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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2020 - Volume 4  - Número 2


Comunicação Clínica e Experimental

Urticária crônica espontânea de difícil tratamento: existiria um lugar para usar dapsona na falta de omalizumabe?

Spontaneous chronic urticaria of difficult treatment: is there a place to use dapsone in the lack of omalizumab?

Francisco Machado Vieira


DOI: 10.5935/2526-5393.20200030

Clínica de Alergia e Imunologia, Diretor Clínico - Caxias do Sul, RS, Brasil


Endereço para correspondência:

Francisco Machado Vieira
E-mail: famvieira@hotmail.com


Submetido em: 10/03/2020
Aceito em: 19/05/2020

RESUMO

Muitos estudos sugerem que a urticária crônica espontânea (UCE) seja uma doença autoimune.A primeira linha de tratamento consiste no uso de anti-histamínicos H1 de segunda geração, que podem ser empregados em até quatro vezes a dose recomendada. A Dapsona - diaminodifenil sulfona (DDS) - é um quimioterápico com propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias. Em dermatologia, a DDS é usada em doenças nas quais predominam neutrófilos. O omalizumabe é um anticorpo monoclonal, que se liga às moléculas de IgE na circulação e impede que estas IgEs se liguem aos seus receptores. Omalizumabe é recomendado como terceira linha de tratamento de pacientes com UCE, refratários a anti-histamínicos em doses quadriplicadas, na dose de 300 mg a cada quatro semanas. Paciente do sexo feminino, com 41 anos, com UCE sem períodos de remissão por mais de um ano, tratada sem sucesso, com diferentes anti-histamínicos. Existia uma extensa investigação laboratorial. Foi-lhe administrada Cetirizina (anti-histamínico H1 de segunda geração), em elevada dose (40 mg/dia) associada a antileucotrieno (10 mg/dia) por um período de duas semanas. No final do período, a UCE manteve-se completamente inalterada. Foi realizada biopsias das urticas com diagnóstico histopatológico "Dermatite neutrofílica com infiltrado intersticial neutrofílico, sem vasculite ativa e sem eosinófilos". Na falta de omalizumabe, a paciente continuou o tratamento com Cetirizina (40 mg/dia), agora associado a 100 mg/dia de DDS. Atualmente, após 16 semanas de observação, seu quadro mantém-se estável, com urticas ausentes, afora alguns surtos leves, intermitentes. Poder-se-ia usar a DDS na UCE refratária a anti-histamínicos? Alguns estudos bem conduzidos oferecem essa oportunidade.

Descritores: Urticária, dapsona, omalizumabe.




Muitos estudos sugerem que a urticária crônica espontânea (UCE), seja uma doença autoimune1.

A primeira-linha de tratamento consiste no uso de anti-histamínicos H1 de segunda geração, que podem ser empregados em até quatro vezes a dose recomendada1,2. Contudo, até 50% dos pacientes respondem incompletamente aos anti-histamínicos, e muitos outros tratamentos são usados2.

A dapsona, conhecida como diaminodifenil sulfona (DDS), é um quimioterápico antigo, com propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias, embora, algumas vezes, seja usado na UCE. É considerado que ela atua como antileucotrieno, inibe a atividade de prostaglandinas, desativa moléculas de adesão para neutrófilos, suprime os sinais de ativação para seu recrutamento e interfere na liberação ou função de enzimas, como a mieloperoxidade3.

Em dermatologia, a DDS é usada em doenças nas quais predominam neutrófilos, sendo um tratamento válido para várias patologias nessa área, pois é bem tolerado, seguro e barato4.

Embora a hemólise seja o evento adverso mais comum, associada a uma diminuição do nível de hemoglobina, na maioria das vezes, não necessita de descontinuação. Esses efeitos adversos são reversíveis e previsíveis, pois 80% dos pacientes em uso de DDS 50 mg, ou mais, apresentam queda no nível de hemoglobina ao redor de 1 g/dL3.

A DDS é distribuída no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento de doenças como hanseníase, entre outras. Não é encontrada em farmácias comerciais, porém pode ser prescrita por médicos naquelas de manipulação.

O omalizumabe é um anticorpo monoclonal, que se liga às moléculas de IgE na circulação e impede que estas IgEs se liguem aos seus receptores. Além disso, o omalizumabe já foi aprovado para UCE, pela ANVISA, no Brasil, desde dezembro de 2015.

Atualmente, o omalizumabe é recomendado como terceira linha de tratamento de pacientes com UCE, refratários a anti-histamínicos em doses quadriplicadas, maiores de 12 anos, na dose de 300 mg a cada quatro semanas1. Infelizmente, uma importante dificuldade é seu elevado custo, nem sempre acessível a muitos pacientes, ou mesmo através dos provedores de planos de saúde.

De acordo com estudo duplo-cego, placebocontrolado, em 22 pacientes com UCE, refratários ao tratamento com anti-histamínicos, foi usado a DDS na dose de 100 mg/dia pelo período de 14 semanas.

O resultado demonstrou que três pacientes apresentaram completa resolução das urticas e do prurido, enquanto, em 31% e 41% deles, houve elevada resolução de ambos, respectivamente, considerando-se o valor ≥50%. Observou-se que os indivíduos que responderam à DDS usaram, subsequentemente, me-nos medicação, enquanto que os não respondedores foram submetidos a medicação de segunda linha5.

