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Número Atual:  Julho-Setembro 2019 - Volume 3  - Número 3


Artigo de Revisão

Síndrome de Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar (FPIES): um novo diagnóstico diferencial para alergia alimentar

Food Protein-Induced Enterocolitis Syndrome (FPIES): a new differential diagnosis for food allergy

Yara Henrique Martins Costa1; Lúcia Gutheil-Gonçalves2; Denise Tiemi-Miyakawa2; Cristine Secco Rosário3; Débora Carla Chong-Silva3; Carlos Antônio Riedi3; Nelson Augusto Rosario-Filho3; Herberto Jose Chong-Neto3


DOI: 10.5935/2526-5393.20190036

1. Universidade Federal do Paraná, Departamento de Pediatria - Curitiba, PR, Brasil
2. Universidade Federal do Paraná, Gastroenterologia Pediátrica, Complexo Hospital de Clínicas - Curitiba, PR, Brasil
3. Universidade Federal do Paraná, Serviço de Alergia e Imunologia, Complexo Hospital de Clínicas - Curitiba, PR, Brasil


Endereço para correspondência:

Herberto Jose Chong-Neto
E-mail: h.chong@uol.com.br

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.


Submetido em: 23/09/2019
Aceito em: 30/09/2019

RESUMO

A síndrome de enterocolite induzida por proteína alimentar, conhecida como "FPIES" (do inglês: Food Protein-Induced Enterocolitis Syndrome) é uma das apresentações da alergia alimentar não IgE mediada. Tema antes considerado raro, torna-se cada vez mais frequente nos pronto-atendimentos pediátricos. Através dos dados disponíveis na literatura, buscou-se relatar apresentação, diagnóstico e manejo da FPIES. Foi realizada busca ativa na base de dados PubMed do termo "food protein-induced enterocolitis" entre 2014 e 2019. Foram selecionados os artigos cuja população em estudo compunha a faixa etária pediátrica, e artigos completos que estavam disponíveis. Os pacientes usualmente descritos são lactentes com vômitos incoercíveis, diarreia, palidez, letargia e desidratação. Destes, alguns casos evoluem para choque hipovolêmico e acidose metabólica, podendo levar a diagnósticos equivocados. A proteína do leite de vaca, soja e arroz compõem os principais desencadeantes da doença. Entretanto, há diversos alimentos descritos neste processo. O diagnóstico dá-se através de história clínica compatível associada à reprodutibilidade dos sintomas quando ocorre reexposição ao alimento suspeito. O manejo agudo fundamenta-se na expansão volêmica, ondansetrona e corticoide, nos casos graves. Devido aos múltiplos fenótipos existentes, curto período de estudo, prevalência e patogenia incerta, a FPIES apresenta muitas lacunas a serem preenchidas. Assim, o presente estudo apresenta os consensos disponíveis e divergências atuais.

Descritores: Hipersensibilidade alimentar, hipersensibilidade, enterocolite.




Introdução

A Síndrome de Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar, reconhecida em inglês como FPIES (Food Protein-Induced Enterocolitis Syndrome), é classificada como alergia alimentar não IgE mediada1. Apesar de ser bem caracterizada clinicamente, sua fisiopatologia é pouco compreendida. Apresenta repercussões no sistema gastrointestinal, principalmente em crianças com idade abaixo de 2 anos. Deve ser tratada como urgência pediátrica devido à heterogeneidade de manifestações clínicas, algumas potencialmente graves. A forma aguda é caracterizada por vômitos profusos após 1-4 horas e/ou diarreia em até 24 horas após consumo de alimento desencadeante. A forma crônica resulta da exposição crônica diária à proteína alimentar patogênica. Diarreia persistente, vômitos intermitentes e déficit pôndero-estatural compõem a FPIES crônica2.

Embora considerada rara, provavelmente não o seja. Apesar dos primeiros relatos serem publicados em 1970, a FPIES passou a integrar a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10), somente em outubro de 2015 (CID 10 K52.2)1,3. Uma coorte prospectiva em Israel revelou incidência de 0,34% de FPIES à proteína do leite de vaca entre lactentes nascidos em um único hospital durante 2 anos1. Sua real prevalência permanece ainda desconhecida devido à combinação de falta de diagnóstico e de relatos3.

