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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2019 - Volume 3  - Número 3


Imagens em Alergia e Imunologia

Síndrome de Melkersson-Rosenthal

Melkersson-Rosenthal syndrome

Adriana Pereira de Lira Marques1; Paulo Eduardo Silva Belluco2


DOI: 10.5935/2526-5393.20190047

1. Clínica de Diagnóstico em Alergia e Imunologia, CDAI - Brasília, DF, Brasil
2. Câmara dos Deputados, Departamento Médico - Brasília, DF, Brasil


Endereço para correspondência:

Paulo Eduardo Silva Belluco
E-mail: paulo.belluco@camara.leg.br

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.


Submetido em: 10/09/2019
Aceito em: 16/09/2019

RESUMO

A síndrome de Melkersson-Rosenthal é uma doença rara que pode se apresentar como uma tríade clássica de edema orofacial, paralisia facial e língua fissurada ou, mais frequentemente, com características oligo/monossintomáticas. Relatamos um caso que aportou a um alergista para o diagnóstico de um angioedema, e que na avaliação se configurou como a síndrome completa. Diagnósticos diferenciais com angioedema alérgico, hereditário, idiopático e com outras patologias devem ser considerados. Apesar de o diagnóstico ser clínico, a biópsia cutânea foi relevante. Objetivamos alertar o especialista que se depara com angioedema crônico recorrente sobre essa patologia.

Descritores: Síndrome de Melkersson-Rosenthal, angioedema, paralisia facial, língua fissurada.




Introdução

A síndrome de Melkersson-Rosenthal é uma doença incomum que pode se apresentar com uma tríade clássica de edema orofacial, paralisia facial e língua fissurada ou, de modo mais comum, com edema isolado. Relatamos um caso de paciente evidenciando toda a problemática para se realizar o diagnóstico de um edema orofacial. O diagnóstico da síndrome é essencialmente clínico. Casos assim costumam chegar ao alergista devido à possibilidade de se tratar de um angioedema alérgico, hereditário, idiopático histaminérgico ou não histaminérgico, porém outras causas para edema e doenças granulomatosas também devam ser consideradas. O histopatológico foi essencial na conclusão do caso e no correto encaminhamento terapêutico. Por fim, chamamos a atenção que apesar do bom prognóstico, há recente evidência que esses pacientes devam ser monitorados quanto a possível desenvolvimento de doença inflamatória intestinal.

O presente relato de caso objetiva alertar os especialistas sobre a importância dessa síndrome e de tê-la em mente ao abordar pacientes com edema crônico ou recorrente, especialmente de localização orofacial.

 

Relato de caso

Paciente masculino, 42 anos, pardo, com história de edema labial inferior direito e palpebral à esquerda há 3 meses (Figura 1). Apresenta, ainda, parestesia no local do edema em lábio inferior. Nega associação com urticas, dispneia ou sibilância. Não havia associação com febre, e na revisão de sistemas não apresenta qualquer outro sintoma. Fazia uso frequente de antinflamatórios não esteroidais, porém sem notar relação com o angioedema.

 


Figura 1 Angioedema em lábio inferior direito e pálpebra superior esquerda

 

Ao exame físico, chamava a atenção, além do marcado edema, a presença de língua fissurada (Figura 2).

 


Figura 2 Língua fissurada

 

Em termos de tratamento, já havia feito uso de anti-histamínicos de primeira geração e corticosteroides orais por curtos períodos, com discutível melhora, mas sem nunca ter apresentado remissão completa. No momento da avaliação, foi levantada a hipótese de angioedema idiopático não histaminérgico, sendo então prescrito ácido tranexâmico como prova terapêutica. A evolução mostrou uma piora do edema, sendo suspensa a referida droga, e aventada a possibilidade de angioedema idiopático histaminérgico. Nesse sentido, foi prescrito desloratadina, também sem se obter êxito.

Como os exames não mostraram alterações (Tabela 1), e por não obter resposta aos medicamentos prescritos, decidiu-se por realizar biópsia da face interna do lábio inferior direito. O histopatológico foi compatível com queilite granulomatosa, corroborando com o diagnóstico da síndrome de Melkersson-Rosenthal (Figura 3).

