Esofagite eosinofílica numa consulta de alergia alimentar: caracterização e comparação entre idade pediátrica e idade adulta
Eosinophilic esophagitis at a food allergy appointment: characterization and comparison between pediatric and adult ages
Sara Carvalho1; Célia Costa1; João Marcelino1; Fátima Cabral Duarte1; Manuel Pereira Barbosa1,2
1. Hospital Santa Maria - Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Serviço de Imunoalergologia - Lisboa, Portugal
2. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Clínica Universitária de Imunoalergologia - Lisboa, Portugal
Endereço para correspondência:
Sara Carvalho
E-mail: saracarvalho111@hotmail.com
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Submetido em: 27/09/2019
Aceito em: 01/10/2019
RESUMO
INTRODUÇÃO: Esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada imunologicamente e caracterizada por sintomas relacionados com disfunção esofágica e infiltração da mucosa esofágica por eosinófilos (Eo). Os objetivos foram caracterizar os doentes com diagnóstico de EoE e analisar as diferenças entre doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr, < 18 anos) e adulta (Ad, ≥ 18 anos).
MÉTODOS: Estudo observacional retrospetivo dos doentes seguidos no serviço de Imunoalergologia, no período de Fev/2009 a Jul/2017, com diagnóstico de EoE. Foram divididos em dois grupos, Cr e Ad, caracterizados de acordo com dados demográficos, história de atopia, sintomas, sensibilizações alimentares, IgE Total, eosinofilia, achados na endoscopia digestiva alta e biópsias. Avaliou-se a correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave (ClinG), ou seja, idas ao serviço de urgência ou internamento por complicações de EoE ou histologia grave (HistG), biópsia com Eo > 50 e/ou microabcessos.
RESULTADOS: 74 pacientes (81% sexo masculino, média de idades 27±17 anos), 36 Cr e 38 Ad. Os sintomas mais frequentemente reportados foram, no grupo Cr disfagia (73%) e refluxo gastroesofágico (46%), enquanto no grupo Ad impactação (85%) e disfagia (56%). Foram referidos antecedentes de atopia em 96% das Cr, e 67% dos Ad. Em 77% das Cr e 69% dos Ad havia sensibilização alimentar. Os achados endoscópicos mais frequentes no grupo Cr foram estriação (65%) e placas brancas (50%), enquanto que no grupo Ad foram placas brancas (42%) e anéis esofágicos (35%). HistG (46%) associou-se a ClinG (35%), p = 0,001, nas Cr, mas o mesmo não foi objetivado no grupo Ad [ClinG (22%) e HistG (17%), p = 0,5].
CONCLUSÃO: Os nossos resultados estão de acordo com o descrito na literatura, observando-se um predomínio do sexo masculino e uma maior frequência de história de atopia e sensibilização alimentar no grupo Cr. As situações graves de impactação e estenose esofágica foram mais frequentes nos Ad, e objetivou-se uma associação de histologia grave com clínica grave, apenas nas Cr.
Descritores: Atopia, biópsia esofágica, endoscopia digestiva alta, eosinófilos, esofagite eosinofílica, sensibilização alimentar.
Introdução
A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada imunologicamente e caracterizada por sintomas relacionados com disfunção esofágica e infiltração da mucosa esofágica por eosinófilos1-10.
A EoE foi, pela primeira vez, descrita nos anos 19902,4,7,9 e a sua prevalência é atualmente de cerca de 30-52 casos por 100.000 habitantes nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa, com uma incidência crescente nos últimos anos1-4,8,9.
A EoE afeta predominantemente indivíduos caucasianos do sexo masculino, com uma relação de 3:11,2,4-7,10. Habitualmente, tem início em idade escolar até a quinta década de vida1. A maioria destes doentes, até 80%, apresentam uma história pessoal ou familiar de atopia, como asma, rinite, eczema e/ou alergia alimentar1,3-5,7-13.
