Logo ASBAI

Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2020 - Volume 4  - Número 2


Comunicação Clínica e Experimental

Angioedema vibratório

Vibratory angioedema

Márcia Merylane de Alencar Aquino Onofre1,2; Adrianni Barros Costa2; Paulo Eduardo Silva Belluco3


DOI: 10.5935/2526-5393.20200032

1. Hospital Regional Fernando Bezerra, Serviço de Emergência - Ouricuri, PE, Brasil
2. Afya Educacional, Curso de Alergologia - Brasília, DF, Brasil
3. Escola Superior de Ciências da Saúde / Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, Curso de Mestrado Acadêmico em Ciências da Saúde - Brasília, DF, Brasil


Endereço para correspondência:

Paulo Eduardo Silva Belluco
E-mail: paulo.belluco@camara.leg.br


Submetido em: 21/04/2020
Aceito em: 30/04/2020

RESUMO

Angioedema vibratório é uma forma rara de urticária induzida, que pode ser de caráter familiar ou adquirido. Este artigo descreve um caso clínico de uma mulher, com 33 anos de idade, fisioterapeuta, que iniciou sinais de edema e dor local após atividades de lazer ainda na adolescência e se intensificou posteriormente durante atividades profissionais. Aspectos fisiopatológicos foram discutidos, assim como avaliação laboratorial e testes de provocação. Objetivamos com este relato, ressaltar uma patologia incomum, mas que pode ter grande impacto na qualidade de vida do paciente, necessitando assim de um olhar minucioso do médico na prática clínica. Entendemos que neste caso o angioedema vibratório é efetivamente uma doença ocupacional. Constatamos que de modo geral para urticárias crônicas induzidas e no particular para angioedema vibratório, a história clínica minuciosa é a melhor forma de se obter o diagnóstico.

Descritores: Angioedema vibratório, urticária física, doença ocupacional.




INTRODUÇÃO

O angioedema vibratório é uma forma muito rara de urticária, onde um estímulo vibratório induz edema localizado e eritema dentro de minutos após o estímulo, durando 30 minutos em média1. Vários são os estímulos, incluindo correr, fricção vigorosa com uma toalha e o uso de máquinas que induzem vibração, tais como cortadores de grama, motocicletas ou simplesmente o ato de aplaudir2. O angioedema vibratório pode ter caráter familiar num padrão de herança autossômico dominante ou numa forma adquirida, que é normalmente considerada mais leve. A forma adquirida pode estar associada com outras formas de urticárias crônicas induzidas, tais como urticária colinérgica, de pressão tardia e dermografismo sintomático3. O tratamento é feito com anti-histamínicos3, porém evitar o gatilho parece ser a única estratégia útil em longo prazo2.

Descrevemos o caso de uma paciente fisioterapeuta que iniciou o quadro clínico na adolescência, em atividade de lazer (andar de motocicleta) ocasional, mas que progressivamente retornou passando a ser uma marcada doença ocupacional, tendo importante impacto na sua qualidade de vida.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 33 anos, branca, residente em Exu-PE, fisioterapeuta, relata que durante sua adolescência há aproximadamente 15 anos, percebeu o aparecimento de intenso prurido e eritema em membros inferiores e pés, associado a andar de motocicleta. Refere ainda que o quadro se mantinha sempre que se submetia a esse estímulo, porém era autolimitado, não fazendo uso de nenhum medicamento anti-histamínico ou qualquer outra medida terapêutica.

No entanto, há 10 anos, quando já tinha se forma-do em Fisioterapia, notou o ressurgimento de edema e eritema seguido de intenso prurido em mãos e antebraços quando manuseava aparelho massageador com capacidade vibratória, evidenciando o caráter ocupacional da referida patologia. As crises se tornaram progressivamente mais intensas e o prurido se tornou tão incapacitante que a leva a interromper temporariamente seu trabalho, como única forma de reduzir o mesmo. Os sintomas são autolimitados, desaparecendo em até 60 minutos após seu início. Manifestações sistêmicas em nenhum momento foram observadas.

Não faz uso de medicações regulares, nega relação de crises com uso de anti-inflamatórios não hormonais e história médica pregressa não apresenta relevância para o caso. Além disso, a paciente nega antecedentes familiares de edemas similares relacionados a estímulos vibratórios.

Com base na história clínica característica, aventou-se a hipótese diagnóstica de angioedema vibratório. Dessa forma, visando comprovar a impressão, a paciente foi submetida a teste de provocação. Para esse fim, aplicou-se força vibratória na face anterior do antebraço direito que teve sua circunferência medida previamente (Figura 1). O aparelho utilizado como vórtex vibratório no teste foi o "esculptor body", de fabricação chinesa na velocidade de 2700 rpm e potência de 25 W. O aparelho é o mesmo utilizado de modo laboral pela paciente.