 

 

 


Figura 3 Histopatológico: presença de granulomas epitelioides bem formados

 

Na explanação do diagnóstico ao paciente, ele reportou dois episódios prévios (há aproximadamente 10 anos) de paralisia facial, que foram revertidos com tratamento fisioterápico.

Dessa forma, dentre as diversas opções terapêuticas, decidiu-se pela prescrição de prednisolona 80 mg por 1 mês, com melhora significativa do edema. Segue em rigoroso monitoramento clínico.

 

Discussão do caso

A síndrome de Melkersson-Rosenthal é uma síndrome neuromucocutânea rara, com uma incidência estimada de 0,08% na população em geral1. Não há predileção por sexo ou raça2. O paciente desenvolveu o quadro de edema aos 42 anos de idade. De modo contrário, a literatura refere que o início da doença é mais frequente em adultos jovens, entre a segunda e terceira década de vida1. No entanto, temos que lembrar que seus episódios de paralisia facial ocorreram na faixa dos 30 anos, o que poderia, naquele momento, ser uma forma mono/oligossintomática da síndrome.

O caso se apresentou com um padrão completo da síndrome, mesmo tendo sido descoberto os episódios de paralisia facial posteriormente. Porém, a tríade plena da entidade, na qual a granulomatose orofacial é acompanhada por paralisia facial e língua fissurada ocorre em apenas 8 a 25% dos casos3. A língua fissurada é a característica menos comum, sendo muitas vezes um dado clínico pouco valorizado pelo generalista.

A etiologia e a patogênese são desconhecidas. Tem sido postulado associação de fatores genéticos, alérgicos, infecciosos e imunológicos, mas nenhum desses fatores tem sido comprovado até o momento. A associação, certas vezes, com megacólon, otosclerose e craniofaringioma sugere uma teoria de origem neurotrófica4. Pode ser familiar. Em trabalho recémpublicado, após diagnóstico da patologia em menina de 14 anos com a tríade clássica, constataram-se sinais comuns no pai e na tia pelo lado paterno5. Não pudemos ainda observar sinais em familiares do caso avaliado.

Edema orofacial é o sintoma mais comum e foi esse o dado que o levou a procurar assistência. Ele tinha significativo edema em lábio inferior, porém nos relatos de casos da literatura a área afetada mais comum é o lábio superior3. Outras áreas, como a área periorbital, regiões malares e mento, podem também ser afetadas. Ele também tinha comprometimento palpebral. Essa forma monossintomática na qual há edema episódico do lábio tem sido chamada de queilite granulomatosa de Miescher, ou queilite granulomatosa2. O edema tende a ter episódios repetidos em intervalos regulares3. O achado histopatológico típico é uma dermatite granulomatosa não caseosa.

Interessante notar que o caso em questão não evidenciava sinais atuais de paralisia facial. Porém, quando já se tinha o resultado do histopatológico e se foi discorrer sobre o diagnóstico, o paciente se lembrou de episódios severos de paralisia facial prévia que foram revertidos com fisioterapia. Esse aspecto difere frontalmente do relatado em trabalhos científicos. Nestes, o comprometimento do nervo facial surge após meses ou anos do edema facial. Pode ocorrer em um ou ambos os lados da face, e pode se tornar permanente após múltiplos episódios6. Especulamos se o edema já não ocorria previamente, mas tinha um aspecto subclínico, por isso não ter sido realizado o diagnóstico.

O diagnóstico é clínico. Assim, embora não seja obrigatória, uma biópsia pode ser necessária para diferenciar a síndrome de outras condições, especialmente a doença de Crohn6. No paciente atendido, acreditamos que a decisão de se realizar a biópsia tenha sido acertada, pois necessitávamos estar seguros para indicar um tratamento com corticosteroide em alta dose por tempo prolongado. A histopatologia mostra aglomerados intra e extravasculares de células histiocíticas-epitelioides e granulomas não caseosos.

Quanto ao diagnóstico diferencial da síndrome, deve-se incluir um amplo painel de condições heterogênas, principalmente representado por outras doenças granulomatosas, tais como reação de corpo estranho, sarcoidose, doença de Crohn, vasculite de Wegener, amiloidose e uma ampla variedade de infecções; paralisia de Bell, herpes orofacial, rosácea, dermatite de contato e reações alérgicas devem também ser consideradas1. Ressaltamos que a biópsia afastou quadros fúngicos ou bacterianos.