Os critérios de diagnósticos de EoE considerados na atualidade encontram-se resumidos na Tabela 114.
Do ponto de vista clínico, os sintomas variam de acordo com a idade de apresentação, que pode incluir, nas crianças, sintomas considerados inespecíficos como vômitos, recusa alimentar ou dor abdominal. Na idade adulta é mais frequentemente caracterizado por queixas de disfagia, dor torácica e impacto alimentar. A EoE é a principal causa de disfagia e impacto alimentar nas crianças e adultos jovens2,4,7,9,10,15.
A endoscopia digestiva alta (EDA) é o meio complementar de diagnóstico indicado para o estudo deste tipo de patologia, sendo os achados mais comuns: manchas brancas (representativas de exsudados eosinofílicos), edema da mucosa, sulcos lineares, anéis concêntricos (traquealização esofágica) e diminuição do calibre esofágico1,3-10. A remodelação crônica pode ser representada pela existência de estenoses e pelo chamado "esôfago de papel crepe", no qual ocorrem ruturas lineares em resposta a traumas mínimos, como a passagem do endoscópio1,3,4,8,9. Apesar de típicos, estes sinais endoscópicos não são patognomônicos da EoE, nem são suficientes para tomar decisões diagnósticas2,3,7-9. Além destes achados, é essencial a realização de biópsias esofágicas, havendo a recomendação de realizar pelo menos seis biópsias de dois locais diferentes2,4,8. Os eosinófilos estão tipicamente presentes em todo o trato gastrointestinal, pois este é continuamente exposto a alimentos, alergênios ambientais, toxinas e múltiplos patógenos. Em indivíduos saudáveis, o esôfago é o único órgão em que os eosinófilos estão geralmente ausentes, sendo assim uma marca histológica da EoE. Para estabelecer o diagnóstico de EoE, utiliza-se o valor de cut-off de pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande ampliação, com uma sensibilidade de 100% e especificidade de 96%1,4,7-9. Para se assumir este diagnóstico é ainda necessário que sejam excluídas outras causas de eosinofilia esofágica (Tabela 2)1,2,4,9,10.
A EoE caracteriza-se por uma barreira esofágica comprometida e um aumento da atividade dos linfócitos T helper tipo 2 (Th2)1-5,7-9, com níveis elevados de citocinas Th2, como interleucina (IL)-4, IL-5 e IL-13 que apresentam um papel importante na ativação e recrutamento de eosinófilos para o esôfago. Estes, por sua vez, têm um papel central na remodelação dos tecidos, que é observada histologicamente como fibrose subepitelial. Os eosinófilos contribuem para a fibrose esofágica, através da desgranulação e secreção das suas proteínas, como a proteína básica (MBP) e de fatores de crescimento fibrogênicos como o TGF-β3-5,7-10. A EoE é mediada imunologicamente por um mecanismo misto, IgE mediado e não IgE mediado, em resposta a alergênios alimentares e inalantes, mas atualmente defende-se que o mecanismo maioritariamente responsável pela EoE são as reações não IgE mediadas a alimentos1,3-5,9.
Os estudos epidemiológicos realizados indicam uma origem multifatorial para a EoE, nomeadamente fatores ambientais e genéticos, mas, como referido anteriormente, sabe-se que a alergia alimentar é frequentemente associada ao desenvolvimento de EoE2,7,9. Os doentes devem realizar Testes Cutâneos por Picada (TCP) com aeroalergênios e pelo menos com o grupo de seis alimentos (leite, trigo, soja, ovo, amendoim/frutos secos e peixes/marisco) que são mais frequentemente descritos como causadores de EoE. A realização de Testes Epicutâneos (TEpi), assim como os doseamentos séricos IgE específicas para esses alimentos, podem também ser úteis e complementar a avaliação alergológica2,4,5,10.