Variações regionais sobre os desencadeantes mais frequentes, número de desencadeantes, fenótipos clínicos e padrão de resposta aos tratamentos propostos foram publicados1,2,4. Embora o Consenso Internacional tenha sido publicado em 2017 na tentativa de unificar as condutas diversas, essa alergia alimentar carece de estudos epidemiológicos específicos e em larga escala, para melhor caracterização da doença. O presente estudo buscou identificar e relatar os dados mais frequentes quanto à apresentação, diagnóstico e manejo da FPIES1.

 

Métodos

Para seleção dos artigos, foi realizada busca ativa na base de dados PubMed, onde 256 citações foram encontradas para "food protein-induced enterocolitis", das quais 154 eram entre 2014 e 2019. Cento e duas citações referentes a estudos em seres humanos e 66 publicações referentes a população entre 0-18 anos estavam disponíveis na íntegra, excluindo-se os relatos e séries de casos, mantendo-se os estudos mais relevantes.

 

Fisiopatologia

Os mecanismos pelos quais a FPIES se desenvolve permanecem incertos5. Os sintomas parecem resultar de defeito na função imunológica e de barreira do trato gastrointestinal. A ingestão do alérgeno alimentar associada a defeitos locais gera inflamação intestinal não mediada por IgE, com consequente alteração da sua permeabilidade, que propicia o desvio de fluidos para o lúmen do trato digestivo1,2,5,6.

A hipersensibilidade mediada por células pode desempenhar importante papel no desenvolvimento da doença1,7. Enquanto o mecanismo das alergias IgE mediadas é totalmente conhecido, na FPIES existem ainda muitas lacunas a serem preenchidas sobre sua fisiopatologia8.

A exposição aos alérgenos alimentares gera um rápido aumento dos leucócitos circulantes, associado ou não a desvio à esquerda, e configura um dos critérios diagnósticos5,8. A neutrofilia em sangue periférico é característica da FPIES, com pico após 6 horas da ingestão do alimento suspeito6,7. A trombocitose aguda, também descrita, talvez represente resposta à adrenalina liberada pelo stress, deslocando plaquetas do baço para circulação5.

Alguns pacientes apresentam baixos níveis de anticorpos IgE específicos ao alimento causal, chamadas de "FPIES atípicas". A presença de IgE específica parece traduzir quadros persistentes da doença. A real contribuição da imunidade humoral na fisiopatologia da doença permanece incerta2,8.

 

Alérgenos alimentares

A prevenção adequada baseia-se no conhecimento dos alérgenos alimentares envolvidos em cada caso4. Embora muitos bebês e crianças apresentem FPIES para leite de vaca, soja, peixe, ovos, boa parte também reagirá a alimentos comumente classificados com baixo potencial alergênico4,9,10. O arroz foi considerado o desencadeante sólido mais comum, seguido por vegetais e frutas, na Austrália11. A negligência do potencial alergênico de certos alimentos impede a associação do consumo aos sintomas, dificultando o diagnóstico9. Os frutos do mar estão associados a FPIES em crianças maiores ou ainda na fase adulta2,9,10.

O número de alimentos ao qual cada criança, individualmente, desenvolve FPIES permanece incerto. A maior parte dos pacientes com FPIES reage a apenas um alimento10,11. Crianças que apresentam precocemente reação a frutas, vegetais ou ambos são consideradas com alto risco de FPIES para múltiplos alimentos11. Quanto maior o número de alimentos a serem evitados, maior o impacto na qualidade nutricional da dieta2,4.

Os lactentes com FPIES parecem tolerar os alérgenos através do leite materno sem necessidade de uma dieta de exclusão materna4. O aleitamento materno parece ser um fator protetor na FPIES2,6, pois enquanto vigente, sua ocorrência é rara6,12, devendo ser preservado sempre que possível4,13. Entretanto, esses pacientes não estão isentos da FPIES aos alimentos sólidos9.

Múltiplos fatores podem contribuir para a heterogeneidade de dados. Dentre eles, a coexistência de atopia, tempo de amamentação, microbioma intestinal, hábitos alimentares regionais, taxa de amamentação e frequência do uso de fórmulas infantis1,10.

 

Apresentação clínica

Dependendo da idade, frequência e dose do antígeno alimentar ingerido, as manifestações da FPIES sofrem modificações9,14. A capacidade de provocar reações distintas e muitas vezes graves aos alimentos é característica marcante da doença. Os fenótipos clínicos são caracterizados na Tabela 11,2. A idade de início dos sintomas é variável, podendo manifestar-se desde os primeiros dias de vida até após a introdução alimentar1,15. Nesta faixa etária, o leite e a soja são os desencadeantes mais prevalentes. Após o início da alimentação complementar e sua posterior diversificação, aumenta a incidência de reações causadas por alimentos sólidos6.

