Logo ASBAI

Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2019 - Volume 3  - Número 3


Artigo Original

Esofagite eosinofílica numa consulta de alergia alimentar: caracterização e comparação entre idade pediátrica e idade adulta

Eosinophilic esophagitis at a food allergy appointment: characterization and comparison between pediatric and adult ages

Sara Carvalho1; Célia Costa1; João Marcelino1; Fátima Cabral Duarte1; Manuel Pereira Barbosa1,2


DOI: 10.5935/2526-5393.20190041

1. Hospital Santa Maria - Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Serviço de Imunoalergologia - Lisboa, Portugal
2. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Clínica Universitária de Imunoalergologia - Lisboa, Portugal


Endereço para correspondência:

Sara Carvalho
E-mail: saracarvalho111@hotmail.com

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.


Submetido em: 27/09/2019
Aceito em: 01/10/2019

RESUMO

INTRODUÇÃO: Esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada imunologicamente e caracterizada por sintomas relacionados com disfunção esofágica e infiltração da mucosa esofágica por eosinófilos (Eo). Os objetivos foram caracterizar os doentes com diagnóstico de EoE e analisar as diferenças entre doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr, < 18 anos) e adulta (Ad, ≥ 18 anos).
MÉTODOS: Estudo observacional retrospetivo dos doentes seguidos no serviço de Imunoalergologia, no período de Fev/2009 a Jul/2017, com diagnóstico de EoE. Foram divididos em dois grupos, Cr e Ad, caracterizados de acordo com dados demográficos, história de atopia, sintomas, sensibilizações alimentares, IgE Total, eosinofilia, achados na endoscopia digestiva alta e biópsias. Avaliou-se a correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave (ClinG), ou seja, idas ao serviço de urgência ou internamento por complicações de EoE ou histologia grave (HistG), biópsia com Eo > 50 e/ou microabcessos.
RESULTADOS: 74 pacientes (81% sexo masculino, média de idades 27±17 anos), 36 Cr e 38 Ad. Os sintomas mais frequentemente reportados foram, no grupo Cr disfagia (73%) e refluxo gastroesofágico (46%), enquanto no grupo Ad impactação (85%) e disfagia (56%). Foram referidos antecedentes de atopia em 96% das Cr, e 67% dos Ad. Em 77% das Cr e 69% dos Ad havia sensibilização alimentar. Os achados endoscópicos mais frequentes no grupo Cr foram estriação (65%) e placas brancas (50%), enquanto que no grupo Ad foram placas brancas (42%) e anéis esofágicos (35%). HistG (46%) associou-se a ClinG (35%), p = 0,001, nas Cr, mas o mesmo não foi objetivado no grupo Ad [ClinG (22%) e HistG (17%), p = 0,5].
CONCLUSÃO: Os nossos resultados estão de acordo com o descrito na literatura, observando-se um predomínio do sexo masculino e uma maior frequência de história de atopia e sensibilização alimentar no grupo Cr. As situações graves de impactação e estenose esofágica foram mais frequentes nos Ad, e objetivou-se uma associação de histologia grave com clínica grave, apenas nas Cr.

Descritores: Atopia, biópsia esofágica, endoscopia digestiva alta, eosinófilos, esofagite eosinofílica, sensibilização alimentar.




Introdução

A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada imunologicamente e caracterizada por sintomas relacionados com disfunção esofágica e infiltração da mucosa esofágica por eosinófilos1-10.

A EoE foi, pela primeira vez, descrita nos anos 19902,4,7,9 e a sua prevalência é atualmente de cerca de 30-52 casos por 100.000 habitantes nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa, com uma incidência crescente nos últimos anos1-4,8,9.

A EoE afeta predominantemente indivíduos caucasianos do sexo masculino, com uma relação de 3:11,2,4-7,10. Habitualmente, tem início em idade escolar até a quinta década de vida1. A maioria destes doentes, até 80%, apresentam uma história pessoal ou familiar de atopia, como asma, rinite, eczema e/ou alergia alimentar1,3-5,7-13.