A terapêutica da EoE deve ter dois objetivos principais: resolver e controlar os sintomas e, portanto, melhorar a qualidade de vida; e controlar a inflamação, de modo a evitar alterações estruturais do esôfago irreversíveis, causadas pela remodelação tecidual2,8,10. Assim, o tratamento assenta em três bases: dietas de eliminação, tratamento farmacológico e dilatação endoscópica. Quando possível, a terapêutica deverá ser orientada por uma equipa multidisciplinar, constituída por gastroenterologista, imunoalergologista e nutricionista3,4,7-10.
Os objetivos deste estudo são caracterizar os doentes com diagnóstico de EoE e analisar as diferenças entre doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr, < 18 anos) e adulta (Ad, > 18 anos).
Métodos
Estudo observacional, retrospetivo, por consulta dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de EoE, seguidos no serviço de Imunoalergologia, de 1 de Fevereiro de 2009 a 31 de Julho de 2017.
Os doentes foram divididos em 2 grupos, doentes com diagnóstico em idade pediátrica (Cr,< 18 anos) e com diagnóstico apenas na idade adulta (Ad, ≥ 8 anos). Comparou-se cada um dos grupos, os quais foram caracterizados de acordo com dados demográficos, história pessoal de atopia, sintomas associados ao diagnóstico de EoE, sensibilização alimentar (TCP e TEpi), IgE Total e número de eosinófilos no sangue periférico, achados na EDA e nas respectivas biópsias esofágicas.
Foi analisada a correlação entre sensibilização alimentar e clínica grave, definida por idas ao Serviço de Urgência (SU) e/ou história de internamentos por complicações de EoE, ClinG; e histologia grave definida por biópsia esofágica com Eo > 50 por campo de grande ampliação e/ou microabcessos, HistG.
A análise estatística foi realizada com o apoio Excel (Microsoft Office 2016) e SPSSv23 (IBM). Utilizou-se o teste Qui-quadrado (χ2) de Pearson para avaliação da correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave. O valor de p < 0,01 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados
Foram incluídos 74 doentes (81% sexo masculino, n = 60), com média de idades, à data do diagnóstico, de 27±17 anos. Destes, em 36 foi feito o diagnóstico em criança (Cr) e 38 na idade adulta (Ad). Em cada um dos grupos (Cr e Ad) foi observado um predomínio do gênero masculino, com 89% (n = 32) e 74% (n = 28), respectivamente.
Relativamente à média de idades de início dos sintomas e de diagnóstico foi no grupo das crianças de 7 (mín 0,7 e máx 16,0) e 9 anos (mín 1,7 e máx 16,5), respectivamente; enquanto no grupo dos adultos foi de 31 (mín 10,7 e máx 71,5) e 34 (mín 18,5 e máx 76,5) anos, respectivamente. Em 10 doentes do grupo Ad os sintomas iniciaram-se em idades pediátricas (< 18 anos). Observou-se uma diferença média entre a idade de início de sintomas e a idade de diagnóstico de 22 meses no grupo Cr, e de 30 meses no grupo Ad (Tabela 3).
Sintomatologia
Os sintomas mais frequentemente referidos pelos doentes em idade pediátrica e que levaram à suspeita do diagnóstico de EoE foram a disfagia em 73% (n = 25), e refluxo gastroesofágico em 46% (n = 17) dos casos. Por outro lado, no grupo dos adultos os sintomas mais frequentes foram impacto alimentar em 85% (n = 32), e disfagia em 56% (n = 21) (Figura1).
Quando questionados sobre o primeiro sintoma associado a EoE, é de referir nas crianças em primeiro lugar disfagia em 39% (n = 14), seguido de impacto alimentar em 22% (n = 8) e sintomas de refluxo gastroesofágico em 14% (n = 5). No grupo dos adultos, o primeiro sintoma mais frequentemente referido foi impacto alimentar em mais de metade dos casos (53%, n = 20), em segundo disfagia em 26% (n = 10), seguido de refluxo gastroesofágico em 13% (n = 5).