 


Figura 1. A - Circunferência do antebraço no pré-teste: 18,2 cm; B - Vórtex vibratório no antebraço direito.

 

O teste foi mantido por 10 minutos, mas já com 20 segundos foi referido prurido local. Imediatamente ao término da provocação, a paciente referiu dor e prurido significante. Constatou-se edema e hiperemia local bem como aumento de 9 mm na circunferência do antebraço (Figura 2). Os sinais e sintomas persistiram por aproximadamente 10 minutos. Sinais vitais se mantiveram normais durante toda a provocação. Não foram encontradas alterações sistêmicas. Como controle foi realizado o mesmo teste em 5 voluntários sadios e em 5 parentes da paciente, sendo todos negativos.

 


Figura 2. C - Eritema e edema em antebraço direito; D - Circunferência do antebraço direito pós-teste: 19,1 cm.

 

Além disso, realizou-se a dosagem de histamina sérica antes do procedimento (0,09 µg/dL) e 30 minutos depois (2,30 µg/dL - valor de referência ≤ 0,11 µg/dL), mostrando um aumento significante após o procedimento. Hemograma e provas de função renal, hepática e tireoidiana foram todos normais. Dosagem de C4 (26 mg/dL), bem como fator inibidor de C1 esterase (33 mg/dL) também estavam na faixa de normalidade.Testes específicos para outras urticárias crônicas induzidas como urticária ao frio, de pressão tardia e dermografismo sintomático (teste do cubo de gelo, teste do saco de areia e teste da espátula, respectivamente) foram realizados e todos negativos. Concluímos tratar-se realmente de um caso de angioedema vibratório.

 

DISCUSSÃO

Angioedema vibratório é uma rara urticária física, com sintomas de prurido e edema cutâneo quando exposto à vibração1-4. Alguns gatilhos são classicamente comuns. A paciente conta nítida história de crises ao andar de motocicleta conforme o visto na literatura1,4. Existem estímulos descritos de caráter ocupacional, como o que ocorre, por exemplo, em carpinteiros e mecânicos4. Da mesma forma, a paciente reapresentou o quadro de modo laboral, ao se tornar fisioterapeuta e manusear aparelho vibratório. Outros gatilhos são bem raros, incluindo relato de caso em saxofonista5 ou até mesmo num professor de trompete6. Há ainda casos bizarros em que o gatilho seria o ronco do próprio paciente4. Não encontramos na literatura nenhum relato de caso ocorrido em fisioterapeuta cujo estímulo seria o referido aparelho de trabalho.

Essa forma de angioedema pode ser familiar com padrão autossômico dominante ou uma forma adquirida, considerada mais leve. Vimos detalhadamente na história da paciente que não há dados familiares sugestivos. Mesmo assim, resolvemos submeter cinco familiares ao mesmo teste de provocação, sendo que todos foram efetivamente negativos. Desse modo, acreditamos que a forma adquirida é o tipo presente nesse caso.

Degranulação de mastócitos é o mecanismo fisiopatológico proposto, mas não é sempre observado7. Em consequência, os níveis de histamina podem estar elevados durante as crises3. Estudo recente em indivíduos com angioedema vibratório mostrou um significante aumento da histamina sérica após provocação8. Realizamos a dosagem de histamina na paciente antes e 30 minutos após o desencadeamento, visando tentar demonstrar esse mecanismo. Constatamos elevação conforme o referido na literatura. Ainda relacionado à patogênese, recentemente uma mutação no "ADGRE2" foi descrita numa família afetada9. No entanto, outro estudo maior não confirmou essa mutação8.

Clinicamente constatamos uma paciente hígida sem comorbidades. Laboratorialmente, exames de rotina básicos foram normais. Fizemos ainda dosagem de C4 e fator inibidor de C1 esterase como triagem, afastando angioedema hereditário.Testes específicos de provocação para outras urticárias crônicas induzidas foram justificadas pela ocorrência simultânea comum de outras formas de urticárias nesses casos3.

O angioedema vibratório é considerado uma doença localizada na área afetada pelo estímulo vibratório. No entanto, da mesma forma que outras urticárias crônicas induzidas, ela pode evoluir, mesmo que raramente, para uma anafilaxia. Relato publicado demonstra uma senhora de 53 anos que ao usar colchão com massagem vibratória desenvolveu prurido difuso, seguido por hiperemia generalizada, náuseas com vômitos e síncope. O clássico quadro de anafilaxia foi somente revertido pelo pronto-atendimento hospitalar com administração de adrenalina intramuscular e demais medicamentos necessários10.