Os critérios de diagnósticos de EoE considerados na atualidade encontram-se resumidos na Tabela 114.

 

 

Do ponto de vista clínico, os sintomas variam de acordo com a idade de apresentação, que pode incluir, nas crianças, sintomas considerados inespecíficos como vômitos, recusa alimentar ou dor abdominal. Na idade adulta é mais frequentemente caracterizado por queixas de disfagia, dor torácica e impacto alimentar. A EoE é a principal causa de disfagia e impacto alimentar nas crianças e adultos jovens2,4,7,9,10,15.

A endoscopia digestiva alta (EDA) é o meio complementar de diagnóstico indicado para o estudo deste tipo de patologia, sendo os achados mais comuns: manchas brancas (representativas de exsudados eosinofílicos), edema da mucosa, sulcos lineares, anéis concêntricos (traquealização esofágica) e diminuição do calibre esofágico1,3-10. A remodelação crônica pode ser representada pela existência de estenoses e pelo chamado "esôfago de papel crepe", no qual ocorrem ruturas lineares em resposta a traumas mínimos, como a passagem do endoscópio1,3,4,8,9. Apesar de típicos, estes sinais endoscópicos não são patognomônicos da EoE, nem são suficientes para tomar decisões diagnósticas2,3,7-9. Além destes achados, é essencial a realização de biópsias esofágicas, havendo a recomendação de realizar pelo menos seis biópsias de dois locais diferentes2,4,8. Os eosinófilos estão tipicamente presentes em todo o trato gastrointestinal, pois este é continuamente exposto a alimentos, alergênios ambientais, toxinas e múltiplos patógenos. Em indivíduos saudáveis, o esôfago é o único órgão em que os eosinófilos estão geralmente ausentes, sendo assim uma marca histológica da EoE. Para estabelecer o diagnóstico de EoE, utiliza-se o valor de cut-off de pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande ampliação, com uma sensibilidade de 100% e especificidade de 96%1,4,7-9. Para se assumir este diagnóstico é ainda necessário que sejam excluídas outras causas de eosinofilia esofágica (Tabela 2)1,2,4,9,10.

 

 

A EoE caracteriza-se por uma barreira esofágica comprometida e um aumento da atividade dos linfócitos T helper tipo 2 (Th2)1-5,7-9, com níveis elevados de citocinas Th2, como interleucina (IL)-4, IL-5 e IL-13 que apresentam um papel importante na ativação e recrutamento de eosinófilos para o esôfago. Estes, por sua vez, têm um papel central na remodelação dos tecidos, que é observada histologicamente como fibrose subepitelial. Os eosinófilos contribuem para a fibrose esofágica, através da desgranulação e secreção das suas proteínas, como a proteína básica (MBP) e de fatores de crescimento fibrogênicos como o TGF-β3-5,7-10. A EoE é mediada imunologicamente por um mecanismo misto, IgE mediado e não IgE mediado, em resposta a alergênios alimentares e inalantes, mas atualmente defende-se que o mecanismo maioritariamente responsável pela EoE são as reações não IgE mediadas a alimentos1,3-5,9.

Os estudos epidemiológicos realizados indicam uma origem multifatorial para a EoE, nomeadamente fatores ambientais e genéticos, mas, como referido anteriormente, sabe-se que a alergia alimentar é frequentemente associada ao desenvolvimento de EoE2,7,9. Os doentes devem realizar Testes Cutâneos por Picada (TCP) com aeroalergênios e pelo menos com o grupo de seis alimentos (leite, trigo, soja, ovo, amendoim/frutos secos e peixes/marisco) que são mais frequentemente descritos como causadores de EoE. A realização de Testes Epicutâneos (TEpi), assim como os doseamentos séricos IgE específicas para esses alimentos, podem também ser úteis e complementar a avaliação alergológica2,4,5,10.