Avaliação alergológica
Cerca de 96% (n=35) do grupo Cr apresentavam história de atopia: 92% (n = 33) rinoconjuntivite, 64% (n = 33) asma, 42% (n = 15) dermatite atópica, e 33% (n = 12) alergia alimentar. No grupo Ad, 67% (n = 25) eram atópicos: 58% (n = 22) tinham rinoconjuntivite, 24% (n = 9) asma, 13% (n = 5), dermatite atópica, e 13% (n = 5) alergia alimentar.
A sensibilização a aeroalergênios foi documentada por TCP em cerca de 92% (n = 33) das crianças, e 71% (n = 25) dos adultos. O grupo Cr com sensibilização a aeroalergênios, apresentava TCP positivos para ácaros do pó doméstico em 79% (n = 26), polens em 61% (n = 20), epitélios em 48% (n = 11) e fungos em 18% (n = 6). No grupo Ad, os TCP com aeroalergênios foram positivos em 76% (n = 19) para ácaros do pó doméstico, 44% (n = 11) para polens, 44% (n = 11) para epitélios e 44% (n = 11) para fungos.
O número de doentes com sensibilização alimentar foi ligeiramente superior no grupo Cr (77%, n = 28) em relação ao grupo Ad (69%, n = 26). Em ambos grupos, para confirmação da sensibilização alimentar, os doentes realizaram TCP e TEpic, cuja informação se encontra resumida na Tabela 4.
No grupo Cr, os TCP foram mais frequentemente positivos para: leite (25%, n = 9), mariscos (19%, n = 7) e ovo (17%, n = 6); enquanto os TEpic foram positivos para: mariscos (50%, n = 17), carnes (19%, n = 7) e ovo (17%, n = 6).
No grupo Ad, os TCP foram mais frequentemente positivos para: leite (21%, n = 8), frutos frescos (18%, n = 7) e frutos secos (18%, n = 7); quanto aos TEpic foram positivos para mariscos (35%, n = 13), frutos secos (18%, n = 7) e carnes (13%, n = 5).
Avaliação endoscópica e histológica
Na EDA (Figura 2) destes doentes, os achados mais frequentes em cada um dos grupos foram: estriação em 65% (n = 23) e placas brancas em 50% (n = 18) no grupo Cr; anéis esofágicos em 42% (n = 16) e placas brancas em 35% (n = 13) no grupo Ad. A referir, 16% (n = 6) de casos de estenose esofágica no grupo Ad, mas nenhum foi observado no grupo Cr.
Quanto à ClinG, 13 indivíduos do grupo Cr (35%) e 16 (42%) do grupo Ad apresentavam estas características. Por outro lado, quanto à HistG, 17 doentes do grupo Cr (46%) e 10 do grupo Ad (27%) tinham estas alterações nas biópsias à data do diagnóstico de EoE.
Aplicando-se o teste qui-quadrado (χ2) de Pearson para avaliação da correlação entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave, apenas se objetivou a associação entre histologia grave e clínica grave (p = 0,001) no grupo pediátrico, e não no grupo dos adultos (p = 0,5). Não houve associação entre sensibilização alimentar e clínica grave ou histologia grave em ambos grupos (p > 0,05).
Avaliação analítica
O valor médio de IgE Total foi de 653 KUA/L no grupo Cr e 458 KUA/L no grupo Ad, para um valor de referência < 100 KUA/L.
Relativamente aos valores de eosinófilos no sangue periférico, estes apresentaram uma média de 679/µg no grupo Cr, e de 413/µg no grupo Ad.
Discussão
Neste grupo de 74 doentes com diagnóstico de EoE, 81% são do gênero masculino, e quando avaliados individualmente cada um dos grupos, crianças (n = 36) e adultos (n = 38), foi observado um predomínio do gênero masculino com 89% (n = 32) e 74% (n = 28), respectivamente, o que está de acordo com a literatura, cerca de 3 vezes mais homens que mulheres em cada grupo1,2,7,10,12.