Até o momento não há tratamento conhecido satisfatório. Corticosteroides, anti-inflamatórios não esteroidais e limeciclina têm sido utilizados1. Há relatos também de resultados satisfatórios com clofazimina, talidomida, metotrexate e infliximab2. Entre esses tratamentos, corticosteroides permanecem a primeira linha, com uma boa resposta na redução do edema orofacial3. Para o caso decidiu-se tentar o uso de prednisolona na dose de 1 mg/kg durante 30 dias, por acreditarmos ser a droga de mais fácil manuseio, e por ainda não ter sido tentado com esse esquema posológico. Essa escolha foi embasada em relatos de caso da literatura com bom êxito. Recentemente, foi publicado caso no qual se utilizou prednisona por 1 mês, com remissão do edema, sendo o paciente orientado a utilizar a mesma prednisona sob demanda (por curtos períodos) em novas exacerbações1. Em caso publicado no JACI in Practice, se utilizou a prednisolona por 3 semanas, com redução posterior6. Triancinolona injetável também pode ser usada tanto isolada, quanto em combinação com dapsona2. Em relato de caso exposto no XLIII Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia se optou pela triancinolona injetável local com clofazimina oral, com bom resultado7.

Em termo prognóstico, há trabalho atual de seguimento de 27 pacientes com a síndrome de Melkersson-Rosenthal por 30 anos, evidenciando uma probabilidade (11%) de desenvolvimento de doença inflamatória intestinal (colite ulcerativa ou doença de Crohn)8. Ressaltamos que a calprotectina fecal foi utilizada como método de triagem nesse estudo, o que poderemos utilizar também no caso associado à adequada avaliação clínica.

Em conclusão, o relato de caso destaca a síndrome de Melkersson-Rosenthal, evidenciando que é uma patologia a que devemos estar atentos, especialmente em pacientes com edema orofacial. Precisamos ativamente buscar os sinais de paralisia facial e língua fissurada nesses indivíduos, embora nem sempre presentes. Ressaltamos que apesar de ter um diagnóstico eminentemente clínico, o diferencial é vasto, sendo que o histopatológico pode auxiliar. O tratamento passa por uso de corticosteroide por tempo prolongado, mas outras opções existem. Por fim, lembrar-se do acompanhamento por longo prazo pela possibilidade de desenvolvimento de doença inflamatória intestinal; entretanto novos estudos são necessários para reforçar essa afirmação.

 

Referências

1. Cancian M, Giovannini S, Angelini A, Fedrigo M, Bendo R, Senter R, et al. Melkersson-Rosenthal syndrome: a case report of a rare disease with overlapping features. Allergy, Asthma Clin Immun. 2019;15:1-5.

2. Patterson JW. Weedon's Skin Pathology. 4ª ed. Londres: Elsevier; 2016.

3. Lin TY, Chiang CH, Cheng PS. Melkersson-Rosenthal syndrome. J Formosan Med Ass. 2016;115:583-4.

4. Mansour M, Mahmoud MB, A Kacem, Zaouali J, Mrissa R. Melkersson-Rosenthal syndrome: About a Tunisian family and review of the literature. Clinical Neurology and Neurosurgery. 2019;185:105457.

5. James W, Elston D, Treat R, Rosenbach M, Neuhaus I. Andrew's Diseases of the Skin. 13ª ed. Londres: Elsevier; 2019.

6. Bakshi SS. Melkersson-Rosenthal syndrome. J Allergy Clin Immunol Pract. 2017;5(2):471-2.

7. Moraes OC, Tinoco IF, Carvalho JL, et al. Queilite de Miescher monossitomática da síndrome de Melkersson-Rosenthal: Relato de caso. XLIII Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia. 2016; PO 267.

8. Haaramo A, Kolho KL, Pitkaranta A. A 30-year follow-up study of patients with Melkersson-Rosenthal syndrome shows an association to inflammatory bowel disease. Ann Med. 2019;51(2):149-55.

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