 

 

A síndrome é classicamente descrita com duas apresentações: aguda e crônica1,2. A FPIES aguda é marcada por vômitos graves e incoercíveis, após 1-4 horas da exposição, frequentemente resultando em palidez, letargia e desidratação2,16. Diarreia em até 24 horas após a ingestão do alérgeno geralmente está presente, podendo esta ser sanguinolenta2. Dentre os achados laboratoriais, observa-se a ocorrência de trombocitose, neutrofilia, eosinofilia, acidose metabólica e metahemoglobinemia2,16. Após exclusão do desencadeante, a resolução clínica ocorre em até 24 horas da ingestão. Não se observa prejuízo do crescimento e desenvolvimento2,6.

A FPIES crônica, usualmente descrita antes dos 4 meses de idade, decorre da exposição precoce e diária ao alérgeno alimentar, tipicamente à proteína do leite de vaca ou soja2,17. Os sintomas são observados após 1-4 semanas da introdução do alérgeno à dieta. O consumo regular gera sintomas crônicos, que incluem vômitos intermitentes, diarreia, irritabilidade e desidratação, resultando em hipoalbuminemia e baixo ganho de peso9,17,18,19. Há relatos de diarreia aquosa, com muco e/ou sangue6,18,19. A remissão dos sintomas ocorre dentro de 3-10 dias após a exclusão do alimento responsável. A reexposição, acidental ou planejada, gera sintomas agudos e confirma seu diagnóstico2,6.

O diagnóstico precoce pode previnir a depleção progressiva causada pela doença e suas possíveis complicações17. Critérios que auxiliam a categorização da repercussão clínica da doença são apresentados na Tabela 21,2.

 

 

Diagnóstico

Identificar os pacientes com FPIES é ainda um desafio9. O diagnóstico é composto de história clínica compatível, sinais e sintomas característicos, associados à melhora após retirada do desencadeante suspeito, exclusão de outras possíveis causas e teste de provocação oral (TPO) para casos selecionados1,2,6. Dados clínicos relevantes foram organizados de forma a compor critérios diagnósticos para a doença.

A ocorrência de vômitos após 1-4 horas do consumo de comida suspeita, na ausência de sintomas respiratórios ou cutâneos mediados por IgE, representa o critério maior da FPIES aguda. Quando associado a três ou mais dos critérios menores, descritos na Tabela 3, estabelece o diagnóstico do quadro agudo1,2.

 

 

Além disso, embora não seja um critério diagnóstico, é importante reconhecer que as reações agudas de FPIES têm resolução em poucas horas. De modo oposto, a gastroenterite viral, doença frequente em pediatria, necessita de alguns dias para sua completa recuperação1,2.

A presença de vômitos e diarreia, intermitentes e progressivos, com variados graus de desidratação, sem a realização de TPO, fornece apenas diagnóstico presuntivo da FPIES crônica1,2,6. Por meio dos critérios citados na Tabela 4, o diagnóstico para os pacientes ainda em investigação é padronizado1,2.

 

 

Teste de provocação oral (TPO)

Apesar de ser o exame padrão-ouro para diagnóstico, permanece reservado aos pacientes cuja história clínica é inconclusiva, devido aos riscos inerentes ao teste6. Fundamental durante o acompanhamento, o TPO também permite avaliar a aquisição de tolerância ao alimento suspeito3,9.

O TPO deve ser realizado sob supervisão médica, em ambiente hospitalar, com acesso venoso periférico, seguido de observação por um período de duas horas e retorno em 24 horas. Dependendo da gravidade das reações prévias, a reserva de leito de UTI pode ser necessária. Atualmente, recomenda-se administração de 0,06-0,6 g proteína alergênica/kg de peso corporal, em três doses iguais ao longo de 30 minutos. Recomenda-se não exceder um total de 3 g de proteína1,2.

Critérios para interpretação dos resultados foram padronizados. Estes são detalhados na Tabela 5. Na presença de um critério maior e dois critérios menores, o teste de provocação oral é diagnóstico de FPIES1,2.

 

 

Exames complementares

Pela ausência de achados característicos, exames de imagem não são indicados na FPIES6,17. Nos exames endoscópicos, quando realizados, pode-se observar mucosa friável, ulceração retal e sangramento da mucosa. O material obtido nas biópsias mostra atrofia das vilosidades, edema tecidual, abscessos nas criptas e aumento de células inflamatórias1,6,17,20.