Como está amplamente descrito, os sintomas apresentados podem variar de acordo com a idade de apresentação. Em crianças mais novas são mais frequentes sintomas inespecíficos, incluindo recusa alimentar, náuseas e vômitos, azia e comprometimento do desenvolvimento estaturo-ponderal. Em crianças mais velhas, adolescentes e adultos, os sintomas predominantes são as queixas mecânicas, como disfagia e impacto alimentar. Podem, ainda, estar associados episódios de dor torácica, mas em alguns casos podem referir apenas sintomas mais ligeiros e inespecíficos, como queixas sugestivas de refluxo gastroesofágico. Raramente, pode haver perfuração esofágica espontânea devido aos vômitos intensos (síndrome de Boerhaave) após impacto alimentar1-4.
Quanto aos sintomas mais frequentemente referidos pelos doentes e que levaram à suspeita do diagnóstico de EoE, no grupo Cr, foram predominantemente a disfagia (73%), seguida das queixas de refluxo gastroesofágico (46%). No grupo Ad, onde são habitualmente esperados sintomas mais graves resultantes da longa duração da doença, houve maior número de episódios de impacto alimentar, em 85%, mas também disfagia em 56% de casos. Os nossos dados vão de acordo com o publicado recentemente na literatura, em que são referidos episódios de impacto alimentar em mais de 25% e queixas de disfagia em cerca de 60-100% dos doentes9. Por outro lado, foi observado um tempo médio superior entre o início dos sintomas e a confirmação diagnóstica no grupo Ad (30 meses), quando comparado com o grupo Cr (22 meses). Segundo o descrito na literatura, seria de esperar o oposto, dado tipicamente as queixas na idade adulta serem, como referido, potencialmente graves e levariam a uma maior rapidez à suspeição e posterior confirmação de EoE2,7,9. Este resultado pode ser consequência do fato de no grupo Ad a idade mínima de início dos sintomas ser 10,7 anos (10 doentes apresentaram os primeiros sintomas logo em idade pediátrica) e algumas dessas queixas, provavelmente inespecíficas, não foram valorizadas até apresentarem sintomas mais graves, já na idade adulta, quando foi possível a confirmação do diagnóstico de EoE.
Como o exame físico de pacientes com EoE é muitas vezes completamente normal, o diagnóstico de EoE é dependente não só das manifestações clínicas do doente, mas também dos achados endoscópicos e histológicos nas biópsias da mucosa esofágica3. Por outro lado, é essencial a realização de biópsias, mesmo com EDA aparentemente normal em doentes com sintomas sugestivos de EoE, pois até 10% dos doentes adultos e 32% dos doentes pediátricos apresentam uma EDA normal2. Na nossa amostra, os achados endoscópicos, no grupo pediátrico foram essencialmente estriação (65%) e placas brancas (50%). No grupo Ad, foram observados sobretudo anéis esofágicos (42%) e em 16% dos casos estenose esofágica, sinal da evolução prolongada da doença e remodelação esofágica, o que é apoiado pela literatura, em que é referido que anéis e estenoses são mais comuns em adultos do que em crianças (57 e 25%, respectivamente)2.
De acordo com a literatura, cerca de 50% dos doentes com EoE apresentam eosinofilia periférica, e 80% dos doentes apresentam níveis elevados de IgE total2,4,8; é também conhecida a associação dos valores de eosinofilia no sangue periférico e o grau de infiltração eosinofílica na mucosa esofágica destes doentes2. No grupo em estudo, o valor médio de IgE total foi elevado em ambos os grupos (653 KUA/L em idade pediátrica, e em idade adulta 458 KUA/L), para um valor de referência < 100 KUA/L. Tal como o valor da IgE total, também os valores dos eosinófilos periféricos foram superiores no grupo pediátrico (média de 679/µL nas crianças e de 413/µL nos adultos).