O diagnóstico de angioedema vibratório é feito pela colocação de um vórtex vibratório no antebraço da paciente por 10 minutos11. Um pequeno estudo, observando 20 voluntários sadios que foram submetidos ao estímulo vibratório, 7 desenvolveram uma resposta positiva. O estudo questionou a especificidade do teste do vórtex para o diagnóstico12. Decidimos utilizar o mesmo equipamento referido, justamente para identificar o caráter ocupacional da entidade. O "esculptor body" é utilizado na fisioterapia para promover massagem por movimentos vibratórios aumentando a circulação sanguínea local. Dessa forma a massagem é entendida como a manipulação mecânica do tecido corporal. Através de movimentos rítmicos favorece o aumento do fluxo sanguíneo, com consequente aumento da remoção do lactato, proporcionando redução de edema e dor13. No entanto, procurando descartar uma reação falso-positiva, utilizamos o mesmo equipamento pelo mesmo tempo em 10 pacientes (5 controles sadios e 5 controles familiares), e todos foram negativos.

Entendemos que nesse caso o angioedema vibratório é efetivamente uma doença ocupacional. Constatamos que de modo geral para urticárias crônicas induzidas e no particular para angioedema vibratório, a história clínica minuciosa é a melhor forma de se obter o diagnóstico. Acreditamos que se deva utilizar o mesmo equipamento ofensor na provocação, por ser esse o instrumento usado no ambiente laboral, permitindo que se faça um laudo específico e detalhado do problema. Portanto, evitar o uso do referido equipamento, com a devida orientação a paciente em relação a outros estímulos vibratórios, se torna a melhor opção terapêutica.

 

REFERÊNCIAS

1. Grattan CE, Saini SS. Urticaria and angioedema. In: Bolognia JL, Shaffer JV, Cerroni L, eds. Dermatology. 4ª ed. China: Elservier; 2018. p. 304-19.

2. Grattan CE, Borzova E. Urticaria, angioedema, and anaphylaxis. In: Rich RR, Fleisher TA, Shearer WT, eds. Clinical Immunology: Principles and practice. 5ª ed. China: Elservier; 2019. p. 585-600.

3. James WD, Elston DM, Treat JR, et al. Erythema and urticaria. In: James WD, Elston DM, Treat JR, eds. Andrews' Diseases of the Skin. 13ª ed. China: Elsevier; 2020. p. 140-56.

4. Kalathoor I. Snoring-induced vibratory angioedema. Am J Case Rep. 2015;16:700-2.

5. Patruno C, Ayala F, Cimmino G, Mordente I, Balato N. Vibratory angioedema in a Saxofonist. Dermatitis. 2009;20(6):346-50.

6. Sarmast SA, Fang F, Zic J. Vibratory angioedema in a trumpet professor. Cutis. 2014;93(2):E10-1.

7. Keahey TM, Indrisano J, Lavker RM, Kaliner MA.Delayed vibratory angioedema:insights into pathophysiologic mechanisms.J Allergy Clin Immunol. 1987;80(6):831-8.

8. Zhao Z, Reimann S, Wang S, Wang Y, Zuberbier T.Ordinary vibratory angioedema is not generally associated with ADGRE2 mutation. J Allergy Clin Immunol. 2019;143(3):1246-8.

9. Boyden SE, Desai A, Cruse G, Young ML, Bolan HC, Scott LM, et al. Vibratory urticaria associated with a missense variant in ADGRE2. N Engl J Med. 2016;374:656-63.

10. Alpern ML, Campbell RL, Rank MA, Park MA, Hagan JB. A case of vibratory angioedema. Ann Allergy Asthma Immunol. 2016;116:588-9.

11. Magerl M, Borzova E, Giménez-Arnau A, Grattan CEH, Lawlor F, Mathelier-Fusade P, et al. The definition and diagnostic testing of physical and cholinergic urticarias - EAACI/GA2LEN/EDF/UNEV consensus panel recommendations. Allergy. 2009;64:1715-21.

12. Mathelier-Fusade P, Vermeulen C, Leynadier F.Vibratory angioedema [in French]. Ann Dermatol Venereol. 2001;128:750-2.

13. Silva LPO, Oliveira MFM, Caputo F. Métodos de recuperação pósexercício. Rev educ fis UEM [online]. 2013;24(3):489-508.

2024 Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Rua Domingos de Morais, 2187 - 3° andar - Salas 315-317 - Vila Mariana - CEP 04035-000 - São Paulo, SP - Brasil - Fone: (11) 5575.6888

GN1 - Sistemas e Publicações