 

Diagnósticos diferenciais

A presença de sintomas comuns a diversas doenças torna o diagnóstico da FPIES um desafio, e o erro diagnóstico e a falta de suspeita, frequentes9,21. Repetidos erros geram pior prognóstico aos pacientes, e estresse, ansiedade e frustração aos familiares22. Diferentes diagnósticos são baseados na idade, forma de apresentação e gravidade dos sintomas (Tabela 6)1,2.

 

 

Quadros agudos podem ser atribuídos a sepse e gastroenterite3,6,18. Outros diagnósticos diferenciais são anafilaxia, enterocolite necrotizante, estenose hipertrófica de piloro, intussuscepção intestinal, intolerância à lactose, doença de Hirschsprung e volvo intestinal2,14,18,20.

Quadros crônicos assemelham-se a condições metabólicas ou neurológicas, erros inatos do metabolismo, imunodeficiências primárias, doença celíaca, doença do refluxo gastroesofágico e outros tipos de alergia alimentar não mediadas por IgE6,14,17,18,20.

São sinais de alerta para o diagnóstico de FPIES: rápida recuperação após expansão volêmica, início na transição dietética (por exemplo, introdução alimentar), ausência de febre e provas de atividade inflamatória negativas3,9,15,18.

No entanto, alguns pacientes conhecidos como "FPIES sepse-like" podem ter aumento de proteína C-reativa (PCR > 2-3 mg/dL) e febre associados a sintomas gastrointestinais característicos. Os resultados foram reproduzidos através do teste de provocação oral23-25.

Eventualmente, quando as frutas são os alimentos desencadeantes, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a Intolerância Hereditária à Frutose (IHF). Causada pela deficiência de aldolase B, esta condição compartilha muitas características, como sintomas e idade de início. O diagnóstico da IHF é confirmado através de teste de provocação oral com achados pós-teste específicos18,26.

 

Tratamento

O tratamento da FPIES aguda baseia-se em três pontos principais: expansão volêmica agressiva para restaurar a estabilidade hemodinâmica, redução da inflamação intestinal e controle da êmese1,13,17.

A expansão volêmica agressiva deve ser realizada com soro fisiológico em bolus, na dose de 10-20 mL/kg, via endovenosa (EV). Doses subsequentes de solução salina poderão ser administradas se houver manutenção da instabilidade hemodinâmica. A reidratação oral, em ambiente domiciliar, parece apropriada em reações leves quando a oferta por via oral é bem tolerada27.

Apesar de não haver consenso, o corticosteroide endovenoso em dose única é recomendado em reações graves6,9. A metilprednisolona é o corticosteroide de escolha, devendo ser administrada na dose 1 mg/kg, máximo 60-80 mg, via endovenosa. A conduta sustenta-se na hipótese fisiopatológica atual, em que o processo inflamatório intestinal seria mediado por células inflamatórias2,6.

A ondansetrona, antagonista do receptor de serotonina 5-HT3, é recomendada na dose de 0,15 mg/kg de peso, via intramuscular ou endovenosa5,6,13. Dados atuais demonstram menor duração dos episódios de vômitos nos quadros agudos, quando administrada2,8,29,30. Com base em seu mecanismo de ação, a eficácia da medicação parece traduzir a participação da via neuroendócrina na fisiopatologia da doença5,6,13.

 

Seguimento

O tratamento de manutenção consiste na exclusão do alérgeno da dieta17. Associada a isto, deve ser realizada orientação nutricional, educação do paciente e familiares, bem como desenvolver um plano de ação em caso de exposição acidental27,31.

O impacto de uma dieta restritiva no estado nutricional depende de múltiplos fatores, a citar, a frequência do consumo, poder aquisitivo, habilidades culinárias, disponibilidade de alternativas nos mercados, questões religiosas, número de alimentos a serem excluídos e os nutrientes que os mesmos contêm4.

Para exemplificar a magnitude de uma correta substituição alimentar, descrevem-se alguns dos nutrientes inerentes aos principais alérgenos associados à FPIES. Leite de vaca: proteína, carboidrato, vitaminas A/D/B12, riboflavina, cálcio e magnésio. Soja: proteína, tiamina, riboflavina, piridoxina, zinco e fósforo. Arroz: carboidrato, potássio, niacina, tiamina, riboflavina e ácido pantotênico4,21.