A terapêutica da EoE deve ter dois objetivos principais: resolver e controlar os sintomas e, portanto, melhorar a qualidade de vida; e controlar a inflamação, de modo a evitar alterações estruturais do esôfago irreversíveis, causadas pela remodelação tecidual2,8,10. Assim, o tratamento assenta em três bases: dietas de eliminação, tratamento farmacológico e dilatação endoscópica. Quando possível, a terapêutica deverá ser orientada por uma equipa multidisciplinar, constituída por gastroenterologista, imunoalergologista e nutricionista3,4,7-10.

Os objetivos deste estudo são caracterizar os doentes com diagnóstico de EoE e analisar as diferenças entre doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr, < 18 anos) e adulta (Ad, > 18 anos).

 

Métodos

Estudo observacional, retrospetivo, por consulta dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de EoE, seguidos no serviço de Imunoalergologia, de 1 de Fevereiro de 2009 a 31 de Julho de 2017.

Os doentes foram divididos em 2 grupos, doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr,< 18 anos) e com diagnóstico apenas na idade adulta (Ad, ≥ 8 anos). Comparou-se cada um dos grupos, os quais foram caracterizados de acordo com dados demográficos, história pessoal de atopia, sintomas associados ao diagnóstico de EoE, sensibilização alimentar (TCP e TEpi), IgE Total e número de eosinófilos no sangue periférico, achados na EDA e nas respectivas biópsias esofágicas.

Foi analisada a correlação entre sensibilização alimentar e clínica grave, definida por idas ao Serviço de Urgência (SU) e/ou história de internamentos por complicações de EoE, ClinG; e histologia grave definida por biópsia esofágica com Eo > 50 por campo de grande ampliação e/ou microabcessos, HistG.

A análise estatística foi realizada com o apoio Excel (Microsoft Office 2016) e SPSSv23 (IBM). Utilizou-se o teste Qui-quadrado (χ2) de Pearson para avaliação da correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave. O valor de p < 0,01 foi considerado estatisticamente significativo.

 

Resultados

Foram incluídos 74 doentes (81% sexo masculino, n = 60), com média de idades, à data do diagnóstico, de 27±17 anos. Destes, em 36 foi feito o diagnóstico em criança (Cr) e 38 na idade adulta (Ad). Em cada um dos grupos (Cr e Ad) foi observado um predomínio do gênero masculino, com 89% (n = 32) e 74% (n = 28), respectivamente.

Relativamente à média de idades de início dos sintomas e de diagnóstico foi no grupo das crianças de 7 (mín 0,7 e máx 16,0) e 9 anos (mín 1,7 e máx 16,5), respectivamente; enquanto no grupo dos adultos foi de 31 (mín 10,7 e máx 71,5) e 34 (mín 18,5 e máx 76,5) anos, respectivamente. Em 10 doentes do grupo Ad os sintomas iniciaram-se em idades pediátricas (< 18 anos). Observou-se uma diferença média entre a idade de início de sintomas e a idade de diagnóstico de 22 meses no grupo Cr, e de 30 meses no grupo Ad (Tabela 3).

 

 

Sintomatologia

Os sintomas mais frequentemente referidos pelos doentes em idade pediátrica e que levaram à suspeita do diagnóstico de EoE foram a disfagia em 73% (n = 25), e refluxo gastroesofágico em 46% (n = 17) dos casos. Por outro lado, no grupo dos adultos os sintomas mais frequentes foram impacto alimentar em 85% (n = 32), e disfagia em 56% (n = 21) (Figura1).

 


Figura 1 Sintomas mais frequentes associados à esofagite eosinofílica

 

Quando questionados sobre o primeiro sintoma associado a EoE, é de referir nas crianças em primeiro lugar disfagia em 39% (n = 14), seguido de impacto alimentar em 22% (n = 8) e sintomas de refluxo gastroesofágico em 14% (n = 5). No grupo dos adultos, o primeiro sintoma mais frequentemente referido foi impacto alimentar em mais de metade dos casos (53%, n = 20), em segundo disfagia em 26% (n = 10), seguido de refluxo gastroesofágico em 13% (n = 5).