Uma predominância de neutrófilos pode ser avaliada em biopsias de pele em pacientes com UCE crônica. Encontrou-se em 75% (38/51) um infiltrado inflamatório predominando neutrófilo. Em vista dos resultados, foram propostos estudos prospectivos comparando biopsias de urticária aguda e crônica, que deveriam ser avaliadas para melhor analisar a relação existente entre infiltração celular e resposta terapêutica6.

Dentro das devidas limitações, é relatada uma história clínica resumida, porém associada a circunstâncias da "vida real". A paciente C.L.S., 41 anos, com UCE sem períodos de remissão por mais de um ano, tratada sem sucesso por dermatologistas e clínicos com diferentes anti-histamínicos, fazia uso intermitente de corticosteroide oral e/ou de depósito e relatava múltiplos atendimentos em serviços de urgência.

Existia uma extensa investigação laboratorial, incluindo aquelas básicas como hemograma completo, VHS, PCR e provas de função tireoidiana, sem relação com outras patologias. A medicação contínua usada consistia unicamente de fluoxetina e anticonceptivo oral.

Foi-lhe administrado cetirizina (anti-histamínico H1 de segunda-geração), em elevada dose (40 mg/ dia) associada a antileucotrieno (10 mg/dia) por um período de duas semanas. No final do período, a UCE manteve-se completamente inalterada.

O diferencial na rotina comum foi a realização de biopsias das urticas em três locais distintos e o fato de haver um diagnóstico histopatológico através de dermatopatologista: "Dermatite neutrofílica com infiltrado intersticial neutrofílico, sem vasculite ativa e sem eosinófilos, com ausência de extravasamento de hemácias, sendo que os achados favorecem o diagnóstico de urticária crônica."

Prescreveu-se omalizumabe, com relatório dos motivos, na dose de 300 mg a cada quatro semanas, tendo seu provedor de plano de saúde, através de auditores, negado auxílio no tratamento.

A DDS pode auxiliar pacientes que respondem, pobremente, aos anti-histamínicos na UCE, no qual o infiltrado inflamatório é predominantemente neutrofílico5. Coincidentemente, era, no momento, aquilo que representava a paciente.

Antes, ou imediatamente após o início do tratamento com DDS, deve-se solicitar hemograma completo e dosagem de Glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), para monitorar uma possível/previsível diminuição de hemoglobina. Esses efeitos podem ser minimizados não ultrapassando a dose de 100 mg em pessoas saudáveis. Quando em tratamentos prolongados, é recomendável associarem-se provas de função hepática.

Na falta de omalizumabe, a paciente continuou o tratamento com cetirizina (40 mg/dia), agora associado a 100 mg/dia de DDS. No final de duas semanas, a UCE se mostrou completamente controlada relativamente ao prurido e às urticas.

Atualmente, após 16 semanas de observação, seu quadro mantém-se estável, com urticas ausentes, afora alguns surtos leves no intervalo aproximado de cada duas a três semanas, facilmente controlados com curta série de corticosteroides.

Seu nível de hemoglobina diminuiu 1 g, mesmo com resultado normal de G6PD com 12,20 U/g hemoglobina (ref. superior a 2,4 U/g hemoglobina).

Poder-se-ia usar a DDS - "uma senhora idosa com muitos atributos", como uma segunda ou terceira linha de tratamento na UCE refratária a anti-histamínicos e/ou a outros agentes de primeira linha quando esses tiverem falhado? Alguns estudos bem conduzidos oferecem essa oportunidade3-5.

Considerando-se particularmente a ciclosporina afora o omalizumabe, a primeira droga é efetiva e usada também na UCE; entretanto, precisa haver uma monitoração rigorosa dos níveis séricos da função renal, da pressão arterial, além de ser um medicamento de elevado custo.

Na prática clínica, as condições locais e de alguns pacientes como o relatado, bem como a análise individual, poderiam se sobrepor às dificuldades encontradas na terapêutica.

 

REFERÊNCIAS

1. Zuberbier T, Aberer W, Asero R, Abdul Latiff AH, Baker D, Ballmer-Weber, et al. The EAACI/GA(2)LEN/EDF/WAO Guideline for Definition, Classification, Diagnosis and Management of Urticaria: The 2017 revision and update. Allergy. 2018;73(7):1145-6.

2. Kaplan AP. Diagnosis, pathogenesis, and treatment of chronic spontaneous urticaria. Allergy Asthma Proc. 2018;39(3);184-90.

3. Liang SE, Hoffmann R, Peterson E, Soter NA. Use of Dapsone in the treatment of chronic idiopathic and autoimune urticaria. JAMA Dermatology. 2019;155(1):90-5.

4. Anzengruber F, Schenk J, Graf V, Nordmann TM, Guenova E, Dummer R. Dapsone in large tertiary center: Outdated therapeutic options or timeless agent? Dermatology. 2019;11:1-8.

5. Morgan M, Cooke A, Rogers L, Adams-Huet B, Khan DA. Double - blind placebo - controlled trial of Dapsone in antihistamine refractory chronic idiopatic urticaria. J Allergy Clin Immunol Pract. 2014;2(5):601-6.

6. Monfort JB, Moghelet P, Amsler E, Francès C, Barbaud A, Soria A. What is neutrophilic urticaria. Annales de Dermatologie et de Veneorologie. 2019;146(5):346-53.

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