Crianças com doenças gastrointestinais apresentam, mais frequentemente, seletividade e recusa alimentar, medo da introdução de novos alimentos e ansiedade associada à alimentação, configurando a chamada neofobia alimentar. Este padrão de comportamento pode comprometer o crescimento e reduzir a ingestão diária, os quais permanecem após a resolução da alergia alimentar em alguns casos32.

De igual importância, o prejuízo na qualidade de vida e funcionamento familiar dos pacientes em dieta de eliminação para alergias não mediadas por IgE foi descrito33. A melhora do crescimento, da dinâmica familiar, a prevenção de carências nutricionais e o sucesso da reintrodução alimentar estão relacionados à existência de abordagem multidisciplinar e integrativa1,2,4,13.

 

Fórmula infantil

Raros casos de FPIES com aleitamento materno foram descritos. Destes, quase a totalidade dos casos apresentavam forma crônica na doença. Não há consenso quanto à realização de dieta materna de exclusão, principalmente nos quadros agudos, visto que somente a implementação de fórmulas não alergênicas foi resolutiva em alguns casos4,35.

As recomendações sobre a fórmula infantil adequada para lactentes com FPIES que não podem ou não toleram ser amamentados são diversas4,31. Dentre as fórmulas hipoalergênicas, a Fórmula Extensamente Hidrolisada (FEH) parece ser bem tolerada por maior parte dos pacientes. As fórmulas de aminoácidos, sabidamente não alergênicas, estão reservadas para pacientes não respondedores à FEH ou com comprometimento importante do desenvolvimento pôndero-estatural1,4,28,31.

 

Tolerância

A avaliação da tolerância aos alérgenos alimentares é de suma importância, prevenindo restrições alimentares não mais necessárias4,20. Dentre as recomendações atuais, a aquisição de tolerância deve ser avaliada entre 12-24 meses após remoção do desencadeante da dieta1,2,4,20.

 

Prognóstico

Apesar das reações serem potencialmente graves, a FPIES apresenta bom prognóstico. Nenhum óbito foi relatado na literatura6,17,28,36. Quase a totalidade dos casos de FPIES tem resolução entre 3-5 anos de idade1,2,6,12,28. Contudo, aqueles pacientes intitulados "FPIES atípicos" parecem ter curso mais longo, adquirindo tolerância tardiamente37.

A recuperação desses pacientes, sem quaisquer sequelas, é possível por orientação dietética adequada, incluindo otimização dos nutrientes, uso de fórmulas apropriadas e suplementação vitamínica quando necessária38.

Porém, dados da literatura revelam pouca familiaridade dos médicos com FPIES, haja vista a expressiva variação do conhecimento quanto aos métodos diagnósticos, gerenciamento do quadro agudo e posterior orientação nutricional adequada39. De modo a garantir a manutenção do bom prognóstico dos pacientes, a divulgação da Síndrome de Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar é essencial22,39.

 

Conclusão

A incorporação progressiva de novos conhecimentos na fisiopatologia da FPIES é útil para compreender a grande diversidade de apresentações clínicas e desfechos terapêuticos. A capacidade de qualquer alimento desencadear FPIES, alergia não IgE mediada, está estabelecida. Os desencadeantes mais frequentemente relatados são leite, soja e arroz.

Atualmente a necessidade de uma abordagem personalizada é reconhecida. Essa conduta vai ao encontro dos conhecimentos atuais sobre a existência de diferentes fenótipos. A expansão volêmica precoce para atingir estabilidade hemodinâmica parece conduta consolidada, e observam-se crescentes evidências dos benefícios da ondansetrona para controle dos vômitos. Os primeiros sintomas iniciam ainda no primeiro ano de vida, apresentando-se na forma aguda ou crônica da doença. Porém, o maior desafio é ainda o diagnóstico desses pacientes.

Devido a FPIES ser pouco conhecida, as orientações e condutas atuais parecem empíricas. Tal constatação gera insegurança e ansiedade aos profissionais da saúde, nesse contexto em especial aos pediatras, bem como aos pacientes e familiares.

O presente estudo constituiu uma tentativa de compreendermos os dados disponíveis sobre FPIES. Por compartilhar características com diversas doenças de mecanismos distintos, discute-se a possibilidade da Síndrome de Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar ser a "mãe de todas as alergias alimentares". Dessa forma e sob tal complexidade, fica clara a importância do tema ainda pouco discutido.

 

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