Avaliação alergológica

Cerca de 96% (n=35) do grupo Cr apresentavam história de atopia: 92% (n = 33) rinoconjuntivite, 64% (n = 33) asma, 42% (n = 15) dermatite atópica, e 33% (n = 12) alergia alimentar. No grupo Ad, 67% (n = 25) eram atópicos: 58% (n = 22) tinham rinoconjuntivite, 24% (n = 9) asma, 13% (n = 5), dermatite atópica, e 13% (n = 5) alergia alimentar.

A sensibilização a aeroalergênios foi documentada por TCP em cerca de 92% (n = 33) das crianças, e 71% (n = 25) dos adultos. O grupo Cr com sensibilização a aeroalergênios, apresentava TCP positivos para ácaros do pó doméstico em 79% (n = 26), polens em 61% (n = 20), epitélios em 48% (n = 11) e fungos em 18% (n = 6). No grupo Ad, os TCP com aeroalergênios foram positivos em 76% (n = 19) para ácaros do pó doméstico, 44% (n = 11) para polens, 44% (n = 11) para epitélios e 44% (n = 11) para fungos.

O número de doentes com sensibilização alimentar foi ligeiramente superior no grupo Cr (77%, n = 28) em relação ao grupo Ad (69%, n = 26). Em ambos grupos, para confirmação da sensibilização alimentar, os doentes realizaram TCP e TEpic, cuja informação se encontra resumida na Tabela 4.

 

 

No grupo Cr, os TCP foram mais frequentemente positivos para: leite (25%, n = 9), mariscos (19%, n = 7) e ovo (17%, n = 6); enquanto os TEpic foram positivos para: mariscos (50%, n = 17), carnes (19%, n = 7) e ovo (17%, n = 6).

No grupo Ad, os TCP foram mais frequentemente positivos para: leite (21%, n = 8), frutos frescos (18%, n = 7) e frutos secos (18%, n = 7); quanto aos TEpic foram positivos para mariscos (35%, n = 13), frutos secos (18%, n = 7) e carnes (13%, n = 5).

Avaliação endoscópica e histológica

Na EDA (Figura 2) destes doentes, os achados mais frequentes em cada um dos grupos foram: estriação em 65% (n = 23) e placas brancas em 50% (n = 18) no grupo Cr; anéis esofágicos em 42% (n = 16) e placas brancas em 35% (n = 13) no grupo Ad. A referir, 16% (n = 6) de casos de estenose esofágica no grupo Ad, mas nenhum foi observado no grupo Cr.

 


Figura 2 Achados endoscópicos na realização de endoscopia digestiva alta

 

Quanto à ClinG, 13 indivíduos do grupo Cr (35%) e 16 (42%) do grupo Ad apresentavam estas características. Por outro lado, quanto à HistG, 17 doentes do grupo Cr (46%) e 10 do grupo Ad (27%) tinham estas alterações nas biópsias à data do diagnóstico de EoE.

Aplicando-se o teste qui-quadrado (χ2) de Pearson para avaliação da correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave, apenas se objetivou a associação entre histologia grave e clínica grave (p = 0,001) no grupo pediátrico, e não no grupo dos adultos (p = 0,5). Não houve associação entre sensibilização alimentar e clínica grave ou histologia grave em ambos grupos (p > 0,05).

Avaliação analítica

O valor médio de IgE Total foi de 653 KUA/L no grupo Cr e 458 KUA/L no grupo Ad, para um valor de referência < 100 KUA/L.

Relativamente aos valores de eosinófilos no sangue periférico, estes apresentaram uma média de 679/µg no grupo Cr, e de 413/µg no grupo Ad.

 

Discussão

Neste grupo de 74 doentes com diagnóstico de EoE, 81% são do gênero masculino, e quando avaliados individualmente cada um dos grupos, crianças (n = 36) e adultos (n = 38), foi observado um predomínio do gênero masculino com 89% (n = 32) e 74% (n = 28), respectivamente, o que está de acordo com a literatura, cerca de 3 vezes mais homens que mulheres em cada grupo1,2,7,10,12.