Perante a associação tão marcada de EoE com atopia é recomendada avaliação de sensibilização alérgica em todos os doentes2,4. Há evidências que sugerem que a EoE pode ser um elemento da marcha alérgica que classicamente começa com a dermatite atópica e progride para alergia alimentar IgE mediada, asma e rinite alérgica11,12,16. Os doentes com sintomas estacionais de rinite alérgica podem também apresentar exacerbações sazonais da sua EoE, associadas às estações polínicas e com resolução desta sintomatologia após imunoterapia para aerolergênios em alguns destes doentes11,13,17. Como as patologias atópicas podem desenvolver-se ao longo do tempo, o médico deve estar alerta para novos sinais/sintomas de atopia e/ou as patologias atópicas de base em doentes com EoE1,5,7,11-13,16.
A maioria dos doentes apresentava história pessoal de atopia, tendo sido observada uma maior frequência no grupo Cr (96%), em comparação com o grupo Ad (67%). A rinoconjuntivite e a asma foram as patologias mais frequentemente associadas em ambos os grupos, com 64% e 42%, respectivamente, no grupo Cr; e 58% e 24%, respectivamente, no grupo Ad. Os valores descritos na literatura são sobreponíveis aos apresentados, principalmente em idade pediátrica, com a associação entre EoE e rinoconjuntivite encontrada em 50-75% dos casos, e asma em 30-50%2,9,12.
Os doentes desta casuística apresentavam na sua maioria sensibilização a aeroalergênios (Cr 92% e Ad 71%), mais frequentemente a ácaros (Cr 79%, Ad 44%) e polens (Cr 61%, Ad 44%). Quando analisamos os dados relativamente à sensibilização alimentar, esta confirmou-se em maior número no grupo pediátrico quando comparado com o grupo adulto (77% versus 69%) e estes são valores coincidentes aos cerca de 50-80% de sensibilização alimentar referida previamente noutros estudos publicados2,5.
As alergias alimentares apresentadas pelos doentes com EoE europeus são maioritariamente ao leite, ovo, trigo, soja e amendoim6. Apesar dos alimentos referidos fazerem parte das baterias alimentares habitualmente testadas e alguns dos doentes apresentarem sensibilização a esses alimentos, no nosso grupo de estudo houve um número importante de sensibilizações a outros alimentos não incluídos nesta lista. No grupo pediátrico, observou-se sensibilização quer IgE mediada, quer não IgE mediada, a mariscos, mas também sensibilização a carnes (reação não IgE mediada). No grupo dos adultos, é de salientar o elevado número de doentes com sensibilização IgE mediada a frutos secos e frutos frescos; e um número considerável de doentes com sensibilização não IgE mediada a mariscos (35%), frutos secos (18%) e carnes (13%).
Quando analisadas as correlações entre sensibilização alimentar, clínica grave e histologia grave, objetivou-se a associação entre histologia grave e clínica grave (p = 0,001) no grupo pediátrico, e não no grupo dos adultos (p = 0,5). Este dado pode alertar os médicos para o fato de que crianças com clínica mais grave terão provavelmente uma histologia mais grave, com potenciais complicações críticas e/ou irreversíveis e, portanto, uma necessidade de início precoce de terapêutica e uma vigilância mais apertada. Por outro lado, não houve qualquer associação entre sensibilização alimentar e clínica grave ou histologia grave em ambos grupos, aspecto também publicado na literatura disponível.
Conclusões
Nesta amostra de doentes com EoE, observou-se um predomínio de doentes do gênero masculino. A frequência de atopia, com sensibilização a aeroalergênios e alimentos, foi superior no grupo com diagnóstico na idade pediátrica. Como esperado, as situações graves de impacto alimentar e estenose esofágica foram mais frequentes nos adultos, provavelmente resultado da remodelação esofágica que ocorre com a evolução da doença não controlada. Houve ainda, no grupo Cr, uma associação da histologia grave com clínica grave, a avaliar em estudos posteriores a importância clínica desta observação.
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