos uma estação climática por pólen de gramíneas relativamente curta (set-dez), sem a existência daquela de árvores ou ervas, quando os sintomas poderiam ser prolongados, aumentando a morbidade.

Crianças, e especialmente o grupo de adolescentes, com quadro de rinoconjuntivite alérgica confirmado por meio de história clínica, exame físico, testes cutâneos com alérgenos e/ou a IgE específica, poderiam ser questionados: Existe frequente troca de óculos de grau e/ou prurido ocular associado ao ato de coçar, dificultando o uso de lentes de contato?

Aqui poderia haver uma primeira suposição para um possível CC inicial a ser confirmado por oftalmologista1.

A conjuntivite alérgica é altamente prevalente e mantém uma estreita relação epidemiológica com a rinite alérgica. Há a necessidade de terapias com eficácia em ambos os conjuntos de sintomas, sem o que, se pode aumentar a morbidade, principalmente quando existe uma monovisãoterapêutica unicamentedirecionada aosolhos. Admite-se, portanto, que há um espaço associado com oftalmologista para um tratamento em conjunto e sistêmico, a fim de tentar desviar a rota do CC, incluindo-se a avaliação de imunoterapia específica.

Alergistas tendem a subdiagnosticar a síndrome do olho seco, e super diagnosticar a alergia ocular, por outro lado, em geral, a alergia ocular é superdiagnosticada e subtratada por profissionais da saúde ocular, e subdiagnosticada e subtratada ou maltratada por médicos da atenção primária6.

Violet June (The keratokonus awareness campaign ) é uma campanha internacional de conscientização sobre o CC: (1) esfregar ou coçar os olhos prejudica a visão, (2) a má informação prejudica mais que a doença.

Provavelmente se deverá ter em relação ao CC no Brasil, uma visão holística e multidisciplinar, a fim de tentar diminuir o hiato existente, acrescido de uma atividade médico-social para possível prevenção de cegueira, mesmo pelo alergista.

 

REFERÊNCIAS

1. Mukhtar S, Balamurali AK. Pediatric keratoconus: a review of the literature. Int Ophthalmol. 2018;38:2257-66.

2. Sharma N, Rao K, Mahrana PK, Vajpayee RB. Ocular allergy and keratoconus. Indian J Ophtalmol. 2013;61:407-9.

3. Hernandes-Bogantes E, Pedro-Aguilar L, Chan E, Godefrooij D. Optimal management of pediatric keratoconus: challenges and solutions. Clin Ophthalmol. 2019;(13):1183-91.

4. Balasubramanian SA, Pye DC, Willcox MD. Effects of eye rubbing on the levels of protease, protease activity and cytokines in tears: Relevance in keratoconus. Clin Exp Optom. 2013; 96:214-8.

5. Martins de Aquino B, Momoi C, Jojima CL, Mallozi MC, Freitas D, Santos MS, et al. Análise do perfil clínico de pacientes com conjuntivite alérgica em um ambulatório de alergia. Anais do 42º Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia; 2014 outubro 3-6; Vitória, Brasil.

6. Bielory L, Delgado L, Katelaris CH, Leonardi A, Rosario N, Vichyanoud P.Diagnosis and management of allergic conjunctivitis. Ann Allergy Asthma Immunol. 2020;124:118-34.

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