Como está amplamente descrito, os sintomas apresentados podem variar de acordo com a idade de apresentação. Em crianças mais novas são mais frequentes sintomas inespecíficos, incluindo recusa alimentar, náuseas e vômitos, azia e comprometimento do desenvolvimento estaturo-ponderal. Em crianças mais velhas, adolescentes e adultos, os sintomas predominantes são as queixas mecânicas, como disfagia e impacto alimentar. Podem, ainda, estar associados episódios de dor torácica, mas em alguns casos podem referir apenas sintomas mais ligeiros e inespecíficos, como queixas sugestivas de refluxo gastroesofágico. Raramente, pode haver perfuração esofágica espontânea devido aos vômitos intensos (síndrome de Boerhaave) após impacto alimentar1-4.

Quanto aos sintomas mais frequentemente referidos pelos doentes e que levaram à suspeita do diagnóstico de EoE, no grupo Cr, foram predominantemente a disfagia (73%), seguida das queixas de refluxo gastroesofágico (46%). No grupo Ad, onde são habitualmente esperados sintomas mais graves resultantes da longa duração da doença, houve maior número de episódios de impacto alimentar, em 85%, mas também disfagia em 56% de casos. Os nossos dados vão de acordo com o publicado recentemente na literatura, em que são referidos episódios de impacto alimentar em mais de 25% e queixas de disfagia em cerca de 60-100% dos doentes9. Por outro lado, foi observado um tempo médio superior entre o início dos sintomas e a confirmação diagnóstica no grupo Ad (30 meses), quando comparado com o grupo Cr (22 meses). Segundo o descrito na literatura, seria de esperar o oposto, dado tipicamente as queixas na idade adulta serem, como referido, potencialmente graves e levariam a uma maior rapidez à suspeição e posterior confirmação de EoE2,7,9. Este resultado pode ser consequência do fato de no grupo Ad a idade mínima de início dos sintomas ser 10,7 anos (10 doentes apresentaram os primeiros sintomas logo em idade pediátrica) e algumas dessas queixas, provavelmente inespecíficas, não foram valorizadas até apresentarem sintomas mais graves, já na idade adulta, quando foi possível a confirmação do diagnóstico de EoE.

Como o exame físico de pacientes com EoE é muitas vezes completamente normal, o diagnóstico de EoE é dependente não só das manifestações clínicas do doente, mas também dos achados endoscópicos e histológicos nas biópsias da mucosa esofágica3. Por outro lado, é essencial a realização de biópsias, mesmo com EDA aparentemente normal em doentes com sintomas sugestivos de EoE, pois até 10% dos doentes adultos e 32% dos doentes pediátricos apresentam uma EDA normal2. Na nossa amostra, os achados endoscópicos, no grupo pediátrico foram essencialmente estriação (65%) e placas brancas (50%). No grupo Ad, foram observados sobretudo anéis esofágicos (42%) e em 16% dos casos estenose esofágica, sinal da evolução prolongada da doença e remodelação esofágica, o que é apoiado pela literatura, em que é referido que anéis e estenoses são mais comuns em adultos do que em crianças (57 e 25%, respectivamente)2.

De acordo com a literatura, cerca de 50% dos doentes com EoE apresentam eosinofilia periférica, e 80% dos doentes apresentam níveis elevados de IgE total2,4,8; é também conhecida a associação dos valores de eosinofilia no sangue periférico e o grau de infiltração eosinofílica na mucosa esofágica destes doentes2. No grupo em estudo, o valor médio de IgE total foi elevado em ambos os grupos (653 KUA/L em idade pediátrica, e em idade adulta 458 KUA/L), para um valor de referência < 100 KUA/L. Tal como o valor da IgE total, também os valores dos eosinófilos periféricos foram superiores no grupo pediátrico (média de 679/µL nas crianças e de 413/µL nos adultos).

Perante a associação tão marcada de EoE com atopia é recomendada avaliação de sensibilização alérgica em todos os doentes2,4. Há evidências que sugerem que a EoE pode ser um elemento da marcha alérgica que classicamente começa com a dermatite atópica e progride para alergia alimentar IgE mediada, asma e rinite alérgica11,12,16. Os doentes com sintomas estacionais de rinite alérgica podem também apresentar exacerbações sazonais da sua EoE, associadas às estações polínicas e com resolução desta sintomatologia após imunoterapia para aerolergênios em alguns destes doentes11,13,17. Como as patologias atópicas podem desenvolver-se ao longo do tempo, o médico deve estar alerta para novos sinais/sintomas de atopia e/ou as patologias atópicas de base em doentes com EoE1,5,7,11-13,16.

A maioria dos doentes apresentava história pessoal de atopia, tendo sido observada uma maior frequência no grupo Cr (96%), em comparação com o grupo Ad (67%). A rinoconjuntivite e a asma foram as patologias mais frequentemente associadas em ambos os grupos, com 64% e 42%, respectivamente, no grupo Cr; e 58% e 24%, respectivamente, no grupo Ad. Os valores descritos na literatura são sobreponíveis aos apresentados, principalmente em idade pediátrica, com a associação entre EoE e rinoconjuntivite encontrada em 50-75% dos casos, e asma em 30-50%2,9,12.

Os doentes desta casuística apresentavam na sua maioria sensibilização a aeroalergênios (Cr 92% e Ad 71%), mais frequentemente a ácaros (Cr 79%, Ad 44%) e polens (Cr 61%, Ad 44%). Quando analisamos os dados relativamente à sensibilização alimentar, esta confirmou-se em maior número no grupo pediátrico quando comparado com o grupo adulto (77% versus 69%) e estes são valores coincidentes aos cerca de 50-80% de sensibilização alimentar referida previamente noutros estudos publicados2,5.

As alergias alimentares apresentadas pelos doentes com EoE europeus são maioritariamente ao leite, ovo, trigo, soja e amendoim6. Apesar dos alimentos referidos fazerem parte das baterias alimentares habitualmente testadas e alguns dos doentes apresentarem sensibilização a esses alimentos, no nosso grupo de estudo houve um número importante de sensibilizações a outros alimentos não incluídos nesta lista. No grupo pediátrico, observou-se sensibilização quer IgE mediada, quer não IgE mediada, a mariscos, mas também sensibilização a carnes (reação não IgE mediada). No grupo dos adultos, é de salientar o elevado número de doentes com sensibilização IgE mediada a frutos secos e frutos frescos; e um número considerável de doentes com sensibilização não IgE mediada a mariscos (35%), frutos secos (18%) e carnes (13%).

Quando analisadas as correlações entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave, objetivou-se a associação entre histologia grave e clínica grave (p = 0,001) no grupo pediátrico, e não no grupo dos adultos (p = 0,5). Este dado pode alertar os médicos para o fato de que crianças com clínica mais grave terão provavelmente uma histologia mais grave, com potenciais complicações críticas e/ou irreversíveis e, portanto, uma necessidade de início precoce de terapêutica e uma vigilância mais apertada. Por outro lado, não houve qualquer associação entre sensibilização alimentar e clínica grave ou histologia grave em ambos grupos, aspecto também publicado na literatura disponível.

 

Conclusões

Nesta amostra de doentes com EoE, observou-se um predomínio de doentes do gênero masculino. A frequência de atopia, com sensibilização a aeroalergênios e alimentos, foi superior no grupo com diagnóstico na idade pediátrica. Como esperado, as situações graves de impacto alimentar e estenose esofágica foram mais frequentes nos adultos, provavelmente resultado da remodelação esofágica que ocorre com a evolução da doença não controlada. Houve ainda, no grupo Cr, uma associação da histologia grave com clínica grave, a avaliar em estudos posteriores a importância clínica desta observação.

 

Referências

1. Furuta GT, Katzka DA. Eosinophilic Esophagitis. Ingelfinger JR, editor. N Engl J Med. 2015;373(17):1640-8.

2. Gomez Torrijos E, Gonzalez-Mendiola R, Alvarado M, Avila R, Prieto-Garcia A, Valbuena T, et al. Eosinophilic Esophagitis:Review and Update. Front Med. 2018;5(October):1-15.

3. Carr S, Chan ES, Watson W. Eosinophilic esophagitis. Allergy, Asthma Clin Immunol. 2018 Sep 12;14(S2):58.

4. Iuliano S, Minelli R, Vincenzi F, Gaiani F, Ruberto C, Leandro G, et al. Eosinophilic esophagitis in pediatric age, state of the art and review of the literature. Acta Biomed. 2018;89(8-S):20-6.

5. Anyane-Yeboa A, Wang W, Kavitt RT. The role of allergy testing in eosinophilic esophagitis. Gastroenterol Hepatol. 2018;14(8):463-9.

6. Hoofien A, Dias JA, Malamisura M, Rea F, Chong S, Oudshoorn J, et al. Pediatric Eosinophilic Esophagitis. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2018 Dec;40561:1.

7. Chen JW, Kao JY. Eosinophilic esophagitis:update on management and controversies. BMJ. 2017;359(April):j4482.

8. Pérez-Martínez I, Rodrigo L, Lucendo AJ. Esofagitis eosinofílica: aproximación al diagnóstico y tratamiento desde la evidencia. Med Clin (Barc). 2018. 10.1016/j.medcli.2018.10.022.

9. Reed CC, Dellon ES. Eosinophilic Esophagitis. Med Clin North Am. 2019;103(1):29-42.

10. Veiga FM da S, Castro APBM, Santos C de JN dos, Dorna MDB, Pastorino AC. Esofagite eosinofílica: um conceito em evolução? Arq Asma, Alerg e Imunol. 2017;1(4):363-72.

11. Hill DA, Grundmeier RW, Ramos M, Spergel JM. Eosinophilic Esophagitis Is a Late Manifestation of the Allergic March. J Allergy Clin Immunol Pract. 2018;6(5):1528-33.

12. Ruffner MA, Spergel JM. Pediatric eosinophilic esophagitis. Curr Opin Pediatr. 2018;30(6):829-36.

13. Ruffner MA, Brown-Whitehorn TF, Verma R, Cianferoni A, Gober L, Shuker M, et al. Clinical tolerance in eosinophilic esophagitis. J Allergy Clin Immunol Pract. 2018;6(2):661-3.

14. Dellon ES, Liacouras CA, Molina-Infante J, Furuta GT, Spergel JM, Zevit N, et al. Updated International Consensus Diagnostic Criteria for Eosinophilic Esophagitis: Proceedings of the AGREE Conference. Gastroenterology 2018;155(4):1022-1033.e10.

15. Lucendo AJ, Molina-Infante J, Arias Á, von Arnim U, Bredenoord AJ, Bussmann C, et al. Guidelines on eosinophilic esophagitis: evidence-based statements and recommendations for diagnosis and management in children and adults. United Eur Gastroenterol J. 2017;5(3):335-58.

16. Brunner PM, Silverberg JI, Guttman-Yassky E, Paller AS, Kabashima K, Amagai M, et al. Increasing Comorbidities Suggest that Atopic Dermatitis Is a Systemic Disorder. J Invest Dermatol. 2017;137(1):18-25.

17. Ram G, Lee J, Ott M, Brown-Whitehorn TF, Cianferoni A, Shuker M, et al. Seasonal exacerbation of esophageal eosinophilia in children with eosinophilic esophagitis and allergic rhinitis. Ann Allergy, Asthma Immunol. 2015;115(3):224-228.e1.

2024 Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Rua Domingos de Morais, 2187 - 3° andar - Salas 315-317 - Vila Mariana - CEP 04035-000 - São Paulo, SP - Brasil - Fone: (11) 5575.6888

GN1 - Sistemas e Publicações